Jamil Chade

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Reportagem

Putin propõe na ONU cessar-fogo em Gaza, mas Conselho termina sem acordo

Numa manobra diplomática que pegou governos de diferentes países de surpresa, a Rússia aproveitou uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, nesta sexta-feira, para apresentar um projeto de resolução pedindo um cessar fogo humanitário em Gaza e a liberação de todos os reféns por parte do Hamas. O documento de apenas poucas linhas pede ainda a criação de um corredor humanitário.

O encontro terminou sem uma definição do órgão máximo da ONU e o Itamaraty informou que os esforços negociadores vão continuar para que um texto possa ser aprovado nos próximos dias. A reunião havia sido convocada pelo governo do Brasil, que preside o órgão em outubro e foi comandada pelo chanceler Mauro Vieira. Mas, por exigência de potências Ocidentais, o encontro ocorreu a portas fechadas.

Vieira, ao término da reunião, lançou um alerta e indicou que a credibilidade da ONU dependeria de como o Conselho iria lidar com a crise. Ele explicou que o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, apresentou a situação da região aos governos e que houve uma troca de visões entre os membros do Conselho.

O chanceler evitou se comprometer com a proposta russa. Mas indicou que consultas serão realizadas e que o Conselho precisa agir diante da violência. "O Brasil vai continuar a trabalhar com delegações para ter uma posição unificada dos membros", disse.

Pelo projeto russo, com o cessar-fogo estabelecido, seriam iniciadas negociações para a criação de dois estados na região - um palestino e um israelense. "Isso é o que sempre esteve previsto em resoluções", disse a delegação russa.

Ao terminar a reunião, o embaixador da Rússia na ONU, Vassily Nebenzia, explicou que Moscou não pode aceitar o imobilismo do Conselho diante da crise. "Pedimos um cessar fogo imediato e que negociações ocorram para permitir a criação de um estado palestino", disse. O que ele não cita é que, no caso da guerra na Ucrânia, é o veto russo que impede em grande parte qualquer ação do mesmo Conselho de Segurança da ONU.

Documento omite Hamas

O texto chamou a atenção dos diplomatas por não citar o Hamas, o que deixou uma parcela dos governos Ocidentais reticentes sobre dar um eventual apoio. Para os russos, o motivo da ausência da referência ao grupo palestino seria o fato de que a resolução tem como meta criar um acordo humanitário, não político.

Fontes diplomáticas confirmaram ao UOL que negociações serão realizadas nas próximas horas. O encontro nesta sexta-feira durou duas horas e meia, mas sem uma definição, repetindo o mesmo cenário de um primeiro encontro realizado no último domingo.

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O gesto do Kremlin deixa o Ocidente numa posição delicada. De um lado, há um esforço internacional pela busca pela paz. De outro, a iniciativa russa posiciona Vladimir Putin, denunciado por crimes de guerra na Ucrânia, como um ator na busca pela paz.

O embaixador russo, porém, culpou o governo dos EUA pela crise na região e alertou que ninguém no Ocidente quer uma reunião aberta no Conselho de Segurança sobre Israel, enquanto sempre pedem encontros públicos sobre a Ucrânia.

Ele ainda afirmou que a crise atual é resultado da estratégia americana para o Oriente Médio, insistindo que o mundo agora "paga o preço" do comportamento da Casa Branca.

"A região está à beira do colapso", disse. "O que aconteceu contra Israel é inaceitável e o país tem o direito de se defender", afirmou.

Mas o russo também criticou o cerco imposto sobre Gaza. "Isso nos traz memórias de Leningrado", disse. A proposta dos israelenses de levar uma parte da população para o sul de Gaza também é "inaceitável" aos russos. "Isso seria a criação de uma gueto", disse.

Diplomatas Ocidentais não se comprometeram em apoiar o texto. Para a delegação britânica, há a necessidade de uma negociação ocorra a partir de agora. Segundo Londres, o texto russo foi entregue apenas dois minutos antes do encontro começar.

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O governo da China disse estar aberto a todas as propostas e que vai avaliar a resolução russa. Pequim afirmou estar preocupado com a situação e a escalada da tensão.

"Todos os esforços devem ser feitos para evitar a crise", disse a delegação chinesa. Segundo ele, há um consenso que começa a se formar de que o Conselho não pode ficar em silêncio. "Vamos continuar a trabalhar nisso. O Conselho precisa ter uma voz forte sobre isso", afirmou.

Brasil critica ultimato de Israel

O chanceler ainda criticou o ultimato dado por Israel para que a população do norte da Faixa de Gaza seja reiterada da região. Citando a ONU, ele alertou que isso poderia causar uma "miséria sem precedentes" e disse que o gesto de Israel era visto como "consternação".

Falando em nome apenas do Brasil, e não como presidente do Conselho, o chanceler usou o encontro para anunciar a intenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que uma ação multilateral humanitária seja estabelecida e que os reféns feitos pelo Hamas devem ser soltos de forma "incondicional".

Na avaliação do Brasil, o governo continuará a promover o dialogo. Mas insistiu que objetivo imediato é o de impedir perda de vidas.

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A proposta do Brasil envolve dois aspectos: uma pausa no conflito para que os civis possam ser atendidos e a criação urgente de um corredor humanitário

Reputação da ONU em jogo

Parte do esforço brasileiro é por não permitir que a crise aprofunde ainda mais a marginalização da ONU dos debates internacionais.

Não por acaso, o chanceler brasileiro insistiu que o Conselho tem uma "responsabilidade crucial" para lidar com crise humanitária e será fundamental um processo de paz for estabelecido.

"Muito da reputação do Conselho de Segurança e da ONU vai depender de como eles vão lidar com essa crise", disse. "O mundo está de olho em nós", alertou.

Vieira voltou a defender a solução para a região, com a criação de um estado palestino que possa conviver ao lado de um estado de Israel, de forma segura para ambos.

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