Ilan Halimi, só para constar
Este mês será dado o veredicto do processo dos assassinos de Ilan Halimi.
Lembremos, só para constar, que Ilan Halimi é esse jovem francês sequestrado em 21 de janeiro de 2006 na região de Paris, e encontrado em 13 de fevereiro, perto de uma via férrea, vítima de tortura, queimado vivo, seu corpo em carne viva, jogado como se fosse um cachorro, agonizante e finalmente morto.
Lembremos, só para constar, que a França é esse país em que, como Daniel Pearl em Karachi - friso bem 'como Daniel Pearl' e friso bem 'em Karachi' - um homem pode ser, às vistas de um bairro inteiro, sequestrado, levado de um lugar para outro, esfomeado e alimentado, assassinado lentamente, torturado, trocado de mãos quando os torturadores se cansam, transportado novamente, e isso, durante 24 dias.
Lembremos, só para constar, que os cúmplices desse ato atroz, o vigia do prédio de Bagneux que emprestou a sala das caldeiras, a jovem pudicamente chamada de isca, o entregador de pizza, o carcereiro que os gritos de Ilan impediam de fumar em paz e que, para obrigá-lo a se calar, apagou sua bituca em brasa na sua testa, os outros, todos os outros, tiveram 24 dias, e eu friso bem '24 dias', praticamente uma eternidade, para se comoverem com seus gritos, se preocuparem com seu corpo queimado, mutilado com estilete, sangrando, para voltarem atrás, romperem o pacto de silêncio que haviam feito, e com um telefonema, um só, colocar fim a seu calvário - lembremos, só para constar, que nenhum deles teve esse reflexo básico de humanidade.
Lembremos, só para constar, que Youssef Fofana, o líder da gangue, é um antissemita da mais simples, da mais pura, da mais estúpida e bestial das espécies: aquela que, não sabendo nada, e não querendo saber de nada, não sabendo que o destino judeu, ao longo dos tempos, primeiramente rimou, e ainda rima, com humilhação, pobreza, miséria, alimenta o clichê monstruosamente idiota - mas a idiotice, nesse tipo de caso, é uma circunstância, não atenuante, mas agravante - do judeu "podre de rico", e por isso objeto dessa crueldade fria, calculada, que somente a morte poderia deter.
Lembremos, só para constar, que na época apareceram mentes brilhantes, não exatamente para justificar esse assassinato, mas para explicá-lo, desculpá-lo, situá-lo em seu contexto que era, dizem, o da famosa crise dos subúrbios e de sua procissão de misérias - como se a miséria fosse um motivo! Como se houvesse uma miséria no mundo que permitisse que nos apoderássemos de um homem, torturássemos seu corpo e profanássemos seu rosto! Como se não fosse um insulto à própria miséria ousar estabelecer uma ligação, qualquer ligação, entre ela e esses rapazes e garotas de matadouro que se empenharam, durante 24 dias, em humilhar, mutilar, marcar como a um animal, incendiar, sangrar, enfim, o mais inocente dos homens e isso, eu repito, somente porque ele era judeu.
Lembremos, só para constar, que nos dias que se seguiram à descoberta, perto da estação de Sainte-Geneviève-des-Bois, desse corpo supliciado, sem sangue, ao qual só restava um sopro de vida, apareceram outros, a menos que fossem os mesmos, para hesitarem sobre a qualificação do ato, questionar eruditamente a respeito de seu verdadeiro motivo e resmungar: "espere aí! pode ser um crime hediondo, mas antissemita talvez não!"- como se os dois não andassem de mãos dadas; como se o antissemitismo também não fosse sempre da ordem do hediondo; como se o nazismo, por exemplo, o próprio nazismo histórico, também não tivesse sido primeiramente uma empreitada de extorsão de fundos, uma pilhagem, uma fraude maciça e em escala europeia!
Lembremos, só para constar, os tantos bons apóstolos que, até dentro da polícia, e até o cume da hierarquia judiciária, e até a imprensa mais bem intencionada, também se dirigiram aos judeus: "para o bem dos judeus, sim, para o bem deles, para não avisar cedo demais sobre o lobo e se encontrar, quando o lobo finalmente vier, como a cigarra, despreparada, nós pedimos que vocês tenham prudência, um autocontrole semântico, que não trombeteiem, justamente, o retorno da Besta e do nazismo" - como se esse homem-cordeiro degolado não fosse o suficiente para avisar sobre o lobo! Como se fosse preciso esperar, para dar nome à Coisa, que ela se digne a correr entre as palavras,os códigos, as definições convencionais!
Teríamos adorado se o ministério público, por meio do advogado-geral, lembrasse essas verdades.
Teríamos adorado que fosse ela, a sociedade, que aproveitasse esse processo para se absolver desse dever e voltar as costas para esse punhado de ideias falsas e, se não tomarmos cuidado, funestas, no futuro.
Infelizmente, não foi o que aconteceu. E só tivemos direito, sob forma de acusação, a um exercício de casuística, sendo que a confusão, as cautelas, os constrangimentos mal disfarçados diante desse crime cometido de forma coletiva e atípica, as incoerências, surpreenderam os observadores. A família de Ilan está chocada. Ela perdeu tudo. Tudo. Até as forças para chorar. É preciso saber que a ela só resta a humilde, mas firme esperança de ver a justiça sendo feita. Já é hora.
Tradução: Lana Lim
Bernard-Henri Lévy
Considerado um dos principais escritores franceses da atualidade, é autor de obras como "Quem Matou Daniel Pearl?".