TV de Collor prevê calotes e diz que Globo 'abusa da boa-fé' ao não renovar
A TV Gazeta de Alagoas disse à Justiça que a Rede Globo "claramente abusa da boa-fé" ao decidir não renovar o vínculo de 48 anos com a emissora de TV da família do ex-presidente Fernando Collor — ele é o acionista majoritário.
O que aconteceu
A TV Gazeta solicitou à Justiça uma tutela de urgência para que a Globo seja obrigada a renovar contrato com a emissora por mais cinco anos. A defesa apresentou, na quarta-feira (22), uma resposta aos argumentos dados pela Globo na 10ª Vara Cível da Capital de Alagoas.
O argumento é que o contrato é essencial para a manutenção da OAM (Organização Arnon de Mello) e representa 72% do faturamento do grupo. Arnon de Mello, que dá nome à organização, foi senador, governador de Alagoas e era o pai de Collor — ele morreu em 1983.
A TV Gazeta afirma que, caso o contrato não seja renovado, toda a OAM deve ir à falência. O processo de recuperação judicial corre em Maceió.
Isso resultaria em demissão em massa e calotes de mais de R$ 100 milhões, segundo a empresa — R$ 77 milhões em débitos renegociados com a Fazenda Nacional e R$ 27 milhões com os credores inscritos na recuperação judicial.
A emissora de AL declarou ainda que não há "real motivo" para o fim da parceria. O contrato da Globo com a Gazeta termina no dia 31 de dezembro.
O Ministério Público precisa se pronunciar. O juiz Léo Dennisson Bezerra de Almeida aguarda parecer do MP-AL sobre o caso para decidir.
Depreende-se claramente que a Globo abusa da boa-fé que é esperada nas relações contratuais. Justamente para evitar situações, como a presente, em que o contratante impõe o fim do negócio jurídico ao contratado sem maiores explicações.
TV Gazeta, em petição
A coluna procurou a Globo para comentar sobre a petição da Gazeta, mas não houve retorno.
O que a Globo disse à Justiça
O principal argumento da Globo para o fim do vínculo é que Collor foi condenado à prisão pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em um esquema que usou a TV Gazeta na corrupção. A emissora do Rio informou ao grupo alagoano, no dia 4 de outubro, que não tem interesse em manter a parceria.
Globo já acertou com novo parceiro na região. A partir de 1º de janeiro de 2024, terá uma nova afiliada em Alagoas: o grupo Asa Branca, que já é parceiro para retransmissão da emissora em Caruaru (PE).
À Justiça, a Globo chamou a empresa de Collor de "covarde", por ter feito um pedido dentro do processo judicial, já que o grupo carioca não é credor e não tem relação com o processo. Alega que o foro para a questão seria do Rio, não o de Alagoas.
A Globo diz ainda que manter a parceria traria "gravíssimo dano reputacional" ao grupo.
A Globo não deseja mais permanecer associada à TV Gazeta quando é público e notório que um de seus sócios e seu principal executivo foram condenados pela mais alta corte do país pelo cometimento de crimes, em cuja execução, segundo a decisão do STF, a própria TV Gazeta teria sido utilizada.
Resposta da Globo à Justiça
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Quero receberRisco ao negócio e aos credores
Recuperação judicial. A TV Gazeta afirma que a OAM deve desembolsar, até 2033, "cerca de R$ 27 milhões para fazer frente aos pagamentos ajustados com seus credores". Cita também que firmou acordo com a Procuradoria da Fazenda Nacional para pagar, até 2036, "cerca de R$ 77 milhões em débitos previdenciários, não previdenciários e programas de parcelamento em curso".
Não é preciso de muito para prever que, caso venha a se concretizar a imotivada não renovação do referido contrato, o resultado útil da recuperação judicial estará posto em xeque, podendo se falar, inclusive, numa potencial falência.
TV Gazeta, no documento enviado à Justiça
Ainda conforme a TV Gazeta, a emissora nunca descumpriu seu contrato ou sequer foi advertida como afiliada. E, mesmo em crise, "possui plena capacidade técnica e financeira para continuar cumprindo com os termos do contrato".
Ou seja, não há nada, repita-se, absolutamente nada, que justifique o encerramento de uma relação contratual de quase 50 anos, que não trará prejuízos apenas às Recuperandas.
TV Gazeta
Caso o contrato não seja renovado, a empresa informa que haverá:
- Demissões em massa com a extinção de ao menos 209 dos 279 postos de trabalho;
- Inviabilização do pagamento da transação tributária celebrada com a Procuradoria da Fazenda;
- Não pagamento das mediações trabalhistas (só as demissões devem custar R$ 40 milhões);
- Não pagamento do plano de recuperação judicial;
Em parecer sobre o pedido da TV Gazeta, a administradora nomeada para a recuperação judicial apoiou a renovação compulsória do contrato. A Lindoso e Araujo Consultoria Empresarial argumentou que, caso isso não ocorra, pode "inviabilizar o processo de reestruturação de todas as Recuperandas", afetando funcionários e credores.
Collor e Justiça
A gestão das empresas do grupo de Collor foi questionada em vários momentos da recuperação judicial, que renegociou R$ 64 milhões em débitos com credores. Ao longo dos anos, foram R$ 125 milhões só em "empréstimos" da TV aos sócios (todos da família), e nunca foram pagos — é quase o dobro do valor devido aos credores.
Isso foi gerando uma grande dívida, e a OAM pediu recuperação judicial em 2019. O plano de pagamento apresentado foi aprovado por credores em julho de 2022, mas a Justiça não homologou por questionamentos legais.
Credores da área trabalhista denunciaram irregularidades na votação, como uma suposta "compra de votos." Isso levou a Justiça a sugerir abertura de inquérito policial para investigar eventual crime falimentar.
O MP alegou que as empresas da OAM fizeram novos "empréstimos" aos sócios durante o período da recuperação —o que é vetado. A Polícia Civil ainda não informou sobre o inquérito pedido para investigar o caso.
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