Nobel da Paz vai a sobreviventes japoneses, diante de nova ameaça nuclear
O Prêmio Nobel da Paz de 2024 foi dado à organização japonesa Nihon Hidankyo, que luta pela abolição de armas nucleares. O movimento popular de sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki, também conhecido como Hibakusha, foi escolhido por seus esforços para "alcançar um mundo livre de armas nucleares e por demonstrar, por meio de testemunhos, que as armas nucleares nunca mais devem ser usadas".
O prêmio é uma resposta à ameaça nuclear que paira sobre o mundo, diante da guerra na Ucrânia e da crise no Oriente Médio, mas também por conta da ofensiva tecnológica por parte de potências para incrementar o poder dessas armas. Em 2023, EUA, Rússia, China, França, Reino Unido e outros países destinaram US$ 91 bilhões para o desenvolvimento de novas armas nucleares.
O número de ogivas também sofreu um incremento, gerando um alerta global.
"É urgente que o uso de armas nucleares volte a ser um tabu", disse o presidente do Comitê do Nobel, Jorgen Watne Frydnes, nesta sexta-feira. "As ameaças de usar (a bomba) devem acabar", insistiu.
Desde o início da guerra na Ucrânia, o governo de Vladimir Putin passou a citar a existência de seu arsenal nuclear, como uma ameaça ao Ocidente e uma tentativa de alertar a Otan para que evite qualquer envolvimento ainda maior na Ucrânia. No caso do Oriente Médio, o temor é de que a escalada da tensão também volte a abrir a possibilidade para que tais armas sejam consideradas.
O Comitê Norueguês do Nobel reconhece que nenhuma arma nuclear foi usada em guerra em quase 80 anos. Mas destacou que foi justamente os "esforços extraordinários da Nihon Hidankyo e de outros representantes dos Hibakusha que contribuíram muito para o estabelecimento do tabu nuclear".
"Portanto, é alarmante que hoje esse tabu contra o uso de armas nucleares esteja sob pressão", alertou seu presidente.
"As potências nucleares estão se modernizando e atualizando seus arsenais; novos países parecem estar se preparando para adquirir armas nucleares; e ameaças estão sendo feitas para o uso de armas nucleares em guerras contínuas. Neste momento da história humana, vale a pena nos lembrarmos do que são as armas nucleares: as armas mais destrutivas que o mundo já viu", afirmou Frydnes.
Segundo o presidente do Comitê do Nobel, no próximo ano, completam-se 80 anos desde que duas bombas atômicas americanas mataram cerca de 120 mil habitantes de Hiroshima e Nagasaki. "Um número comparável de pessoas morreu de queimaduras e lesões causadas pela radiação nos meses e anos que se seguiram. As armas nucleares atuais têm um poder destrutivo muito maior. Elas podem matar milhões de pessoas e causariam um impacto catastrófico no clima. Uma guerra nuclear poderia destruir nossa civilização", disse.
O que é o movimento
Segundo o Comitê, os destinos daqueles que sobreviveram aos infernos de Hiroshima e Nagasaki foram ocultados e negligenciados por muito tempo. Em 1956, as associações locais de Hibakusha, juntamente com as vítimas dos testes de armas nucleares no Pacífico, formaram a Japan Confederation of A- and H-Bomb Sufferers Organisations (Confederação Japonesa de Organizações de Vítimas das Bombas A e H). Esse nome foi abreviado em japonês para Nihon Hidankyo. Ela se tornaria a maior e mais influente organização hibakusha do Japão.
Para o presidente do Comitê, o centro da visão de Alfred Nobel era a crença de que indivíduos comprometidos podem fazer a diferença. "Ao conceder o Prêmio Nobel da Paz deste ano à Nihon Hidankyo, o Comitê Norueguês do Nobel deseja homenagear todos os sobreviventes que, apesar do sofrimento físico e das lembranças dolorosas, optaram por usar sua experiência custosa para cultivar a esperança e o engajamento pela paz", disse.
"A Nihon Hidankyo forneceu milhares de relatos de testemunhas, emitiu resoluções e apelos públicos e enviou delegações anuais às Nações Unidas e a diversas conferências de paz para lembrar o mundo da necessidade urgente de desarmamento nuclear", explicou.
"Um dia, os Hibakusha não estarão mais entre nós como testemunhas da história. Mas com uma forte cultura de lembrança e compromisso contínuo, as novas gerações no Japão estão levando adiante a experiência e a mensagem das testemunhas. Elas estão inspirando e educando pessoas em todo o mundo. Dessa forma, estão ajudando a manter o tabu nuclear - uma condição prévia de um futuro pacífico para a humanidade", destacou.
O movimento que vence o prêmio se define como a "única organização de âmbito nacional de sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki (Hibakusha)". O número total de sobreviventes que vivem no Japão é de 174.080, em março de 2016. Há milhares de outros Hibakusha vivendo na Coreia e em outras partes do mundo fora do Japão.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberSegundo o Nobel, em resposta aos ataques com bombas atômicas em agosto de 1945, surgiu um movimento global cujos membros trabalharam incansavelmente para aumentar a conscientização sobre as consequências humanitárias catastróficas do uso de armas nucleares. "Gradualmente, desenvolveu-se uma poderosa norma internacional que estigmatiza o uso de armas nucleares como moralmente inaceitável. Essa norma ficou conhecida como "o tabu nuclear"", disse o presidente do Nobel.
"O testemunho dos Hibakusha - os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki - é único nesse contexto mais amplo", afirmou.
"Essas testemunhas históricas ajudaram a gerar e consolidar uma oposição generalizada às armas nucleares em todo o mundo, recorrendo a histórias pessoais, criando campanhas educacionais baseadas em sua própria experiência e emitindo alertas urgentes contra a disseminação e o uso de armas nucleares", disse.
Os organizadores, assim, desejaram "homenagear todos os sobreviventes da bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki que, apesar do sofrimento físico e das lembranças dolorosas, optaram por usar sua experiência custosa para cultivar a esperança e o engajamento pela paz".
Os Hibakusha nos ajudam a descrever o indescritível, a pensar o impensável e a compreender de alguma forma a dor e o sofrimento incompreensíveis causados pelas armas nucleares", afirmou o presidente do Nobel.
A nova corrida nuclear: US$ 173 mil por minuto gasto em arsenais
O prêmio é dado no momento em que as principais potências militares do mundo ampliam de forma dramática seus investimentos em armas nucleares, ampliando a tensão internacional. Dados divulgados pela ICAN - a campanha internacional pelo banimento de armas nucleares - revelam que US$ 91 bilhões foram gastos em bombas atômicas por parte da China, França, Índia, Israel, Coreia do Norte, Paquistão, Rússia, Reino Unido e EUA em 2023.
Isso equivale a US$ 173 mil por minuto, ou US$ 2,8 mil por segundo.
O maior gasto vem dos EUA, com US$ 51,5 bilhões. O volume é maior do que a de todos os outros países com armas nucleares juntos e é responsável por 80% do aumento nos gastos com armas nucleares em 2023.
O segundo maior gastador foi a China, com US$ 11,8 bilhões, com a Rússia gastando o terceiro maior valor, US$ 8,3 bilhões. Os gastos do Reino Unido aumentaram significativamente pelo segundo ano consecutivo, com um aumento de 17% para US$ 8,1 bilhões.
O que o levantamento revela é que os fabricantes de armas nucleares destinaram pelo menos US$ 6,3 milhões em 2023 para influenciar as políticas governamentais e as atitudes do público em relação às armas nucleares.
Em 2023, as empresas envolvidas na produção de armas nucleares receberam novos contratos no valor de pouco menos de US$ 7,9 bilhões. Somente nos EUA e na França (os países para os quais os números podem ser obtidos), essas empresas gastaram US$ 118 milhões em lobby.
"No ano passado, pelo menos US$ 123 milhões foram gastos na contratação de mais de 540 lobistas e no financiamento dos principais grupos de reflexão que influenciam o debate nuclear", afirma a entidade.
Nos últimos cinco anos, foram gastos US$ 387 bilhões em armas nucleares, com um aumento de 34% nos gastos anuais, de US$ 68,2 bilhões para US$ 91,4 bilhões por ano. Em alguns casos, esses contratos de fabricação estão previstos para durar até 2040, o que significa que não haverá um desarmamento. O dinheiro foi usado para modernizar e, em alguns casos, a expandir os arsenais.
"A aceleração dos gastos com essas armas desumanas e destrutivas nos últimos cinco anos não está melhorando a segurança global, mas representando uma ameaça global", afirmou a autora do levantamento, Alicia Sanders-Zakre.
Mas ogivas operacionais
O inventário global aponta para um total de cerca de 12.121 ogivas em janeiro de 2024. Dessas, cerca de 9.585 estavam em estoques militares para uso potencial.
Dados também publicados pelo SIPRI (Instituto de Pesquisas da Paz de Estocolmo) apontam que 3.904 dessas ogivas tenham sido colocadas com mísseis e aeronaves - 60 a mais do que em janeiro de 2023 - e o restante estava em armazenamento.
Cerca de 2.100 das ogivas instaladas foram mantidas em um estado de alerta operacional elevado em mísseis balísticos. Quase todas essas ogivas pertenciam à Rússia ou aos EUA, mas, pela primeira vez, acredita-se que a China tenha algumas ogivas em alerta operacional elevado.
"Embora o total global de ogivas nucleares continue a cair à medida que as armas da era da Guerra Fria são gradualmente desmanteladas, lamentavelmente continuamos a ver aumentos anuais no número de ogivas nucleares operacionais", disse o diretor do SIPRI, Dan Smith. "Essa tendência parece provável que continue e provavelmente se acelere nos próximos anos e é extremamente preocupante".
Segundo o estudo, a Índia, o Paquistão e a Coreia do Norte estão buscando a capacidade de implantar várias ogivas em mísseis balísticos, algo que a Rússia, a França, o Reino Unido, os EUA e, mais recentemente, a China já possuem.
"Isso permitiria um rápido aumento potencial das ogivas instaladas, bem como a possibilidade de os países com armas nucleares ameaçarem a destruição de um número significativamente maior de alvos", indicou.
Hoje, Rússia e EUA juntos possuem quase 90% de todas as armas nucleares. Os tamanhos de seus respectivos estoques militares permanecem relativamente estáveis em 2023, embora se estime que a Rússia tenha implantado cerca de 36 ogivas a mais com forças operacionais do que em janeiro de 2023.
A estimativa do SIPRI sobre o tamanho do arsenal nuclear da China aumentou de 410 ogivas em janeiro de 2023 para 500 em janeiro de 2024, e espera-se que continue crescendo.
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