Festa 'quase nua' gera polêmica e revela guinada ultraconservadora de Putin

"Nossos soldados não estão morrendo em nome disso", afirmou Yekaterina Mizulina, ativista ligada ao Kremlin e que defende a censura na Internet. "Organizar tal evento num momento em que nossos rapazes estão morrendo numa operação militar é cínico", afirmou.

Políticos, entidades religiosas, grupos de apoio aos soldados e blogueiros ligados ao governo se apressaram em condenar a festa e "vazaram" informações de que Putin teria ficado irritado ao ver as imagens. Enquanto isso, a imprensa aliada ao Kremlin passou a divulgar notícias sobre como os soldados estariam insatisfeitos diante do evento.

Maria Zakharova, a porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, chegou a declarar que a festa havia "manchado" aqueles que aceitaram o convite.

Mas a questão da guerra não é o único motivo para polêmicas. Nos últimos anos, Putin tem promovido uma agenda ultraconservadora de valores e insistido numa guerra cultural contra o que é tido como "comportamentos de sociedades decadentes do Ocidente".

Na ONU, Moscou se aliou ao posicionamento da ex-ministra Damares Alves e países árabes, rejeitando resoluções que falassem de educação sexual e direitos reprodutivos.

Com uma eleição marcada para março, o governo Putin vem reforçando justamente esse discurso conservador. Controlada pelo Kremlin, a Corte Suprema qualificou ativistas do movimento LGBT como "extremistas", enquanto Putin passou a defender que famílias tenham até oito filhos.

Um dia depois, operações policiais foram realizadas em três casas noturnas frequentadas pelo movimento LGBT, supostamente em busca de drogas. Todos tiveram seus nomes registrados pelas forças de segurança, ainda que a lei apenas entrará em vigor em 10 de janeiro de 2024.

Se em 2013 o governo aprovou uma lei proibindo a distribuição de "propaganda gay" entre menores de idade, agora a regra vale para todas as faixas etárias. Desde 2022, canais de TV passaram a ser multados por divulgar imagens que poderiam sugerir um apoio ao movimento LGBTQ+. Num deles, a acusação que acarretou em punição foi a imagem de casais do mesmo sexo de mãos dadas.

Enquanto isso, o Teatro Bolshoi suspendeu a temporada de um balé centrado na vida do dançarino Rudolf Nureyev (1939-1993), que foi diretor do balé da Ópera Nacional de Paris de 1983 a 1989, marcou a história da dança com suas coreografias e nunca escondeu sua homossexualidade.

Festa punida

No caso da festa com as celebridades "quase nuas", as multas e punições vieram rapidamente. Os participantes do evento ainda passaram a ser cancelados de qualquer tipo de publicidade ou de aparições em TVs, quase todas elas aliadas ao Kremlin. Alguns deles estavam previstos para os shows de Ano Novo, transmitidos pelas emissoras.

Anastasia pediu desculpas em duas ocasiões e foi multada e US$ 1.100. O crime: organizar um evento que viola a ordem pública. Num dos vídeos publicado por ela, a influenciadora se diz arrependida e "pede às pessoas por uma segunda oportunidade". Ela ainda prometeu fazer doações para entidades de caridade.

Mas seus problemas podem apenas estar começando. Nos tribunais, uma ação foi apresentada por 22 pessoas que acusam Anastasia por "danos morais" e reclamam US$ 10 milhões. O dinheiro deveria ir aos veteranos de guerra.

Seu nome ainda foi retirado das publicidades da principal operadora de celular no país e ela é ainda alvo de uma investigação conduzida pelas autoridades fiscais sobre supostos impostos não pagos. Se condenada, poderá pegar até cinco anos de prisão.

O rapper Vacio, que entrou na festa apenas de meia, foi condenado a 15 dias de prisão por "conduta desordeira". Ele foi condenado por promover "relações sexuais não tradicionais".

Mesmo o rei do pop russo e admirado por Putin, o cantor Philipp Kirkorov, publicou um pedido de desculpas. "Há momentos na vida que entramos pela porta errada", disse. Ele ainda fez um apelo para que seu "erro" não afete sua carreira. Segundo ele, a Rússia é o único país onde ele existe como artista e cidadão.