Jamil Chade

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Reportagem

Em visita a Lula, Macron evitará Mercosul, mas põe Gaza e Ucrânia na pauta

O presidente francês Emmanuel Macron quer evitar a polêmica de sua posição contrária ao acordo entre o Mercosul e UE, durante sua visita ao Brasil na próxima semana. Mas irá tentar convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a necessidade de apoiar a Ucrânia e buscar pontos em comum sobre a crise em Gaza.

Meio ambiente, a situação da Venezuela, a construção de submarinos e investimentos franceses no país também estarão na agenda. Paris e Brasília ainda indicam que compartilham da mesma visão sobre a necessidade de uma reforma das instituições internacional.

O francês estará no Brasil entre os dias 26 e 28 de março. A viagem ocorre em meio a uma profunda discordância entre Macron e Lula sobre o destino das negociações comerciais entre Mercosul e UE. Mas, segundo fontes na presidência francesa, esse tema "não estará na agenda". Paris alega que se trata de um assunto de competência da Comissão Europeia e o Mercosul.

O argumento contradiz o discurso usado pela própria França no final do ano passado. Naquele momento, Macron fez questão de dizer que a Comissão Europeia não poderia ir adiante com o processo negociador. Seus ministros ainda insistiram que a França "tem peso" na UE e que poderia frear o processo.

O pacto não foi fechado no final do ano passado. Lula apostava num acordo como forma de dar provas de que sua política externa havia gerado resultados. Já Macron, enfrentando protestos em seu país e a insatisfação dos agricultores, anunciou que a França não permitiria que a Europa fechasse um acordo com o Mercosul, impedindo que os produtos do Brasil e Argentina ameaçassem a produção do campo francês.

Diplomatas brasileiros confirmaram que houve um esforço por parte da França de não deixar que a questão do Mercosul contamine o restante da pauta bilateral.

Ucrânia e Gaza na agenda

Mesmo assim, o escritório de Macron indicou que quer levar a situação da invasão russa sobre a Ucrânia para a conversa com Lula. Paris vai insistir sobre o fato de que a guerra representa uma ameaça para a segurança europeia e que os ucranianos precisam ser ajudados.

Nas últimas semanas, o posicionamento de Macron tem elevado a tensão e foi respondido pelo Kremlin com um alerta sobre o risco de que soldados franceses possam eventual ser usados em território ucraniano.

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Macron, portanto, irá explicar a Lula a situação atual e espera que o tema possa entrar na agenda da presidência do Brasil no G20.

Fontes francesas confirmaram que Gaza também estará na pauta. Paris já indicou que não concorda com o posicionamento de Lula sobre alguns comentários feitos sobre Israel e que existem "divergências" entre os dois países sobre o tema. A esperança do governo Macron é de que o Brasil não use o G20, neste caso, para forçar uma aceitação de sua posição sobre o conflito entre palestinos e israelenses. O temor é de que isso bloquearia a agenda mais ampla do bloco.

Ainda assim, os franceses acreditam que existam pontos em comum sobre a situação que poderão ser abordados.

Normalização rápida de relação com Venezuela

Outro ponto que entrará na agenda de debates será a situação da Venezuela. A França quer a "normalização rápida" das relações com Caracas e afirma que vai "trabalhar para isso", o que significaria o fim das sanções e a possibilidade de voltar a contar com o petróleo venezuelano.

Mas, para isso, precisa garantir que as eleições em julho sejam limpas e transparentes, "com a participação da oposição". Macron chegou a estar, ao lado de Lula, em um encontro em 2023 com o governo venezuelano e a oposição. "Temos a mesma vontade de sair da crise", disse uma fonte diplomática francesa.

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A meta da França, agora, é que os acordos entre os bolivarianos e a oposição sejam mantidos para que a eleição vire a página da crise. Nesta quarta-feira, porém, uma missão da ONU revelou que há uma retomada da "repressão violenta" por parte do governo Maduro.

Descarbonização, nova ambição climática e encontro de Macron com indígenas

A viagem começa no dia 26 de março, em um encontro em Belém entre Macron e Lula. O francês quer aproveitar a primeira parada para fechar com o Brasil uma agenda ambiental "ambiciosa" e que também considere formas de dar respostas sociais à população na região de floresta.

Macron estará com líderes indígenas e Paris acredita que Lula fez avanços na redução do desmatamento. Para o governo francês, não há como comparar ao que existia durante o governo de Bolsonaro. Mas alerta que o desafio brasileiro é a metodologia de conseguir permitir a conservação, sem que isso dê ao populismo de extrema direita munição para justificar que as medidas afetam negativamente a população local.

A França quer sair de Belém com um acordo sobre uma estratégia ambiciosa dos dois países sobre meio ambiente. Para o governo Macron, o Brasil e a França pode servir de exemplos na descarbonização. No caso francês, isso ocorre por conta do uso da energia nuclear. No Brasil, a saída é o biocombustível.

Por isso, o Élysée acredita que os dois países têm uma responsabilidade de liderar o processo e que podem fixar objetivos comuns.

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França viverá "momento brasileiro"

No dia 27 de março, o francês estará em Itaguaí (RJ). Anúncios sobre a cooperação naval devem ser realizados por Macron. O presidente francês segue, então, para eventos empresariais em São Paulo e, no dia 28, será recebido em Brasília.

O governo francês também destaca que essa é a só a primeira de uma série de viagens de Macron ao Brasil. "Vivemos um momento brasileiro", disse um representante do Élysée. Paris acredita que o governo Lula vai ter um papel central nas negociações sobre a governança global nos próximos anos. Macron ainda estará no segundo semestre do ano no Rio, para a cúpula do G20 e, em 2025, para a COP30, em Belém.

Os franceses, na próxima semana, prometem anunciar um pacote financeiro para as obras do Museu Nacional, no Rio, a abertura do Instituto Pasteur em São Paulo e iniciativas no setor de saúde. Haverá ainda um anúncio sobre um projeto de bioeconomia e iniciativas no setor de pesquisa.

Cabeleireiro e falta de reciprocidade: uma relação repleta de polêmicas

A relação entre Brasil e França tem sido cercada de polêmicas e crises. Antes mesmo de Jair Bolsonaro assumir a presidência, no final de 2018, Macron anunciou que apenas assinaria o acordo com o Mercosul se o brasileiro seguisse uma política de proteção à Amazônia.

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Nos primeiros meses do governo bolsonarista, o então chanceler francês foi esnobado pelo presidente brasileiro que, poucos minutos antes de uma reunião com o enviado de Macron, desmarcou o encontro e foi cortar o cabelo.

A relação viveu uma situação ainda mais negativa quando Bolsonaro usou as redes sociais para sugerir uma crítica à aparência física da primeira-dama francesa. Enquanto isso, em Paris, o embaixador brasileiro atacava a imprensa local.

Macron não demorou para dar sua resposta. Recebeu de braços abertos o cacique Raoní e, em 2022, abriu as portas de seu palácio para Lula.

Em 2021, questionado pelo UOL sobre o estado da relação entre a França e o Brasil, Macron fez alguns segundos de silêncio e apenas respondeu: "já foi melhor".

A vitória do petista parecia que iria restabelecer a relação bilateral. Mas, em pouco mais de um ano, as crises também foram registradas.

Lula ficou decepcionado com a decisão de Macron de ignorar a cúpula da Amazônia, no ano passado. O petista havia estado em um evento sobre o clima promovido pelo francês e esperava reciprocidade, o que não ocorreu.

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Mas a grande decepção brasileira foi o gesto da França de vetar o acordo entre o Mercosul-UE. Lula pediu que Macron reavaliasse sua posição. Mas, instantes depois, o francês deu uma entrevista coletiva já sepultando o acordo.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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