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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Agência criada para gerir programa Médicos pelo Brasil receberá R$ 783 mi

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Marcelo Queiroga durante cerimônia de contratação do programa Médicos pelo Brasil - FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Marcelo Queiroga durante cerimônia de contratação do programa Médicos pelo Brasil Imagem: FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

19/04/2022 17h55Atualizada em 20/04/2022 19h57

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O Médicos pelo Brasil, novo programa do governo federal para levar atendimento aos rincões do país, contratou ontem (18) os seus primeiros 529 profissionais, que começam a substituir os do Mais Médicos, criado em 2013. Para gerir o programa, o governo federal criou a Adaps (Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde), uma agência subordinada ao Ministério da Saúde que teve como previsão inicial receber R$ 1,2 bilhão pelos primeiros 12 meses de serviço.

Após a publicação da reportagem, a Adaps informou que o investimento total para 2022 é de R$ 783.678.863, e que, para a implantação da agência, foram liberados outros R$ 103 milhões. "O valor de R$ 1,2 bilhão era uma previsão inicial, mas houve uma revisão."

O cronograma do orçamento federal prevê cinco repasses em um período de um ano para fomentar o programa que começou a entrar em prática com uma nova estratégia de contratações.

Os cinco repasses previstos, condicionados à apresentação de resultados, são:

  • Outubro/21 - R$ 103.000.000,00
  • Janeiro/22 - R$ 200.000.000,00
  • Fevereiro/22- R$ 142.444.738,46
  • Maio/22 R$ 385.250.330,77
  • Setembro/22 - R$ 385.250.330,77

O governo conseguiu, com a criação da agência, atender ao principal pleito da categoria médica: criar uma carreira com carteira assinada e regramento pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). A contratação é feita diretamente pela agência. No entanto, ainda não se sabe ao certo o número de vagas e quais os critérios da progressão continuada. Além disso, especialistas apontam a falta de articulação do novo programa com a formação universitária.

Antes, no Mais Médicos, os profissionais atuavam por um período máximo de seis anos e recebiam bolsas. A fragilidade da contratação prejudicava a permanência em localidades remotas, principal queixa dos gestores municipais.

No atual sistema, a agência vai gerenciar duas classes profissionais. Um deles é o tutor médico e o outro, médico da família e comunidade. Inicialmente, apenas tutores terão carteira assinada — os demais terão de passar por curso e avaliação.

O presidente do Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde), Williames Freire, que integra o conselho deliberativo da Adaps, diz que a criação da empresa é um ponto positivo.

"É algo bom, dá estabilidade. Quando você cria uma agência, ela fica responsável pela carreira, locação de vagas, direitos trabalhistas. São iniciativas louváveis, que trazem a condição de contratação do profissional pela CLT e fixação nesses locais difíceis de colocar médicos", afirma.

Freire diz que hoje os municípios mais remotos têm dificuldades históricas em contratar médicos para locais distantes das sedes porque os médicos não se inscrevem nas seleções públicas.

"As prefeituras faziam concurso público direto, mas embora os salários fossem muito bons, os profissionais não se sentiam atraídos porque não viam a possibilidade de ter uma carreira, segurança e estabilidade do trabalho", afirma.

Atendimento infantil na cidade de Granja, no Ceará, na época do Mais Médicos - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Atendimento infantil na cidade de Granja, no Ceará, na época do Mais Médicos
Imagem: Reprodução/Facebook

A agência

Segundo o decreto que a criou, a Adaps é uma "pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo e utilidade pública", instituída por decreto em março de 2020.

Para a empresa, o governo criou 112 cargos comissionados ou funções gratificadas, com salários que variam de R$ 11 mil a 35 mil, e gratificações de R$ 3 mil a R$ 8 mil.

A presidência da empresa é de Alexandre Pozza Urnau Silva, formado em administração e servidor de carreira Ministério da Saúde. Já o secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde, Raphael Câmara, é presidente do Conselho Deliberativo da Adaps.

O objetivo da Adaps, diz o decreto de criação, é "promover, em âmbito nacional, a execução de políticas de desenvolvimento da atenção primária à saúde".

Nesse contexto, cabe a ela "prestar serviços de atenção primária à saúde no âmbito do SUS, em caráter complementar à atuação dos entes federativos, especialmente nos locais de difícil provimento ou de alta vulnerabilidade".

Na justificativa, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que a execução do programa via Adaps "busca conferir segurança jurídica à execução da política, seja com a criação de um carreira médica em respeito às normas trabalhistas, seja com a sustentabilidade econômica com a criação de um serviço social autônomo".

"Esse programa não é uma continuação do programa da Dilma Rousseff", disse o presidente Jair Bolsonaro, ontem, durante assinatura de contrato dos primeiros profissionais do programa.

Em agosto de 2019, Bolsonaro assinou MP que criava o programa Médicos Pelo Brasil ao lado de Mandetta  - Marcos Corrêa/PR/Confere - Marcos Corrêa/PR/Confere
Em agosto de 2019, Bolsonaro assinou MP que criava o programa Médicos Pelo Brasil ao lado de Mandetta
Imagem: Marcos Corrêa/PR/Confere

Nesse primeiro edital foram oferecidas 4.652 vagas: 595 para tutores e 4.057 para médicos bolsistas. Ambos desenvolverão atividades assistenciais na atenção primária à saúde.

Foram convocados inicialmente apenas 529 médicos. A previsão é, ainda neste mês, chamar mais 1.700 aprovados. "Os demais chamamentos acontecerão ao longo do ano de 2022, considerando a disponibilidade de vagas indicadas pelos gestores municipais de saúde e pelo Ministério da Saúde", informou a pasta.

A partir de agora haverá uma transição do Mais Médicos para o Médicos pelo Brasil, já que muitos profissionais que estão hoje no programa anterior vão seguir com os contratos em vigor até o fim. Atualmente, cerca de 14,2 mil profissionais atuam pelo programa Mais Médicos, que, em regra, adota contratos de três anos, prorrogáveis.

"Ao final serão 16.300 médicos integralmente pagos pelo governo federal", diz o secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde.

O programa Médicos pelo Brasil contemplou 1.911 municípios e 26 DSEIs (Distritos Sanitários Indígenas) das cinco regiões.

Além do salário, médicos que atuarem em locais remotos vão ganhar R$ 3 mil de gratificação, e os que foram para DSEI (Distrito Sanitário Indígena) receberão R$ 6 mil a mais.

Equipe de Saúde indígena nos Distrito Médio Rio Puruspromoveu, em Lábrea (AM) - Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai)/Alejandro Zambrana - Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai)/Alejandro Zambrana
Equipe de Saúde indígena nos Distrito Médio Rio Puruspromoveu, em Lábrea (AM)
Imagem: Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai)/Alejandro Zambrana

Avanço e retrocesso, diz professor

Segundo Deivison Viana, professor do curso de medicina da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), o novo programa traz um ponto positivo e outros que considera questionáveis.

"Há o avanço de você ter a previsão de contratar médicos pela CLT, mas há um abandono do olhar mais ampliado da atenção primária com formação. Ele nasce desarticulado pela parte estrutural do atendimento não se ligar à parte formativa", diz.

Ele lembra que o Mais Médicos era um programa interministerial, que dava a ele um maior braço estatal no esforço não só de prover e fixar médicos, mas também de reformar as unidades de saúde e fomentar cursos de medicina interiorizados.

Nesse contexto, Viana afirma que o antigo programa investiu em melhoria da estrutura dos locais de atendimento —dando condições, por exemplo, de receber alunos de medicina para estágios. O Médicos pelo Brasil foi apresentado pelo governo em 2019. Naquela época, o governo decidiu não anular o Mais Médicos para evitar que faltassem profissionais até a conclusão do processo seletivo do novo programa.

Havia uma política pública para que esses novos cursos estivessem em sintonia com as diretrizes educacionais voltadas para a atenção básica. Não era só criar faculdades, mas saber se elas cumpriam as diretrizes curriculares. Agora não sabemos mais porque essa parte foi descontinuada.
Deivison Viana, UFPR

Viana diz ainda que a proposta inicial, assinada pelo ex-ministro Mandetta, atendeu basicamente à pressão do CFM (Conselho Federal de Medicina) por uma carreira médica, mas deixou de levar em conta os avanços necessários para o ensino superior e necessidade de expansão dos serviços do SUS.

Mesmo nessa área de contratação, ele alega que não há definição de critérios ou do número de contratados após o vencimento do período de bolsa. "Ou seja, ainda é uma promessa, não tem nada concreto", diz.

No caso, segundo esse primeiro edital, apenas os tutores médicos começarão tendo carteira assinada. Os médicos da família e comunidade terão de passar dois anos fazendo curso (com direito a bolsa mensal de R$ 12 mil) até serem avaliados e, eventualmente, contratados, com direito a progressão de carreira com salário de até R$ 18,4 mil.

"Em que condições serão criadas essas vagas? É permanente ou temporária? Criou a carreira com salários altos, mas não há critérios para progressão continuada. Além do mais, vai depender das condições orçamentárias da Adaps. Se não tiver dinheiro, como haverá progressão da carreira?", questiona.

Após a publicação da reportagem, o Ministério da Saúde enviou nota explicando o curso de formação será oferecido pelas instituições de ensino superiores parceiras da Adaps e que "o médico de família e comunidade deverá superar três etapas/fases de seleção para ser contratado sob o regime CLT".