Um retorno feliz

Bernard-Henri Lévy

Bernard-Henri Lévy

Não há limites absolutamente para a má fé na política. O debate grotescamente ridículo sobre o lugar da França na Otan é apenas o exemplo mais recente.

Primeiro, não é correto falar, como as pessoas estão fazendo em toda parte, da "volta" da França à aliança. Isso porque a França nunca de fato deixou a Otan. Em 1966, sob a liderança do presidente Charles de Gaulle, a França deixou o comando militar integrado da Otan, mas não deixou seu conselho político. De acordo com o ministro de defesa francês Herve Morin, a França participa e sempre participou de 36 dos 38 comitês da Otan. A França tem soldados em dois dos três principais teatros nos quais as forças da Otan estão engajadas (Kosovo e Afeganistão).

É absurdo, portanto, as pessoas dizerem, em reação à decisão do presidente Nicolas Sarkozy de voltar ao comando militar da Otan, que a França vai perder sua influência se reclamar seu lugar no Comitê de Planejamento de Defesa. É ainda mais absurdo já que a França poderia muito bem obter, em troca, a diretoria do centro Comando Aliado de Transformação (Norfolk, Virgínia) e a sede unida (Lisboa, Portugal). Hoje, a França não comanda nada. Nossos soldados arriscam suas vidas sem termos ao menos influência nas decisões de estratégia. Logo, os generais franceses estarão sentados no mais sagrado dos postos, em Norfolk, onde os sistemas de armas são concebidos. Perda de influência? Verdade?

É falso, factual e simplesmente falso, alegar que, ao fazer isso, a França vai se alinhar com o "Império Americano". É óbvio que o oposto acontecerá: não apenas os tempos mudaram desde quando a Otan poderia ter sido um instrumento dos EUA, não apenas a Otan liderou uma série de operações (Kosovo, Bósnia, o bombardeio de Belgrado) em solo europeu e à pedido da Europa, mas finalmente, em um caso recente ao menos (os pedidos da Geórgia e da Ucrânia de entrarem para a organização), também vimos a Europa dizer não aos EUA e, felizmente, prevalecer. Sendo membro da Otan sem de fato estar lá, sentando em todos seus comitês exceto nos que discutem as escolhas críticas, a França deixa que os outros conduzam o barco: é retomando seu lugar, redescobrindo sua voz e participando dos debates da Otan que a França se dará uma forma de influenciar decisões, defender seus interesses e, quando necessário, ir contra os interesses americanos.

Não é apenas falso, mas escandaloso colocar o público em pânico brandindo o fantasma das "guerras que não queremos e nos veremos mecanicamente envolvidos". É escandaloso porque, com uma exceção (quando um país membro é diretamente atacado), a regra é de unanimidade. É odioso porque, quando uma eventual intervenção é decidida, cabe a cada país membro decidir se e quantas tropas enviará à operação.

Essa revolta torna ridículo o verdadeiro debate, ao ignorar os fatos: no caso da guerra do Iraque, por exemplo, a participação da Alemanha nas estruturas da organização não a impediu de se opor à guerra com tanta firmeza quanto à França, que supostamente era fortificada por sua "exceção" soberana.

E quanto ao argumento que, ao voltar para o comando militar da Otan, teríamos que sacrificar o único projeto que vale a pena -da defesa unificada europeia- bem, isso é outra piada. Há muitos obstáculos para a defesa da Europa, mas pelo menos um obstáculo a decisão de Sarkozy eliminará: ou seja, a suspeita de nossos parceiros quanto à nossa escolha de sermos um cavaleiro solitário dentro da Otan.

Podemos confiar em uma França cheia de independência nacional tantas vezes manifestada em amizades pouco palatáveis (com o Iraque de Saddam, com a moribunda URSS, sem mencionar a tristemente famosa "política árabe" do Ministério das Relações Exteriores que resultou no desenvolvimento de relacionamentos da França com regimes autoritários)? Queremos uma organização de defesa europeia formada em detrimento da comunidade do Atlântico (e da nossa solidariedade em princípios com outras democracias)? Essas são questões que os húngaros, tchecos e poloneses estão se fazendo e também os alemães e espanhóis. São questões que, deste ponto em diante, não terão mais razão de ser. Isso será para o bem maior da construção e do espírito europeu.

Que um político nacionalista francês de extrema direita como Jean-Marie Le Pen não queira ouvir essas evidências é compreensível.

Que ele tenha o apoio dos "antiimperialistas" da extrema esquerda (veja Olivier Besancenot e seu Partido Anti-Capitalista Novo) é esperado.

Que meia dúzia de Gaullistas, soberanistas e euro-críticos entrem para esse eixo vergonhoso também não é grande coisa.

Mas que os socialistas, por um lado, e os centristas de François Bayrou do outro unam suas vozes a esse coro medíocre, dando as costas à memória de François Mitterrand (ele se opôs à decisão de Charles de Gaulle desde o início) e outros em nossa herança democrática cristã (inflexíveis, como questão de honra, diante de uma postura tão totalitária); isso é verdadeiramente deprimente.

Antiamericanismo pavloviano? Oposição sistemática, sem nuances e irresponsável? Ou novamente a incapacidade de compreender o mundo pós-Guerra Fria? Todos vão avaliar a situação. Depois vão implorar, como estou fazendo aqui, que seus amigos se unam.

Tradução: Deborah Weinberg

Bernard-Henri Lévy

Considerado um dos principais escritores franceses da atualidade, é autor de obras como "Quem Matou Daniel Pearl?".

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