Defensoria da União contesta avanço da tese de 'racismo reverso' na Justiça
A DPU (Defensoria Pública da União) publicou uma nota técnica questionando o uso da tese de "racismo reverso" no judiciário brasileiro.
O documento, de 26 de junho, é assinado por seis defensores e foi produzido em contestação aos desdobramentos da denúncia do MP-AL (Ministério Público de Alagoas) contra um homem negro acusado de injúria racial (crime equiparado agora ao racismo) contra um italiano branco.
O caso foi contado pela coluna em janeiro, logo após o juiz da 1º Vara de Justiça de Coruripe (AL), Mauro Baldini, acolher a denúncia e tornar réu o homem por injúria racial.
Em maio, a Câmara Criminal do TJ-AL (Tribunal de Justiça de Alagoas) negou recurso para trancar a ação e manteve o homem negro como réu no processo. Na quinta-feira (11), o Ineg (Instituto do Negro de Alagoas), que defende o homem negro, recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) pedindo que o caso seja encerrado.
A decisão, caso prospere, significa precedente de relevante gravidade, já que abre margem para que a tese do 'racismo reverso' passe a ser algo não apenas propagado no senso comum, mas aceito tecnicamente pelo Judiciário brasileiro.
Nota técnica da DPU
Segundo Yuri Costa, defensor público federal e coordenador do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da DPU, o caso de Alagoas é de grande relevância. "Ele abre margem para que a tese do 'racismo reverso', ainda que não possua fundamento histórico, social ou jurídico".
Lei não prevê, diz DPU
Para a DPU, a lei brasileira contra o racismo protege quem sofre históricas "discriminações e violências com base em critérios étnico-raciais."
Para isso, a nota cita a Lei 7.716/89, que não prevê a "inclusão de pessoas pertencentes a coletividades historicamente hegemônicas e privilegiadas como sujeito passivo de tais delitos."
No caso, a nota alega que o racismo reverso é atípico, ou seja, não haveria tipicidade criminal que possa resultar em punição legal.
Ora, dizer que uma pessoa branca é vítima de racismo no Brasil tem como premissa a invenção de um contexto histórico e social de exclusão, silenciamento, violência e extermínio que nunca existiu para esse segmento populacional. Por evidente, nem a lei, nem os tribunais, têm a capacidade de (re)construir essa história, que, ao fim e ao cabo, sequer poderia ser tida como revisão, mas como verdadeiro negacionismo histórico.
Nota técnica da DPU
Na nota, os defensores ainda alegam que a lei brasileira que criminaliza o racismo foi feita na intenção de "proteção de pessoas e grupos historicamente discriminados na sociedade brasileira."
São vítimas do racismo, por exemplo, a população negra, os povos originários, os praticantes de religiões e religiosidades de matriz africana, os imigrantes africanos e latinos, todos eles pertencentes a grupos silenciados, perseguidos e mesmo exterminados por séculos de colonização europeia nas Américas.
Nota técnica da DPU
Por fim, a nota pede que os tribunais superiores refaçam o entendimento do TJ-AL e neguem o seguimento do caso e de similares.
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Quero receberDiante de todo o exposto, conclui-se não ser aproveitável juridicamente a tese do "racismo reverso", que somente pode encontrar ressonância no senso comum e em ambientes despidos de parâmetros científicos e de qualquer análise histórica e social da realidade brasileira.
Nota técnica da DPU
Entenda o caso de Alagoas
O caso chegou à Justiça de Alagoas em setembro de 2023, quando um italiano foi à justiça com uma queixa-crime contra um homem negro de Coruripe, no litoral de Alagoas. Em diálogo pelo WhatsApp em 6 de julho, o agora réu disse ao estrangeiro que "essa cabeça branca, europeia e escravagista não deixava enxergar nada além dele mesmo".
O caso foi para análise do MP porque, com a sanção da lei nº 14532/2023 (que tipifica a injúria racial ao crime de racismo), de janeiro do ano passado, a ação penal passou a ser pública — ou seja, é o Ministério Público o responsável pela denúncia do suspeito.
Em janeiro, a promotora Hylza Paiva Torres de Castro fez a denúncia e acusou o homem negro de praticar "crime de injúria racial". O juiz Mauro Baldini aceitou denúncia.
O que diz a lei
A Lei Nº 7.716, de 1989, é a que define os "crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor" no país.
O artigo 20-C diz:
Na interpretação desta lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência
Segundo Welton Roberto, advogado e professor titular de direito criminal da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), o fato de um negro xingar um branco não pode configurar injúria racial.
Existe aí o que chamamos de tipicidade material. No momento em que ele [réu] fala sobre a questão de europeu ser escravagista, está falando de grupos majoritários, não de minoritários. A lei não foi feita para isso. Eles [da Justiça alagoana] estão confundindo que um crime pode ser cometido por qualquer pessoa, que é a injúria simples, com a injúria racial.
Welton Roberto
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