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Era Bolsonaro tem maior nº de conflitos por terra desde 1985, diz relatório
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O número de conflitos por terra na gestão Jair Bolsonaro (PL) já supera o de qualquer mandato completo de governo desde a redemocratização em 1985.
Dados divulgados hoje pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), entidade ligada à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) apontam que, entre 2019 e o ano passado, o país somou 4.078 conflitos gerados pela tensão no campo.
Em apenas três anos, o número já supera a marca recorde da gestão Dilma Rousseff/Michel Temer, que registrou 3.973 conflitos por terra entre 2015 e 2018.
Segundo o relatório "Conflitos no Campo 2021", houve 1.769 casos de conflitos por terra, por água ou trabalhistas em 2021 — redução de 15% em relação ao anterior, quando foram registrados 2.054 (número recorde).
A queda no número de conflitos em 2021 não é vista como um motivo de alívio, segundo a CPT.
"Embora haja queda no total de ocorrências, a base de casos permanece altíssima e revela como o campo brasileiro segue sendo usado como plataforma de valorização e reprodução de um capital que explora, devasta e mata", diz a ABRA (Associação Brasileira de Reforma Agrária) em artigo publicado como parte do relatório.
Procurado pelo UOL, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) afirmou que "todas as denúncias de ameaças, disputas e conflitos no campo são enviadas aos órgãos policiais competentes para apuração".
Números do campo em 2021:
- Conflitos por terra - 1.242
- Conflitos por água - 304
- Conflitos trabalhistas - 169
- Pessoas envolvidas em todos os conflitos - 897.335
- Área envolvida - 712,7 mil km²
- Trabalhadores resgatados em condição análoga à escravidão - 1.726
Um dos dados que chama atenção é que a área em conflito em 2021 alcançou 712 mil km², o equivalente ao triplo da área do estado de São Paulo.
"A cada ano vêm crescendo em extensão as áreas afetadas por conflitos no campo", diz a ABRA.
"O indicador aumentou 3,7 vezes desde 2016, relativamente ao período 2011-2015, evoluindo de 63 milhões para 302 milhões de hectares. O desmatamento, efeito da atuação praticamente irrestrita de madeireiros e grileiros na Amazônia, avança sobre terras públicas, áreas protegidas e territórios tradicionais", completa.
O mesmo relatório, conforme antecipou a coluna na segunda-feira passada, aponta que o número de assassinatos por causa desses conflitos chegou a 35 no ano passado —75% a mais que os 20 de 2020 e o maior dos últimos quatro anos.
De acordo com o artigo, isso ocorre porque os conflitos tiveram aceleração a partir de 2019, quando houve o "desmonte dos órgãos de fiscalização (do trabalho, do desmatamento, da mineração ilegal, do meio ambiente, das atividades predatórias da natureza) certamente vem contribuindo para a manutenção e aumento da violência e da impunidade".
Entre os povos afetados, a situação é mais crítica entre os indígenas, que respondem por um em cada quatro casos de conflito. Por conta da paralisação na demarcação de terras indígenas, o MPF (Ministério Público Federal) entrou com ações em número recorde em 2021 para que os processos andem. Em resposta à reportagem, a Funai (Fundação Nacional do Índio) informou que "desconhece a metodologia utilizada no levantamento", que não comenta dados extraoficiais e que "tem atuado, efetivamente, com medidas práticas de apoio à população indígena".
Quem são afetados pelos conflitos:
- Indígenas - 26%
- Quilombolas - 17%
- Posseiros - 17%
- Sem-terra - 14%
- Assentados - 8%
- Outros - 15%
Quem são os causadores:
- Fazendeiros- 21%
- Empresários - 20%
- Governos - 17%
- Grileiros - 13%
- Madeireiros - 6%
- Garimpeiros - 5%
- Outros - 10%
- Sem informação - 8%
O documento aponta que o estado com maior número de conflitos por terra é o Pará, com 156 ocorrências.
Ao descaso e ação deliberada contra a vida das pessoas, o governo federal sustentado pelo agronegócio soma a demonstração de sua força devastadora contra os povos do campo, pois desde 2016 o número de conflitos no campo tem aumentado, e se intensifica após a eleição de Bolsonaro e os militares para a presidência da República
ABRA/CPT
O documento ainda cita que a paralisação da reforma agrária agravou o cenário e gerou ainda mais tensão nas áreas rurais. "A criação de projetos de assentamento, com aumento subsequente do número de famílias beneficiadas com o acesso à terra, contribui para reduzir a taxa de conflito no campo, e o próprio processo de desapropriação opera como uma forma de mediação de conflitos pelo Estado".
O relatório também trata com preocupação com o elevado número de conflitos por água. Em 2021, foram 306 casos, uma leve queda em relação ao ano anterior, quando ocorreram 350 conflitos.
A Bahia foi o estado com maior número de conflitos por água, causados em regra pela mineração: foram 43, sendo 39 deles na Bacia do Rio São Francisco. Ao todo, estiveram envolvidas 1.845 famílias e as principais causadoras "foram mineradoras internacionais".
Em nota à coluna, o Incra afirma que, em vez de 35, foram registrados apenas três homicídios em 2021.
Para o órgão, porém, apenas os registros nos quais os inquéritos policiais comprovaram que a razão da morte é resultante de conflito agrário são incluídos no cômputo geral da sua Câmara de Conciliação Agrária.
"Destacamos que, até o momento, não chegou ao conhecimento da referida unidade qualquer registro de homicídio em razão de conflito no campo em 2022", afirma.
O Incra diz ainda que a câmara atua com foco na articulação e mediação junto ao poder judiciário, ao Ministério Público e a outros órgãos federais e regionais "com o propósito de resolver tensões e conflitos sociais no campo".
Em nota, a Funai informou que "a fiscalização em Terras Indígenas de todo o território nacional é uma das prioridades" da sua atuação. "Desde 2019, a fundação já investiu cerca de R$ 71,7 milhões em ações fiscalizatórias, fundamentais para garantir a segurança das comunidades e prevenir o contágio dessas populações pela covid-19, bem como coibir ações ilícitas, tais como extração ilegal de madeira, atividade de garimpo e caça e pesca predatórias", diz o texto.
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