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Busca por Lázaro Barbosa traz à tona histórico de perseguição religiosa
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A busca pelo fugitivo Lázaro Barbosa, que há mais de 15 dias desafia a inteligência da polícia brasileira, tem evidenciado os excessos e as práticas violentas e racistas dos agentes de segurança do estado.
Líderes de terreiros de candomblé e umbanda de Goiás registraram denúncias de invasão e coação realizadas por policiais da operação que tenta localizar o criminoso acusado de assassinatos na cidade de Ceilândia, Distrito Federal.
Os relatos dos líderes religiosos, alguns idosos, são dramáticos. De violência extrema, violação de espaços sagrados e questionamentos constrangedores que tentam associar o criminoso à religião e até a possibilidade de cooperação das casas, como abrigo ao foragido.
Uma prática absurda, mas, infelizmente, comum no país que registra inúmeros relatos de violência policial em territórios negros. Neste caso, o racismo está associado e potencializado pela intolerância contra as práticas religiosas afro-brasileiras.
Imagens dos terreiros relacionadas ao 'satanismo'
O racismo religioso nesta procura a Lázaro Barbosa começou com a publicação, por alguns veículos de imprensa, de imagens de assentamentos —objetos que são representações sagradas de orixás--, para associar Lázaro ao satanismo. As primeiras notícias informavam que as imagens eram de um possível esconderijo encontrado pela polícia.
As fotos não foram enviadas por fundamentalistas religiosos que cotidianamente comentem perseguições às religiões de matriz africana. Foram os próprios agentes que fotografaram e tornaram públicas as imagens.
Somente após denúncias feitas pelos religiosos, a verdade veio à tona. Os espaços fotografados não possuem nenhuma ligação com Lázaro Barbosa. As imagens são a prova das violações aos terreiros cometidas durante a operação.
Podemos imaginar se, na busca por padres ou pastores acusados de crimes, a polícia invadisse indiscriminadamente igrejas e submetessem líderes religiosos católicos ou evangélicos a constrangedores interrogatórios?
O que não deveria ocorrer com nenhuma religião acontece com o candomblé. A invasão a terreiros, por civis e militares, é uma das violências vivenciadas por comunidades que mantêm as práticas culturais e religiosas afro-brasileiras.
Criminalização da religiosidade negra
O racismo religioso se expressa na forma como a sociedade brasileira, e suas instituições, associam a religiosidade negra à negatividade e à criminalidade.
É a manutenção de uma história de violências e impedimento ao livre culto aos ancestrais, uma herança trazida ao Brasil pela população sequestrada do continente africano na condição de escravizados.
Apesar da liberdade de culto ser um direito constitucional assegurado desde 1891, na primeira Constituição do Brasil República, as batidas policiais em terreiros eram comuns no início do século XX. Nestas ações policiais, objetos sagrados eram apreendidos. Alguns eram destruídos e outros passavam a integrar acervos da polícia, ao lado de armas e outras provas materiais de crimes.
Recentemente estas peças, que contam a história da época em que o candomblé era tratado como uma contravenção e, portanto, caso de polícia, vem sendo recuperadas.
Comunidades religiosas, mobilizadas, tem conseguido o resgate deste patrimônio histórico e religioso.
Coleção Nosso Sagrado
No Rio de Janeiro, a campanha Liberte Nosso Sagrado, liderada por sacerdotes e sacerdotisas do candomblé como Mãe Meninazinha de Oxum, do Ilê Omolu Oxum, em São João do Meriti, garantiu uma grande vitória este ano.
Objetos sagrados do candomblé e da umbanda confiscados pela polícia, que integravam uma coleção intitulada "Magia Negra", ficando exposto, durante décadas, no Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro e depois encaixotadas em depósitos, agora estão no Museu da República, no Catete.
Entre os itens estão instrumentos musicais, imagens e vestimentas de orixás, fios de contas e até assentamentos que poderão receber tratamento museológico, resgatando sua história e importância para a religião.
Na Bahia, objetos sagrados dividiam espaço com armas e anomalias
Na Bahia, processo similar ocorreu em 2013, quando objetos sagrados do candomblé, que ficavam em um museu instalado nas dependências do Departamento de Polícia Técnica foram transferidos para o Museu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia.
As peças integravam a coleção do médico Estácio de Lima, que reunia peças coletadas pela repressão policial aos terreiros de candomblé a outros objetos de crimes e patologias médicas.
Visitantes, inclusive estudantes de várias idades, tinham acesso ao espaço onde as peças religiosas estavam ao lado de armas de vários tipos, partes do corpo de animais com deformidades físicas, entre outras bizarrices.
Situações como estas reforçam o imaginário nacional de preconceito contra as religiões afro-brasileiras.
A narrativa policial de que os crimes cometidos por Lázaro integravam rituais de satanismo —além da veiculação desta informação associada a imagens dos terreiros—, foi muito bem aceita pela imprensa brasileira, pelo histórico de mentiras contadas sobre o candomblé e a umbanda.
Nenhum líder religioso dos espaços invadidos pela polícia confirma o vínculo do criminoso com as casas e nem o conhecimento da existência dele ou do seu paradeiro.
Alguns portais, inclusive, noticiaram que a esposa de Lázaro informou que o marido era cristão, já tendo realizado pregações em presídio. Essa informação não pode motivar nenhuma responsabilização desta religião e de seus líderes com os crimes praticados por ele.
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