Campo Brasil é destruído em Gaza: bairro nasceu na 1ª missão de paz do país
O local que serviu de base para a primeira missão de paz do Brasil, há quase 70 anos, passou a ser alvo de ataques e bombardeios quase diários, em Gaza. O bairro, chamado de Campo Brasil, fica em Rafah e, ao longo de décadas, se transformou numa zona residencial da cidade, abrigando os refugiados palestinos. Mas a região foi duramente afetada pelos ataques israelenses, ainda em 2023, e com bombardeios que continuaram em 2024.
Em outras investidas de Israel em Gaza, como em 2014, alguns dos prédios do local já tinham sido alvos de ataques e foram derrubados. Agora, a destruição é ainda mais significativa. Segundo palestinos e brasileiros que mantêm contato com os moradores de Rafah, a ofensiva é permanente.
Dados da ONU revelam que 34% de todos os edifícios de Gaza foram atingidos pelo conflito, o que representa uma destruição de proporções poucas vezes vistas pela entidade nos últimos anos. Se por meses a região de Rafah era considerada como mais segura e até designada pelos israelenses como áreas para deslocar os civis, a ONU alerta que já não há como garantir a segurança em nenhuma cidade de Gaza.
O temor da comunidade internacional é de que Israel promova uma invasão por terra em Rafah, ampliando ainda mais a crise humanitária. Israel, de seu lado, argumenta que a cidade passou a ser um abrigo importante para o Hamas.
Nessa ofensiva, uma das vítimas foi justamente o local que representa a primeira ação internacional de tropas brasileiras em operações da ONU.
Em 1957, coube aos militares brasileiros proteger os palestinos. O Batalhão Suez ficou sediado em Gaza por um período de dez anos, em missões intermitentes. A base foi batizada de Campo Brasil e, quando a missão terminou, foram os próprios palestinos que impediram que as autoridades locais mudassem o nome da região.
Sem os militares, o local passou a abrigar refugiados palestinos, primeiro em barracas. Anos depois, casas modestas foram erguidas para atender a população.
Brasileiros para garantir o cessar-fogo entre Egito e Israel
A missão foi a primeira da história da ONU e havia sido criada em 1956, quando a Assembleia Geral aprovou uma resolução que estabelecia a Força de Emergência das Nações Unidas e um cessar-fogo na guerra de Suez.
Documentos do Itamaraty revelam que, dois dias antes, em 5 de novembro, os países-membros da ONU foram convidados a contribuir com tropas para a missão de paz.
O governo brasileiro manifestou interesse em contribuir com efetivos nacionais. Também fizeram parte da missão tropas do Canadá, da Colômbia, da Dinamarca, da Finlândia, da Índia, da Indonésia, da Noruega, da Suécia e da então Iugoslávia.
A partir de então, as Nações Unidas trabalhariam para assegurar a manutenção da paz e supervisionar a retirada das tropas de Israel, da Grã-Bretanha e da França. Deveria, também, monitorar a Linha de Demarcação do Armistício com o objetivo de assegurar a manutenção do cessar-fogo entre Egito e Israel.
Em 17 de novembro de 1956, o presidente Juscelino Kubitschek assinou a lei que autorizava a participação brasileira em missões "em cumprimento de obrigações assumidas pelo Brasil como membro de organizações internacionais ou em virtude de tratados, convenções, acordos, resoluções de consulta, planos de defesa, ou quaisquer outros entendimentos diplomáticos ou militares".
Dias depois, o Congresso aprovaria a lei. Estava criado, assim, o Batalhão Suez.
Newsletter
JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receber"Em fevereiro de 1957, com o desembarque das tropas brasileiras, a UNEF alcançou sua formação completa, com 6.073 militares", escreveu o embaixador brasileiro em Ramallah, Alessandro Candeas, em texto que acompanhava um livro de fotos sobre o Batalhão e que havia sido entregue para os palestinos em 2022.
"Os militares brasileiros trabalharam na desminagem do terreno com o objetivo de assegurar o avanço seguro das tropas da ONU da Península de Sinai até a Faixa de Gaza", escreveu.
Segundo o texto, o restante do contingente embarcou, também em janeiro de 1957, no navio Custódio de Melo, chegando ao Egito em 4 de fevereiro. No total, o primeiro contingente do Batalhão Suez foi composto por 526 militares.
Inicialmente, o contingente brasileiro foi responsável por garantir a segurança do Campo de Rafah, unidade logística da ONU no sul da Faixa de Gaza. Também foi responsável pelo monitoramento de um trecho da linha de armistício entre Israel e Gaza.
O Batalhão Suez instalou seu quartel-general, denominado Campo Brasil, em um antigo forte inglês, nas proximidades do Campo de Rafah.
Fim da missão entre fogo cruzado
O Batalhão Suez passou a monitorar outros trechos da linha de armistício, tendo sido o país que mais acumulou áreas de vigilância. Mas, em maio de 1967, o Egito retirou o apoio à permanência das forças em seu território, o que resultou no fim da missão de paz.
"Foi dado prazo de partida ao contingente internacional até junho. Nesse meio tempo, eclodiu a Guerra dos Seis Dias, de modo que parte do Batalhão Suez se viu cercado pelo fogo cruzado entre Israel e Egito", relatou o embaixador, no texto que acompanhava as fotos.
Os últimos militares brasileiros deixaram a Faixa de Gaza em 13 de junho de 1967, encerrando, assim, a história do Batalhão Suez.
Durante os dez anos da missão, o Brasil assumiu seu comando em duas ocasiões. A primeira foi em 1964, como o major-general Carlos F. Paiva Chaves. No segundo momento, o golpe militar já havia ocorrido no Brasil.
No total, 6.204 militares brasileiros serviram no Batalhão Suez entre 1957 e 1967. Nesse período, sete oficiais brasileiros morreram, sendo um deles vítima das hostilidades no início da Guerra dos Seis Dias.
Deixe seu comentário