Barack Obama e a questão paquistanesa

Bernard-Henri Lévy

Bernard-Henri Lévy

Mais uma vez, Barack Obama mantém sua palavra. O mesmo homem que declarou, há alguns anos, quando era um jovem senador estadual em Illinois, que o problema número 1 não era o Iraque, mas sim países como o Paquistão, detalhou recentemente sua estratégia enquanto presidente em relação ao "país dos puros". E o que ele nos disse constitui uma cadeia de proposições bem elaboradas, cada uma delas rompendo com o que ficará para sempre conhecido como o maior erro estratégico dos anos Bush.

Proposição nº 1. O Paquistão é o verdadeiro buraco negro com o qual a diplomacia internacional terá de lidar - mais do que foi o Iraque, o Oriente Próximo, e até mais do que o Irã sob governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad. Ele é uma base para a Al Qaeda. É o terreno fértil do terrorismo mais fanático. E essa atividade não é nem periférica (confinada às notórias "regiões tribais" entre o Afeganistão e o Paquistão), nem acidental (vide os grupos sombrios de cachemires que o exército oficial faria qualquer coisa para submeter).

Ao contrário, atrevo-me a dizer, tudo acontece abertamente. (Por acaso membros da agência de inteligência paquistanesa, a ISI, não se infiltraram na maioria desses grupos criminosos e permitiram que eles prosperassem e se espalhassem até o centro de Islamabad?) Observadores sérios sabem disso. Um deles, Daniel Pearl, morreu por ter falado mais do que deveria sobre o assunto. E eu dediquei um livro inteiro, "Who Killed Daniel Pearl?" ["Quem Matou Daniel Pearl?"], a revelar as conexões entre o ISI e grupos como Lashkar-e-Jhanghvi ou Laskar-e-Taiba, que pareciam estar no centro da nebulosa de Osama bin Laden. Mas o fato de Barack Obama, agora presidente da maior democracia do mundo, ter dito isso tão inequivocamente; de seus principais conselheiros, como Richard Holbrooke, parecerem completamente convencidos; de o chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA Michael Mullen ter nos explicado em termos claros que a manipulação do ISI sobre a Al Qaeda (e vice-versa) é um fato incontestável que "precisa mudar" - tudo isso é uma verdadeira virada estratégica.

Proposição nº 2. Nós podemos apoiar o Paquistão, defende Obama.
Podemos continuar a considerá-lo um aliado de primeira ordem. Podemos fornecer toda e qualquer ajuda necessária para sustentar seu processo de desenvolvimento. Mas essa ajuda não pode mais ser cega. Não pode mais ser automática. Não podemos continuar distribuindo bilhões de dólares a pessoas que desviarão o dinheiro para ditas "ONGs" como a Ummah Tameer e-Nau, uma suposta entidade "beneficente" que eu revelei há muito tempo e que, juntamente com o lobby nuclear de Abdul Qadeer Khan, o Dr. Strangelove paquistanês, teria fornecido aos emissários de bin Laden materiais para construir miniaturas de armas nucleares.

Essa ajuda, em outras palavras, precisa ter critérios rigorosos. Precisa ser condicional. É impossível esperar que ela funcione com uma fiscalização tão negligente que exige que os beneficiários simplesmente "prestem contas". Aí, novamente, está a prova. Aí, novamente, está o que os próprios paquistaneses - que pelo menos valorizam os direitos humanos tanto quanto valorizam seu país - vêm pedindo há décadas. Mas o fato de um presidente americano ter reconhecido isso, de ter concordado em tratar a ajuda não como uma cornucópia, mas como uma ferramenta política, de ter a audácia de usá-la como um instrumento de pressão democrática - ou até de chantagem democrática - é outro evento de extrema importância.

Proposição nº 3. Os principais inimigos da Al Qaeda, uma organização que prospera no Paquistão como um peixe dentro d'água, não são os americanos. Segundo Obama, são os próprios paquistaneses. Mais uma vez, nós já sabíamos disso. E mais uma vez, falando apenas a partir do que eu pessoalmente vi e fotografei, todos lá sabem que a madrassa de Binori Town, no meio de Karachi, é o santuário das gangues cujo passatempo favorito, apesar ser chamado discretamente de "confronto intersectário", é na verdade o massacre a sangue frio de xiitas desarmados. E nenhum paquistanês pode ignorar que são suas filhas, suas amigas, suas mulheres, que estão nas linhas de frente de uma guerra na qual os extremistas continuam queimando mulheres vivas por olharem para homens que não sejam seus maridos. Mas, mais uma vez, o fato de o presidente Obama ter reconhecido isso, e dito - e essas foram suas palavras - que a Al Qaeda é um "câncer" e que esse câncer "pode matar o Paquistão por dentro", e de ter proclamado para o mundo que sua intenção é ajudar os milhões de muçulmanos que são alvo dessa violência, mostra, finalmente, uma prescrição correta para a guerra contra o terrorismo - uma receita que, pela primeira vez, evita a armadilha da guerra de civilizações à la Bush e Huntington.

Sair em busca do inimigo no seio do Estado paquistanês... Condicionar a ajuda internacional à limpeza dos serviços secretos por parte do Estado... Reconhecer o fato de que o único conflito de civilizações válido é aquele que coloca os jihadistas contra os moderados dentro do Islã... Os europeus conhecem os termos da equação. O que estão esperando para anunciá-los? E agora que Obama falou, por que estamos esperando para nos juntar à mais decisiva revisão de doutrina geoestratégica de nossos tempos?

Tradução: Eloise De Vylder

Bernard-Henri Lévy

Considerado um dos principais escritores franceses da atualidade, é autor de obras como "Quem Matou Daniel Pearl?".

UOL Cursos Online

Todos os cursos