Letícia Casado

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Bets rebatem BC e citam gasto de R$ 450 mi de apostadores do Bolsa Família

A ANJL (Associação Nacional de Jogos e Loterias), que representa parte do setor de bets no Brasil, divulgou nesta quinta (3) um comunicado apontando "graves equívocos" no estudo do Banco Central sobre os gastos dos beneficiários do Bolsa Família com apostas online. Segundo a entidade, esse grupo gastou, no máximo, R$ 450 milhões em um mês, valor bem abaixo dos R$ 3 bilhões informados pelo BC na semana passada. O BC não quis comentar.

A associação aponta, ainda, o que considera um erro de R$ 8 bilhões no levantamento do BC relativo ao tamanho do mercado de bets e uma avaliação equivocada no perfil e na renda dos apostadores.

"Ao contrário do que fez parecer a nota publicada pelo Banco Central, os beneficiários do Programa Bolsa Família não estão gastando parte significativa da transferência de renda com apostas online", informa a ANJL. O valor seria menor do que o pago em impostos. "Se consideradas as demais formas de tributação, o governo federal arrecada muito mais com as apostas esportivas do que os beneficiários gastam."

Desde sua divulgação, os dados do BC têm provocado uma ofensiva contra o setor por parte do governo federal e de congressistas. Na tarde desta quinta, o presidente Lula (PT) deve se reunir com ministros para discutir medidas mais restritivas aos apostadores.

Cálculos do UOL mostram que, entre os apostadores do Bolsa Família citados pelo BC, há um grupo que fez apostas de valores muito altos, incompatíveis com a renda limite para participar do programa. São indícios de fraude, que não foram citados no estudo divulgado pelo órgão.

Erro de R$ 8 bilhões no levantamento do BC

De acordo com o documento do BC, apenas 56 empresas somaram R$ 20,8 bilhões de transferências recebidas em agosto.

A ANJL considera a possibilidade de que o BC tenha calculado valores em duplicidade, inflando o volume transacionado como se fosse o gasto total das pessoas na plataforma. Para a associação, o dado não está claro, uma vez que o BC não informa se o valor mencionado corresponde à soma das entradas e saídas das contas dos apostadores.

"Apenas para que se tenha uma noção da arbitrariedade, que poderá ser confirmada caso os dados do Banco Central sejam abertos para crítica, como, em média, 85% do valor retorna aos apostadores, somente nesse ponto haveria um erro de mais de R$ 8 bilhões na base de cálculo do BC", diz a ANJL.

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Perfil do apostador não bate com beneficiário

Outro ponto levantado pela ANJL é o perfil do beneficiário do Bolsa Família envolvido com bets.

"No estudo [do BC], aponta-se uma participação de 5 milhões de beneficiários do programa, sendo 3,5 milhões os chefes de família. Mas, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, cerca de 80% dos chefes de família nesse programa são mulheres, o que não é congruente com o público dos sites de apostas, que é majoritariamente masculino", diz a ANJL.

BC não divulga metodologia da nota técnica

Na semana passada, após a divulgação da nota técnica, a ANJL enviou um ofício ao BC questionando a metodologia da nota técnica que tratou do Bolsa Família, mas não obteve resposta. O UOL também questionou a instituição, mas o BC respondeu que as informações disponibilizadas se limitam ao que já foi divulgado.

Nesta quinta, a coluna pediu os dados ao BC, mas o órgão não repassou as informações.

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"Os microdados que embasam essas afirmações ainda não foram tornados públicos, então não é possível fazer as validações necessárias para que se repliquem as conclusões do estudo do BC. É uma situação muito grave e até mesmo inédita em situações similares. O Banco Central divulgar publicamente um estudo e bloquear a base desse estudo é, no mínimo, incoerente, para não se dizer ilegal e contrário aos princípios mais básicos do direito, dentre os quais a publicidade, a ampla defesa e o contraditório. Não obstante, é possível extrair algumas informações relevantes do texto e dos gráficos apresentados no estudo, que já corroboram os seus graves equívocos", informa a ANJL no comunicado.

"De qualquer forma, reitera-se a importância de que o Banco Central traga à luz os dados e informações que basearam a sua nota técnica. Afinal, como demonstrado, há vários indícios no sentido de que pode ter havido algum equívoco no levantamento dos dados ou na definição das premissas adotadas no estudo. Sem a abertura dos dados pelo Banco Central, com todas as vênias devidas, a nota técnica deve ser analisada como um estudo hipotético, que não pode embasar alterações no setor —até porque, como demonstrado, os números são bem inferiores aos especulados pelo Banco Central", diz a ANJL.

Regulamentação tardia

A regulamentação das bets foi aprovada no governo Michel Temer (MDB) e deveria ter sido finalizada durante a gestão Jair Bolsonaro (PL). Sob Lula, o governo federal iniciou o processo para regular o setor, medida que começaria efetivamente em 1º de janeiro de 2025.

Para a ANJL, um eventual retrocesso na regulamentação das apostas online vai acarretar no aumento de atividades ilegais sem controle do Estado e sem contribuição social, entre outros problemas.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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