Carlos Madeiro

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'Melancias traidores': Militares viram alvo da direita após golpe frustrado

Em 1º de janeiro de 2023, dia da posse do presidente Lula, o Exército publicou nas redes sociais um vídeo e a legenda "Toque de alvorada" — tradicional marca de um novo dia para os militares. Acabou se transformando também no início de uma espécie de divórcio com os apoiadores mais conservadores.

Quinze meses depois, a crise no relacionamento entre o Exército e a extrema-direita que defende intervenção militar atingiu seu ápice, quando vieram a público depoimentos que indicam que o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante da Força, resistiu a ameaças e pressões e rejeitou um plano de golpe de Estado em 2022. O depoimento de Carlos de Almeida Baptista Jr., ex-comandante da Aeronáutica, corroborou que as Forças Armadas não cederam à vontade desse grupo.

No último sábado (16), o número de comentários no X (ex-Twitter) foi tão expressivo que os termos "covarde" e "traidor" ficaram entre os mais citados. A expressão "mito", que é muito usada como referência a Jair Bolsonaro (PL), também apareceu no topo.

Acampamentos em frente dos quartéis

Ao longo dos últimos meses de 2022, acampados na porta dos quartéis pelo país, bolsonaristas defensores de um golpe de Estado pediam que o Exército fizesse algo para evitar a posse de Lula.

Os pedidos de "socorro" não foram atendidos e resultaram em frustração quando o petista subiu a rampa do Palácio do Planalto.

Se antes o Exército era majoritariamente atacado pela esquerda — que sempre foi crítica à postura de não reconhecimento de crimes cometidos na ditadura militar (1964-1985), por exemplo —, ele agora é alvo do lado contrário, da direita, que popularizou um termo para se referir aos militares: "melancia".

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A fruta foi escolhida para associação por conta das cores: por fora, verde, similar à da farda da corporação; por dentro, vermelha (em alusão ao comunismo e às cores do PT).

Entre os militares em Brasília, nos bastidores, diz-se que, se antes eles só apanhavam da esquerda, agora eles sofrem com ataques da direita também.

Em qualquer postagem nas páginas de diferentes comandos ligados ao Exército hoje, independente do tema, os comentários com críticas ao não-golpe e ataques a militares se multiplicam — com a citação da melancia.

Nas redes sociais, os desabafos

Desde a posse de Lula, internautas que defendiam que o Exército tomasse o poder criticam a postura da instituição em todas as postagens nas redes sociais.

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Até dezembro de 2022, havia ainda teorias da conspiração de que as Forças Armadas estavam planejando não permitir que o petista assumisse o cargo. A falta de ação do Exército foi considerada "traição" pelo grupo que se autointitula patriota.

Mesmo depois da posse, a súplica seguiu até o 8 de janeiro, quando manifestantes tomaram as sedes dos Três Poderes em Brasília — além de invadir os prédios, eles destruíram patrimônio público. O ato resultou em prisões e indiciamentos por vandalismo e tentativa de golpe de Estado. Até agora, foram 131 condenações de pessoas pelo STF.

Na cabeça de revoltosos, o Exército "entregou velhinhas com bíblia na mão" para que fossem presos pela polícia após os atos terroristas na capital federal.

Os internautas passaram a despejar com mais intensidade suas mágoas nos comentários nas páginas das Forças Armadas nas redes sociais — especialmente em momentos mais turbulentos, como durante a operação contra Bolsonaro, no caso da falsificação do cartão de vacina, e nas comemorações do 7 de Setembro.

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Houve algumas exceções — como durante a operação de ajuda humanitária para os yanomamis, em Roraima, no início do ano passado, quando foram registrados comentários de apoio às ações e elogios à "volta" do Exército cumprindo "seu papel".

Divisão histórica

Segundo Carlos Fico, escritor e professor de história do Brasil da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), sempre houve divisão interna das Forças Armadas no Brasil. Entretanto, o lado mais à direita costumava ser prevalente.

No fim do Estado Novo [em 1945], duas candidaturas militares [general Eurico Gaspar Dutra e brigadeiro Eduardo Gomes] eram claramente conservadoras, mas disputavam posições políticas distintas tendo como referência o getulismo e o antigetulismo. Mas ambos eram anticomunistas e de direita.

Para Fico, a novidade, agora, é a atuação explícita da extrema direita. "No Brasil, esse posicionamento permaneceu oculto por muito tempo, inclusive sem partido específico que a representasse", diz.

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Agora se assumem orgulhosamente. E eles viram suas esperanças de intervenção militar frustradas. Por isso, passaram a criticar o Exército — ou pelo menos alguns oficiais-generais que não apoiaram uma intervenção militar.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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