Uma carta dos filhos de Sakineh

Bernard-Henri Lévy

Bernard-Henri Lévy

  • AP

    A iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani

    A iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani

Esta carta aberta, escrita pelos filhos de Sakineh Mohammadi Ashtiani e dirigida "aos cidadãos do mundo", é um documento excepcional. Suas palavras são particularmente comoventes para aqueles de nós que continuamos defendendo Sakineh, a jovem iraniana sentenciada à morte por um suposto adultério.

Esta não é a primeira vez que Sajjad Ghaderradeh, filho de Sakineh, eleva sua voz. A transcrição de minha entrevista telefônica com ele em 2 de setembro foi publicada no site da rede La Regle du Jeu, no jornal "Libération" e no "Huffington Post". Ele e eu falamos dez dias depois - o dia da manifestação que co-organizei em Paris com a associação feminista francesa Ni Putes ni Soumises (Nem putas nem submissas). Sajjad telefonou do Irã para expressar sua gratidão aos manifestantes reunidos na Praça da República e para comunicar as últimas notícias sobre sua mãe.

Agora Sajjad optou pela palavra escrita, em uma carta assinada também por sua irmã, Saeidah. Refutam as autoridades que erroneamente disseram que sua mãe tinha sido declarada culpada de assassinar seu pai e os que a pressionaram a confessar falsamente o crime em um vídeo divulgado em agosto. Em um segundo vídeo, transmitido pela TV iraniana este mês e que muita gente acredita que foi apresentado para voltar a opinião pública contra Sakineh, ela nega que tenha sido torturada ou pressionada.

Os filhos de Sakineh estão plenamente conscientes dos riscos que assumem ao enviar esta mensagem, mas apesar disso pediram que seja divulgada em todo o mundo. Que suas vozes, expressando uma angústia profunda e uma súplica comovente, sejam ouvidas fortes e claras.

"Aos cidadãos do mundo,
Ignoramos o que está acontecendo com nossa mãe atrás de portas fechadas. Quantas entrevistas coercitivas haverá, e para que serão? Todo esse sofrimento porque nosso advogado revelou a verdade e corrigiu o histórico? Por que as autoridades devem provocar a indignação popular através de entrevistas falsas e nos transformando em alvos de ataques? Por que minha irmã e eu temos de nos esconder? Onde está a justiça de tudo isso?

Por que não nos permitiram estar com nossa mãe durante as entrevistas? E como podem continuar usando essas transmissões para jogar com a vida dela e a reputação de nossa família? Por que animam seus seguidores contra nós, para que as pessoas nos persigam na rua, nos agridam e nos insultem? Quantas falsas entrevistas mais e confissões falsas devemos esperar?

Nestes dias nos sentimos perdidos, em busca de nós mesmos.

A cada dia que passa nossas vidas tornam-se mais incompreensíveis.

Estamos esgotados e desejamos só uma coisa: encontrar refúgio e paz nos braços de nossa mãe.

Estamos esgotados e trememos diante de todos os insultos e injustiças que sofremos, e todas as vezes que tivemos de esconder nossas lágrimas.

Seguimos esta rota obscura da vida com temor em nossos ventres e angústia em nossos corações.

Estamos esgotados depois de correr tanto tempo, tão sós.

Estamos cansados de combater sós.

Queremos colocar nossos braços em torno de seu pescoço, mamãe. E estreitar seus ombros. Passaram anos desde que estivemos protegidos por sua sombra ou pela de papai. Agora estamos proibidos inclusive de receber notícias suas.

Quem somos? Seres vivos? Para quem ou para quê estamos vivendo? Não sabemos. Por que Deus nos criou aos dois, a minha irmã e a mim? Viemos ao mundo só para sofrer tanta tortura? Durante nossa infância perdemos nosso lar e nos encolhemos nas ruas escuras e frias.

Enquanto outras meninas estavam encolhidas nos braços de sua mãe, pedindo-lhes que trançassem seus cabelos, minha irmã tiritava no frio e na neve, orando ao lado da grande muralha da prisão para que talvez lhe permitissem ver sua mãe por um instante.

Enquanto meus amigos estavam sentados ao lado de seus pais, fazendo suas tarefas, eu era testemunha do assassinato de meu pai - e, mais doloroso ainda, fui testemunha de que minha mãe fosse acusada falsamente de assassiná-lo.

Inclusive nosso advogado, Javid Houtan Kian, está pagando o preço. As autoridades arrasaram sua casa. E pelo único crime de ter defendido nossa família já não lhe permitem sequer entrar no Ministério da Justiça. Ele também precisa de alguém que o defenda. Para todos nós esta vida se transformou em tragédia. Talvez o interrogador do serviço de inteligência do Irã tivesse razão quando nos disse que mesmo que nossa mãe volte para nós "eles" nunca nos deixarão viver em paz. Porque, segundo ele, o mundo só está preocupado com a libertação de nossa mãe, e não com o resto de nossas vidas.

É verdade, nossas vidas carecem de significado. Fomos rejeitados em toda parte, inclusive por nossa própria família.
Mas quando adquiri consciência do apoio generoso de nossos amigos - os que conhecemos bem e outros em todo o mundo aos quais nunca conhecemos, e que no entanto falaram em nossa defesa - senti como uma luz que abrisse caminho para nossa solidão.

Rogamo-lhes do fundo de nosso coração que continuem pensando em nós - mas também em outros como nós, e em todas as pessoas encarceradas no Irã. Lembrem que não têm meios para se defender a si mesmos, embora sejam inocentes. Sim, lhes suplicamos, lhes rogamos.

Assinado

Sajjad e Saeidah"

*(Bernard-Henri Lévy é o autor, mais recentemente, de "Left in Dark Times: A Stand Against the New Barbarism".)

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Bernard-Henri Lévy

Considerado um dos principais escritores franceses da atualidade, é autor de obras como "Quem Matou Daniel Pearl?".

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