Israel e Estados Unidos: Paz agora!

Bernard-Henri Lévy

Bernard-Henri Lévy

  • Ronen Zvulun/Reuters

    O vice-presidente dos EUA, Joe Biden, durante encontro com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, durante visita oficial do representante americano ao país, na última terça-feira (09/03)

    O vice-presidente dos EUA, Joe Biden, durante encontro com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, durante visita oficial do representante americano ao país, na última terça-feira (09/03)

Recentemente foram escritas inúmeras coisas insensatas sobre a suposta crise nas relações entre os EUA e Israel. A verdade é que uma análise da situação revela uma divisão marcante entre as consequências a curto prazo e as repercussões a longo prazo.

Para começar, a curto prazo não acredito que a decisão de construir 1.600 unidades habitacionais novas em Jerusalém oriental possa causar um rompimento como o que testemunhamos em 1975 (quando Israel se negou a evacuar o Sinai) e em 1991 (quando George W. Bush ameaçou sancionar os israelenses se eles boicotassem a conferência de paz de Madri). Barack Obama é amigo de Israel. Foi o único presidente democrata que se atreveu a dizer, numa entrevista concedida a Jeffrey Goldberg em 2008, para o The Atlantic, que “o movimento sionista inicial e o kibbutz” ajudaram a formar sua “concepção de justiça social”. Foi o único presidente que enfatizou a importância do que aprendeu sobre Israel em sua juventude para a sua educação política geral. Ele repete e sempre repetiu de forma inflexível que o retorno à terra prometida do coração do sionismo “tem grande ressonância com a experiência africana-norte-americana” e, consequentemente, com sua “história de desenraizamento” e “êxodo”.

E embora essas unidades habitacionais tenham supostamente sido a fonte das tensões atuais, não podemos esquecer que foi Obama e não o senador John McCain que declarou em 4 de junho de 2008, durante a campanha presidencial, que Jerusalém deve continuar sendo a capital “indivisível” do Estado judeu. Essas declarações, junto com a confissão de que ler “Êxodo”, de Leon Uris, e os livros de Philip Roth o ajudaram a formar sua visão de mundo e sua firmeza em relação ao Hamas, com quem continua sendo impossível negociar enquanto continuar se recusando a renunciar ao terrorismo e ao seu ódio mortal a Israel: não há nada que faça pensar que ele desistiu de tudo isso nos últimos 15 meses. E por isso rejeito a teoria de que a questão das 1.600 unidades habitacionais abalará um sentimento, ou crença, que é quase uma fé profundamente arraigada na história da vida de Obama.

Entretanto, a médio e longo prazo o panorama não é tão tranquilizador. Em primeiro lugar, nunca se deveria esquecer de que, ao contrário da crença popular, os Estados Unidos não fizeram parte dos países que aclamaram entusiasticamente o reconhecimento de Israel quando foi criado. Harry Truman desafiou vários membros de seu governo, seu secretário de Estado e um segmento importante da opinião pública quando tomou a histórica decisão de reconhecer a nova nação. A consagrada imagem de uma aliança privilegiada – se não é francamente predestinada entre ambas democracias messiânicas, não pode nem deve apagar o fato de que durante 20 anos foi a França, e não os Estados Unidos, que abasteceu a jovem nação com armas, tecnologia avançada e, particularmente, tecnologia nuclear.

Tudo isso está no passado, dado que a conservação da segurança de Israel foi um princípio não negociável de todos os presidentes norte-americanos desde John F. Kennedy, mas não devemos perder de vista outros três fatores que não podem ser depreciados. Não deveríamos nos apressar a rotular o anti-sionismo militante como exclusivo da Europa, como o demonstram John Mearsheimer e Stephen Walt em “The Israel Lobby and U.S. Foreing Policy” [“O Lobby Israelense e a Política Experior dos EUA”]. Os escritores defendem a tese de um complô judeu que subjuga os interesses da diplomacia norte-americana aos da potência externa que é Israel – não encontrei uma obra equivalente na Europa. Consequentemente, os Estados Unidos são o único país onde um homem com o prestígio do ex-presidente Jimmy Carter pode escrever o sucesso de vendas “Palestina: Paz, Não Apartheid”, que reiterou os clichês anti-sionistas mais desgastados a tal ponto que se viu obrigado a se retratar por causa dos termos mais ofensivos numa mensagem dirigida aos judeus norte-americanos em 21 de dezembro de 2009.

Além disso, considerando os grupos de lobistas, os Estados Unidos são um país tão pragmático quanto idealista ou religioso. Quem pode afirmar que os 6 milhões de judeus norte-americanos terão o mesmo poder eleitoral no dia que enfrentarem outro grupo lobista igualmente bem organizado e importante que defenda o ponto de vista das empresas petroleiras (a “intransigência” israelense como obstáculo para a prosperidade mundial) ou o de outra minoria (talvez a Nação Islâmica e seus companheiros) alimentada com o leite amargo da vitimização em vigor?

O ponto é que a aliança israelense-norte-americana não é um dogma gravado na história para toda a eternidade.

Este é o momento adequado para sugerir, mais uma vez, que nada garante que Israel sempre terá aliados tão sinceros e, gostem ou não, tão firmes como o dueto Barack Obama-Hillary Clinton, como foi dito incessantemente aos líderes israelenses cada vez que surge uma oportunidade. Longe de serem os primeiros líderes norte-americanos que expressaram dúvidas sobre a aliança, talvez estejam entre os últimos que a considerem um axioma. E mesmo que a meia-noite não caia para o século israelense, talvez as circunstâncias presentes nunca sejam mais propícias para uma demonstração política importante, uma reafirmação dos princípios fundadores do sionismo – em poucas palavras, para a declaração de paz que Israel e o mundo esperam.

Tradutor: Eloise De Vylder

Bernard-Henri Lévy

Considerado um dos principais escritores franceses da atualidade, é autor de obras como "Quem Matou Daniel Pearl?".

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