Jamil Chade

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Reportagem

Forças Armadas foram muito lenientes com Bolsonaro, diz Gilmar Mendes

Decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes diz acreditar que a democracia brasileira mostrou sua "vitalidade" diante dos últimos acontecimentos e que, se tais episódios tivessem ocorrido em outros países, a democracia já teria sido asfixiada.

Mesmo assim, ele alerta que novas regras precisam ser estabelecidas no Brasil e constatou: ainda que as Forças Armadas não façam parte de um plano de golpe, elas foram "lenientes" com Jair Bolsonaro (PL).

Em entrevista exclusiva ao UOL, o ministro do STF explica sua proposta para que leis sejam criadas em relação à participação politica de policiais, militares e procuradores e defende que a gestão durante a pandemia seja investigada

Eis os principais trechos da entrevista:

Como o senhor avalia as respostas das instituições brasileiras diante dos acontecimentos de 8 de janeiro e da própria eleição de 2022?

Minha impressão é positiva. Tivemos algumas manifestações claras, denúncias que foram oferecidas contra aqueles que foram responsáveis pelos atentados de 8 de janeiro. Muitos já estão respondendo a processos, denunciados. Alguns foram presos, outros já foram liberados. Há um trabalho ainda de investigação muito consistente da parte da Polícia Federal e do Congresso Nacional. A CPMI está investigando e trazendo luzes sobre isso.

Se tivermos como paradigma o evento de 6 de janeiro [invasão ao Capitólio, em 2021], nos EUA, talvez estejamos muito mais adiantados.

Outro ponto que destacaria é o passo que demos no que se refere ao processo eleitoral e à responsabilização de Jair Bolsonaro, na questão de sua inelegibilidade. Há outros processos no TSE. Mas esse, sobre a visita dos embaixadores, já foi definido com a clareza que se viu.

Portanto, temos bons elementos que mostram a vitalidade da democracia e a fortaleza e resiliência de nossas instituições. Numa recente palestra, eu até disse: 'Eu poderia estar aqui contando a história de um desastre. Mas estou contando a história sobre como nós evitamos um desastre'.

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Mas isso basta?

Não. Eu acho que temos de organizar aquilo que eu chamo de fuga para frente. O que precisamos fazer para que episódios não ocorram, como a inação da Polícia Militar? Temos de ter uma corregedoria da polícia? Na Constituição, as PMs foram forças auxiliares do Exército. Nos últimos anos, essas atividades foram se esmaecendo. Isso deixou de ser prioridade.

Por outro lado, passamos a ter essa balbúrdia. Capitães e outros que se tornam candidatos. Muitos deles, não eleitos, voltam para a PM. Isso cria uma politização que não deveria haver e resulta no que vimos aqui.

Falamos do 8 de janeiro, mas em 12 de dezembro, quando houve a diplomação do presidente Lula, houve também uma balbúrdia, com omissão da polícia e consequências.

E o que se pode fazer em relação a isso?

Sugiro que fosse definido medidas de inelegibilidade. Quem quer fazer carreira política, sair do Exército ou do Ministério Público, que se licencie e saia. Sem poder voltar. Isso seria fundamental e seria uma resposta para essa possibilidade de politização.

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Tivemos governadores que enfrentaram greves de polícias, e esses líderes de greves viram, depois, políticos ou candidatos, com os riscos que podemos adivinhar.

E sobre as Forças Armadas?

Vimos um emprego despudorado de militares em funções civis. De novo, deveria ter regras para isso. Quais são as funções que poderiam ser exercidas e quais funções que, para servir, a pessoa precisa atuar como civil?

No Ministério da Justiça, estruturas inteiras estavam militarizadas, o que leva a adivinhar que, num futuro governo Bolsonaro, poderíamos ter uma reprodução dessas repúblicas à la Venezuela.

Falou-se muito em GLO [Garantia da Lei e da Ordem], o [artigo] 142 ou a lei que ordena o emprego das Forças Armadas. Teríamos de olhar para isso. Do contrário, os elementos dessa tragédia continuam por aí.

A resposta institucional está sendo suficiente para abafar o movimento?

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Em parte sim. Mas precisamos perceber que temos de reforçar esses antídotos. O que surpreendeu positivamente é que as instituições tinham elementos para fazer o enfrentamento.

A Justiça Eleitoral se mostrou forte para enfrentar o falseamento dos votos. E todos viram que não havia possibilidade de fraude. Do outro lado, a contestação resultou canhestra. Imagina Walter Delgatti [o hacker da Vaza Jato] assessorando o Ministério da Defesa. É algo realmente chocante. Como descemos na escala das degradações. Mas as instituições cumpriram seu papel. Tem esse ativo que precisamos reconhecer.

Muitas outras democracias já teriam sido levadas, a essa altura. E muito provavelmente o projeto aqui envolveria o aumento no número de ministros no Supremo, num modelo húngaro e polonês.

Mas todos os dias eu me levanto com essa missão de ficar como um grilo falante, alertando que precisamos fazer mais.

Não acredito que as Forças Armadas tenham se engajado num projeto de golpe. Mas é notório que foram muito lenientes com Bolsonaro. Se não quisermos ver outros exemplos, baste ver esse assentamento de pessoas na frente dos quartéis. Imaginemos que o MST quisesse fazer um assentamento diante de um quartel.

O senhor ainda acha que exista um risco de uma ruptura?

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Não acredito. As próprias instituições saem fortalecidas. Mas não podemos desprezar esses elementos.

O ex-presidente Bolsonaro enfrenta diversos processos, desde o caso das joias até a participação em questões envolvendo a eleição. A inelegibilidade é o ponto final da história?

Temos de esperar a consolidação desses inquéritos. Até recentemente, veio para mim um caso que estava em primeira instância e em que houve um arquivamento da responsabilidade governamental na saúde. Envolvia Bolsonaro e o ex-ministro Eduardo Pazzuelo. Eu entendi que o juiz não poderia arquivar, se havia autoridades com foro. E anulei o arquivamento e estou ouvindo a procuradoria para que se analise a abertura de inquérito. Esse é um capítulo muito importante.

O que significa deixar sem resposta a questão da pandemia no Brasil?

Muito grave. A CPI da Covid também mostrou todo o quadro de desorganização atrás daquele negacionismo e também da prescrição de placebos, cloroquina. Na verdade, tínhamos uma aposta naquilo que seria a imunidade de rebanho. E, no final, devemos ao [ex-governador] João Doria a provocação e estímulo para a compra e produção de vacinas.

A CPMI veio cobrar o caos completo que reinava, com vertentes de corrupção. Portanto, acho que tudo isso precisa ser investigado.

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De novo, vimos um ponto positivo para a resiliência das instituições. A cabeça do SUS foi afetada. O sistema ficou sem cabeça. Mesmo assim, o sistema deu respostas. Teve dias que vacinamos 3 milhões de pessoas. E uma das iras do bolsonarismo contra nós no STF é que permitimos que estados e municípios atuassem.

Ainda assim, é fundamental que isso tudo seja investigado.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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