Jamil Chade

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Após 14 anos, Brasil ratifica adesão ao maior centro de física do mundo

Depois de 14 anos de negociações e tramitações, o governo brasileiro aderiu ao Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês), em Genebra (Suíça), e comemora o ato como "histórico". Trata-se do maior centro de pesquisas física do mundo e local de origem da World Wide Web, que impulsionou a internet a um novo patamar.

Em carta enviada à instituição nesta quinta (25), o Itamaraty explicou que o processo de ratificação no Congresso foi concluído. Estima-se que o Brasil terá de pagar cerca de US$ 12 milhões por ano para formalizar a participação. A oficialização apenas aguarda uma promulgação da presidência da República.

O acordo permitirá o intercâmbio maior de pesquisadores e o envolvimento de entidades brasileiras em projetos internacionais. Para o setor produtivo o acordo também trará resultado, já que empresas poderão fornecer equipamentos para as expansões do Cern e manutenções previstas no sistema. O investimento deve ser recuperado pela venda de produtos das empresas nacionais, num mercado global.

O acerto entre o governo brasileiro e o Cern ocorreu ainda em 2022 e foi resultado de uma negociação que percorreu mais de uma década.

Naquele momento, o Cern havia estabelecido que o governo brasileiro teria de conseguir a ratificação do Congresso até março de 2023. Mas a troca de governo no Brasil obrigou o país a pedir que o prazo fosse adiado até 2024 — o que foi aceito pelos europeus.

No ano passado, a ministra de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, visitou o centro em Genebra, com uma delegação de deputados. O objetivo era o de sensibilizar os parlamentares e permitir que o processo de ratificação fosse acelerado na Câmara dos Deputados.

Em coletiva depois da visita, a chefe da pasta rebateu críticos que questionam o uso dos recursos para um projeto no exterior. Segundo ela, a adesão vai permitir que a indústria nacional possa entrar num mercado milionário e fornecer tecnologia.

Segundo ela, o Cern oferece hoje contratos US 500 milhões — o Brasil, portanto, quer uma fatia disso. 70% da contribuição brasileira seria revertida em contratos do organismo internacional a empresas nacionais. "A adesão abre muitas possibilidades para a indústria brasileira", disse.

Com um fundo nacional para pesquisas avaliado em R$ 10 bilhões, a ministra acredita que destinar US$ 12 milhões ao Cern "não seria um custo exorbitante para as vantagens que o país adquire". Segundo ela, a adesão "não compromete" o financiamento à ciência nacional e o valor seria "insignificante" se avaliado o custo-benefício. "Ele gera renda, empregos e adquirimos conhecimentos", defendeu.

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Outra vantagem seria a transformação tecnológica do Brasil na área de nióbio. Para a ministra, o país não pode continuar sendo apenas fornecedor de matéria-prima. O mineral é usado nos supercondutores e o Brasil espera adquirir tecnologia para construir ligas para esses equipamentos

Histórico

O projeto ganhou impulso no governo de Dilma Rousseff (PT). Ainda na década passada, diplomatas brasileiros começaram a mediar a assinatura de uma carta de intenções entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Cern, entidade que entrou para a história com a criação da web há duas décadas e com o maior acelerador de partículas do mundo, que garantiu a confirmação da existência do bóson de Higgs.

Em 2010, um sinal positivo por parte do Cern sobre uma eventual entrada do Brasil foi comemorado como o primeiro passo para a adesão do país. Depois, o então ministro da Ciência, Aloizio Mercadante, chegou a visitar Genebra e prometeu acelerar o processo.

Em 2012, o Cern enviou uma missão para avaliar a situação do país. O resultado foi positivo.

Em 2013, atrasos na comunicação com o governo foram registrados e a cúpula do Cern não escondia a insatisfação com a lentidão no processo. Já naquele momento, o então diretor do Cern e cientista Rolf Heuer, ironizou diante de uma pergunta sobre a falta de uma resposta do governo brasileiro. "Você sabe o que é um buraco negro? É incompreensível a demora do Brasil".

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Mas o que parecia ser uma crise foi contornada. O Brasil acelerou os trabalhos e enviou a documentação exigida pelo Cern, o que envolvia um inventário da ciência no país e toda a capacidade de pesquisa existente.

O Cern considerou que a documentação "atendia aos critérios" para a adesão como membro associado. Assim, o Conselho Executivo do Cern deu luz verde para que um tratado de adesão fosse desenhado entre a entidade. O acordo foi traçado e enviado ao Brasil, com a previsão de que pudesse ser assinado em 2014. Mas o silêncio total prevaleceu, segundo o Cern.

Agora, o processo foi finalmente completado.

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