Mal-estar com militares pesou na recusa do Brasil de enviar tropas ao Haiti
O governo Lula não considera que seja o momento de o Brasil enviar tropas ao exterior como parte de operações de paz. A avaliação é da cúpula do Palácio do Planalto, que aponta que o mal-estar entre uma parte dos generais e o Executivo pesou para a recusa do governo em negociar o envio de uma missão ao Haiti.
Nos últimos dias, a ONU vem insistindo sobre a necessidade urgente de uma operação que possa estabelecer a paz no país caribenho. O Haiti manteve por mais de uma década uma missão internacional que, na maioria do tempo, foi liderada pelo Brasil.
Mas o fim da presença da ONU em 2017 abriu uma nova etapa de desestabilização, com a explosão de violência e uma disputa pelo poder. Desde o início do ano, mais de 2,4 mil haitianos morreram por conta da violência no país.
Já em 2022, o primeiro-ministro haitiano, Ariel Henry, solicitou que a comunidade internacional fosse socorrê-lo e que se estabelecesse uma nova missão de paz.
O governo brasileiro foi consultado, tanto pela ONU como por governos como o dos EUA, sobre a possibilidade de um envio de tropas nacionais. Brasília, porém, considerou que o clima no país não era adequado a tal engajamento.
O mal-estar que já era notado desde os primeiros dias da gestão Lula ganhou uma dimensão ainda maior depois das revelações sobre a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. Ele teria indicado como o ex-presidente debateu a possibilidade de um golpe com a cúpula das Forças Armadas.
Para o Planalto, não existe clima para se debater o uso das forças nacionais no exterior, enquanto a situação doméstica não ficar esclarecida.
O que chama ainda a atenção internacional é que muitos dos comandantes brasileiros que lideraram a operação no Haiti acabaram tendo um papel importante no governo de Jair Bolsonaro, considerado na própria ONU como um "desastre" em termos de política externa.
Augusto Heleno, Fernando Azevedo e Silva, Tarcísio de Freitas e Carlos Alberto dos Santos Cruz fizeram parte das tropas enviadas pelo Brasil ao país caribenho e, nos últimos anos, ocuparam cargos de ministro no governo Bolsonaro.
A crise doméstica, porém, não foi o único obstáculo. O governo brasileiro estima que apenas uma operação que tenha como foco o desenvolvimento do país poderá trazer resultados concretos. Caso contrário, em poucos anos, a crise voltará.
Sem a opção do Brasil, a ONU solicitou que o Canadá assumisse a tarefa. O plano foi estudado. Mas o governo de Ottawa concluiu que o envio de tropas era "arriscado" e acabou também desistindo.
Na semana passada, uma saída na ONU foi encontrada, com o governo do Quênia se oferecendo para liderar a força internacional e o envio de mil homens. Jamaica, Bahamas e Antígua e Barbuda também indicaram que podem contribuir.
Para que a operação ocorra, uma resolução deverá ser apresentada ao Conselho de Segurança da ONU, órgão que será presidido a partir de outubro pelo Brasil. O texto será proposto pelos governos dos EUA e do Equador e a esperança é de que haja um amplo apoio.
No Palácio do Planalto, não se descarta que, numa eventual aprovação da resolução, o Brasil contribua com apoio logístico e de inteligência. Mas sem que tropas sejam deslocadas.
O governo de Joe Biden também já anunciou que não enviará soldados. Mas ofereceu apoio médico, de transporte e de inteligência à equipe internacional. Na última sexta-feira, o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, também anunciou que o governo Biden solicitaria ao Congresso um pacote de US$ 100 milhões para apoiar a missão.
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