Vinte anos após morte de Vieira de Mello, ONU e agências vivem sob ataques
O dia 19 de agosto de 2003 entrou para a história da ONU como um dos momentos mais dramáticos de sua existência. Em Bagdá, um atentado contra a sede da entidade matou 22 de seus funcionários e deixou outros 150 feridos.
Era o fim da "era da inocência" da instituição, que acreditava ainda ter um acesso privilegiado a zonas de guerra e uma imagem de neutralidade em conflitos pelo mundo.
Naquele dia, uma das vítimas foi o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, chefe da missão da ONU no Iraque e considerado como o favorito para ocupar o cargo de secretário-geral da instituição. Dois dias antes do atentado, em entrevista a este colunista, ele admitiu que os iraquianos se sentiam "humilhados" pela ocupação americana de George W. Bush.
Vinte anos depois, um novo informe publicado pela própria entidade revela que aquela tendência que começou em 2003 jamais foi pacificada. A ONU e trabalhadores humanitários de organizações como a Cruz Vermelha e ONGs passaram a ser alvo de constantes ataques.
Há, porém, uma distinção a ser feita. No caso de Vieira de Mello, tratou-se de um ataque terrorista direcionado especificamente contra a ONU. Em grande parte dos demais casos, a violência é resultado de cenários de conflitos armados ou acidentes no contexto de ajuda alimentar.
A ONU não esclareceu por qual motivo inclui na mesma lista de vítimas aqueles centenas de mortes em acidentes em operações de entrega de comida e os ataques com óbvio cunho político.
Ao se referir aos tanques que humilham os iraquianos, em entrevista em 2003, Vieira de Mello deixou claro que ali não era uma operação humanitária.
Números
"2023 deve se tornar mais um ano com um alto número de mortes de trabalhadores humanitários", alertou a ONU, que instituiu a data de 19 de agosto como o Dia Mundial Humanitário, homenagem aos agentes que percorrem os locais mais perigosos do mundo para salvar a população civil.
Por enquanto, o levantamento revela um cenário desolador:
62 trabalhadores humanitários foram mortos em crises em todo o mundo até meados de agosto de 2023.
84 ficaram feridos.
34 foram sequestrados.
Na avaliação da ONU, o Sudão do Sul foi classificado como o país com maior índice de insegurança, uma situação que se repete nos últimos anos.
"Quarenta ataques a trabalhadores humanitários e 22 mortes foram registrados até 16 de agosto", disse a entidade. O Sudão vem logo atrás, com 17 ataques a humanitários e 19 mortes registradas até agora neste ano.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberEsse número supera o pior momento do conflito em Darfur, entre 2006 e 2009, considerado como o primeiro genocídio do século 21.
Outras mortes de trabalhadores humanitários foram registradas na República Centro-Africana, Mali, Somália e Ucrânia.
No ano passado, 444 trabalhadores humanitários foram atacados, com 116 mortos. Em 2021, 460 agentes humanitários foram atacados, resultando em 141 mortes.
Seis vezes mais mortos por ano do que em atentado que matou Vieira de Mello
"O Dia Mundial Humanitário e o atentado em Bagdá serão sempre uma ocasião de emoções mistas e ainda cruas para mim e para muitos outros", disse o chefe humanitário da ONU, Martin Griffiths.
"Todos os anos, quase seis vezes mais trabalhadores humanitários são mortos no cumprimento do dever do que foram mortos naquele dia sombrio em Bagdá, e eles são, em sua maioria, trabalhadores humanitários locais", disse.
"A impunidade para esses crimes é uma cicatriz em nossa consciência coletiva. Chegou a hora de falarmos sobre o cumprimento da lei humanitária internacional e combatermos a impunidade das violações", pediu.
Outro aspecto registrado desde 2003 é o salto sem precedentes no número de pessoas que sofrem com crises humanitárias e que, portanto, precisam de ajuda internacional para sobreviver.
Segundo a ONU, apesar dos desafios de segurança e acesso, os agentes humanitários estão fazendo campanha este ano para destacar seu compromisso contínuo de atender às comunidades, não importa quem, não importa onde. A campanha ganhou ainda um hashtag #NoMatterWhat.
"Diante do aumento vertiginoso das necessidades humanitárias, a ONU e seus parceiros pretendem ajudar quase 250 milhões de pessoas em crises em todo o mundo — dez vezes mais pessoas do que em 2003", completou a entidade.
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