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Tóxico, isolado e sem protagonismo, Bolsonaro volta ao G20 sob críticas
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Resumo da notícia
- Depois de dois anos, líderes do G20 voltam a se encontrar cara a cara neste fim de semana, em Roma
- Nos bastidores, Itamaraty busca 'construir pontes', mas credibilidade do país foi afetada pela gestão Bolsonaro
- Devem ser anunciados acordos sobre vacinas e sobre taxação
- Com foco no meio ambiente, reunião em Roma é ainda prelúdio da Cúpula do Clima de Glasgow
O peso da arquitetura fascista parecia ainda mais presente no frio das primeiras horas da manhã desta quinta-feira. No bairro escolhido pelo governo italiano para realizar a cúpula do G20, em Roma, diplomatas ainda com suas caras amassadas das negociações que entraram pela madrugada do dia anterior retornavam ao local para seguir na busca de um consenso.
Mas quando um dos altos funcionários da ONU identificou a reportagem do UOL no portão do centro de conferências, o frio foi interrompido por um comentário tão espontâneo como revelador. "Não sabemos qual o tamanho da delegação de seu presidente aqui. Mas, desta vez, sem covid-19, por favor", disse, para a gargalhada dos demais na fila de entrada para o local de reuniões.
O comentário se referia ao fato de que, no último grande encontro internacional na ONU, em Nova York (EUA), em setembro, a presença brasileira foi marcada por um presidente sem vacinas, um ministro em quarentena e um susto em diversas delegações que tinham tido contato com membros do governo de Jair Bolsonaro.
A ironia, porém, não era por acaso. Bolsonaro desembarcou nesta sexta-feira em Roma para participar da cúpula do G20, amanhã e domingo. Na agenda, clima, recuperação econômica e pandemia.
Mas, se a diplomacia brasileira tenta romper com os anos do ex-chanceler Ernesto Araújo e voltar a adotar uma postura multilateral e construtiva, o país hoje esbarra em uma profunda desconfiança sobre Bolsonaro.
A reunião de cúpula do G20 marca a volta do balé de carros de luxo por grandes capitais, medidas extremas de segurança e, finalmente, conversas presenciais entre chefes de estado e de governo. O encontro é o primeiro nesse formato desde 2019. Apenas os líderes da China, Rússia, Japão e México continuarão a participar do encontro de forma virtual.
O governo italiano colocou como tema "pessoas, planeta e prosperidade", num momento em que o mundo tenta se reerguer da pandemia. Na agenda, governos terão de começar a lidar de forma decisiva com mudanças climáticas, como evitar que a desigualdade gerada pela crise sanitária desfaça décadas de avanços sociais e ainda tratar de inovação e energia.
Mas, apesar da volta do encontro presencial, Bolsonaro chegará a um local onde está sendo questionado dentro e fora das salas de reuniões. Pelo menos três protestos devem ser organizados nos próximos dias contra o brasileiro. Dois deles em Roma, além de outro na cidade de seus antepassados, Anguillara Veneta.
Uma das marchas está sendo organizada pelo grupo de estudantes Fridays for Future. Na sociedade civil, Bolsonaro é tratado como "o vilão do clima".
Dentro da sala de conferências, a desconfiança também predomina. Até ontem, Bolsonaro tinha conseguido confirmar apenas uma reunião bilateral na Itália, justamente com o presidente local, Sergio Mattarella. Por protocolo, o anfitrião recebe todos os convidados e, no caso da Itália, a gestão do governo nem sequer fica com ele.
Itamaraty tenta desfazer imagem de pária e quer "construir pontes"
Nos bastidores, o Itamaraty tenta se apresentar como um interlocutor legítimo e num esforço de ser um país capaz de "criar pontes" entre diferentes grupos. Antes de sair do Brasil, a delegação brasileira esteve com embaixadores europeus para fazer passar essa mensagem. Antes, aprofundou negociações sobre questões climáticas com o governo de Joe Biden.
Diplomatas estrangeiros presentes no processo para se chegar a um acordo no G20 também indicaram que, nas últimas horas, não era o Brasil o país que estava causando obstáculos nas negociações em Roma.
Apesar disso, esses mesmos diplomatas admitem que, diante do comportamento e da gestão de Bolsonaro, o Brasil não é mais o protagonista. "Não estamos mais falando daquele Brasil que assumia a liderança", admitiu um dos negociadores.
Na pandemia, as declarações do presidente brasileiro sobre a covid-19 minaram a legitimidade do governo como interlocutor. Na área econômica, o crescimento pífio e o desemprego também reduziram o peso do país no cenário internacional.
Mas é na questão do desmatamento que a situação brasileira é especialmente problemática. Informes apontam que a destruição da floresta avança e que o desmonte das políticas ambientais está tendo um resultado profundo.
Na avaliação de diplomatas, essa realidade retirou em parte as credenciais do país para fazer qualquer tipo de exigência, inclusive por maiores recursos de países ricos para lidar com as mudanças climáticas.
Na questão ambiental, de fato, Roma servirá como uma espécie de termômetro para o que pode ocorrer em Glasgow, na Cúpula da ONU (COP26) a partir de domingo. Se não houver um acordo entre as 20 maiores economias do mundo, o temor é de que dificilmente um entendimento global poderá ser atingido. No G20 estão os países responsáveis por 80% de todas as emissões de gases do planeta.
Mas, no bloco, há um racha ainda sobre a redução do papel do carvão para limitar as emissões de CO2. "Terminou o tempo de gentilezas diplomáticas", disse o secretário-geral da ONU, António Guterres. "Se governos, especialmente do G20, não liderarem os esforços, vamos caminhar para um terrível sofrimento humano", disse.
A esperança da presidência italiana do G20 é ainda de concluir a negociação com um consenso sobre a necessidade de reduzir as emissões de metano em 30% até 2030. Mas não existe ainda garantias de que os países ricos cumprirão a meta de dar aos mais pobres US$ 100 bilhões por ano para que possam se adaptar às mudanças climáticas.
A esperança dos governos, porém, é que o G20 possa sair de Roma com um entendimento para lidar com a reforma da OMC, além do aumento dos preços de energia. Também haverá um entendimento sobre um imposto mínimo de 15% para grandes empresas.
Para o Brasil, no entanto, a cúpula será um teste da credibilidade do país, depois de três anos de um governo que ofendeu líderes estrangeiros, se alinhou com Donald Trump na crítica ao multilateralismo, adotou uma postura negacionista sobre o clima e sobre a pandemia e que viu seu protagonismo desaparecer.
Enquanto Bolsonaro busca saber se ainda tem lugar na mesa das grandes potências, Roma parece dar mais atenção a um outro brasileiro: Sebastião Salgado.
Do outro lado da capital eterna, uma exposição de suas fotos da Amazônia num dos principais museus da cidade alerta que "o desmatamento está se acelerando" e que "é dever de todos os seres humanos pelo planeta participar da proteção da floresta".
Ao explicar o que o visitante veria, o texto elaborado por Salgado conclui: "essas imagens são um testamento do que ainda existe, antes que ainda mais seja destruído".
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