Amanda Cotrim

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Reportagem

Estratégia de Lula é não pressionar Milei em extradição de fugitivos do 8/1

O governo Lula (PT) não pressionará a gestão do argentino Javier Milei no caso da extradição de fugitivos envolvidos nos ataques do 8 de Janeiro. As fugas foram reveladas em maio pelo UOL.

Fontes diplomáticas afirmam que o caso —encarado como inédito e sensível— tem potencial de provocar problemas entre os países vizinhos, se o governo do ultraliberal aceitar os 80 pedidos de refúgio político feitos à Argentina por condenados e investigados pelos atos golpistas.

Por isso, a ordem é que autoridades evitem comentários públicos sobre a questão a fim de preservar a soberania da Argentina frente às decisões acerca das extradições.

O governo Lula, em linha com o STF (Supremo Tribunal Federal), já trabalha para extraditar os foragidos, mas ainda nenhum pedido foi encaminhado à Argentina.

Nesta semana, o governo Milei enviou ao Brasil uma lista em que confirma que mais de 60 foragidos envolvidos nos atos golpistas estão na Argentina. Segundo o jornal Clarín, constam na relação 86 nomes. O UOL apurou que os nomes já foram entregues ao gabinete do ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do processo.

Apesar de adotar a discrição, o Itamaraty está confiante de que a Conare (Comissão Nacional para Refugiados), órgão do governo argentino que analisará os pedidos, negará o refúgio porque considera que os fugitivos não respondem por crimes políticos, segundo apurou o UOL.

Fontes diplomáticas não descartam, contudo, o risco de as divergências entre Lula e Milei afetarem o caso. Os mandatários ainda não se encontraram mais de seis meses após o início do novo governo argentino. Milei insultou Lula em 2023, durante a campanha eleitoral, e já como presidente endossou críticas ao STF em redes sociais.

Enquanto isso, o governo Milei emite sinais divergentes. Nesta semana, o porta-voz da Presidência da Argentina, Manuel Adorni, afirmou que o governo não fará "pacto de impunidade" com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores. "Esse não é um tema político, mas judicial", disse Adorni. "Portanto, nós não temos interferência no que acontece. Se a Justiça do Brasil solicita à Argentina determinada questão, será uma decisão da Justiça local."

Por outro lado, a ministra de Relações Exteriores argentina, Diana Mondino, disse que seu país é um "santuário para os que são perseguidos por exercer sua liberdade de expressão", referindo-se ao caso de um jornalista espanhol que acusou o governo da Espanha de persegui-lo.

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"Qualquer cidadão de bem encontrará proteção em nosso solo e embaixadas. Especialmente aqueles jornalistas que são intimidados pelo simples fato de perguntar e informar", afirmou Mondino.

Cautela e 'diálogo quebrado'

A postura do Brasil sobre o caso dos fugitivos indica cautela, avalia Fábio de Sá e Silva, professor brasileiro de estudos internacionais na Universidade de Oklahoma (EUA).

"Parece haver aí uma cautela, porque, se ele [Milei] diz: 'não vamos devolver ninguém', é uma desmoralização para as instituições brasileiras", afirmou. "Os bolsonaristas estão lutando por isso, [por] uma anistia no Congresso e que outros países reconheçam [as condenações do 8 de Janeiro] como abuso. Se qualquer uma das coisas acontecem, as instituições saem desmoralizadas."

Na avaliação do advogado e cientista político argentino, Rodrigo Gomez Tortosa, professor da Universidade de Buenos Aires, a opção do governo Lula de não pressionar politicamente Milei é uma saída "que respeita a histórica relação entre ambos os Estados", mas ele diz acreditar que o diálogo entre os presidentes "está quebrado".

"Se a Argentina conceder refúgio político aos foragidos pela tentativa de golpe de Estado, marcará um ponto de inflexão sem retorno nas relações entre os dois países, ao menos durante a gestão Milei e Lula.

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O professor Fábio de Sá e Silva entende que o histórico argentino indica maior possibilidade de extradição, principalmente para os réus condenados.

"A Argentina mandou prender os seus generais, um país que, em matéria de justiça de transição, fez muito mais que o Brasil. E aí as pessoas que participaram de um golpe de Estado reconhecido pela Suprema Corte, numa legislação assinada pelo Bolsonaro, o governo argentino vai dar refúgio para essas pessoas só porque são de direita?", questiona Sá e Silva.

Precedente na Conare preocupa Brasil

Outra preocupação do Itamaraty é o caso abrir precedentes, levando outros condenados por crimes comuns a fugirem para a Argentina.

Militantes bolsonaristas disseram à Conare que são perseguidos políticos em processos judiciais com violações do direito de defesa. A Asfav (Associação dos Familiares dos Investigados) anunciou ter entregue à Conare um documento com mais de cem páginas denunciando violações de direitos humanos aos presos, condenados e investigados do 8 de Janeiro.

A entrega foi feita no mesmo dia em que deputados brasileiros como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Júlia Zanata (PL-SC) e Marcel Van Hatten (Novo-RS) defenderam o refúgio a militantes em reunião no Congresso da Argentina.

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Por enquanto, os foragidos que entraram com pedido de refúgio receberam uma autorização para "permanência provisória" na Argentina, o que é suficiente para evitar uma ordem de prisão ou adiar pedidos de extradição.

A Conare é integrada por funcionários da Secretaria do Interior, dos ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e da Segurança. O Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) e uma organização da sociedade civil também integram a comissão, mas não têm direito a voto.

Rodrigo Gomez Tortosa, da Universidade de Buenos Aires, avalia que, como a Conare "é composta por funcionários do governo de Javier Milei e é responsável por determinar quem recebe o status de refugiado", elementos políticos podem se sobrepor a questões jurídicas.

Reportagem

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