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Maria Carolina Trevisan

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Convite a Ciro Nogueira é manobra de Bolsonaro para preservar o mandato

Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) convida Ciro Nogueira (PP-PI) para ministério na tentativa de preservar mandato - Isac Nóbrega/PR
Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) convida Ciro Nogueira (PP-PI) para ministério na tentativa de preservar mandato Imagem: Isac Nóbrega/PR

Colunista do UOL

22/07/2021 04h00

O convite do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao senador Ciro Nogueira (PP-PI) para ocupar a Casa Civil, responsável pela coordenação política do governo, é uma tentativa de o presidente garantir seu mandato.

Com a decisão, Bolsonaro aumenta o poder do centrão, contém um processo de impeachment e, ao mesmo tempo, pode influenciar nos resultados da CPI da Covid. Na reorganização ministerial, Bolsonaro esvazia a pasta da Economia, de Paulo Guedes, e recria o Ministério do Trabalho para abrigar Onyx Lorenzoni, deslocado da Secretaria-Geral da Presidência, que deve receber o general Luiz Ramos, "atropelado por um trem", segundo ele mesmo.

Mas não será tão simples segurar a percepção negativa da população sobre o governo. As pesquisas mais recentes apontam que há um descompasso entre a melhoria do país e a imagem do presidente. O otimismo do brasileiro na retomada da saúde e da economia nada tem a ver com Bolsonaro, apontam pesquisas.

Os movimentos do governo nas últimas semanas não permitem dizer que esses dois aspectos caminharão juntos: Jair voltou a duvidar das vacinas, a atacar as medidas de isolamento social determinadas por governos e municípios e a saudar medicamentos ineficazes no tratamento da covid-19. Tudo ao contrário do que a população deseja. Os eleitores perceberam que o discurso não muda a realidade.

O governo Bolsonaro operou uma sequência de eventos nesta semana na tentativa de chamar a atenção e recuperar a imagem. Começou com a publicação de fotos da internação no hospital para tratar de uma obstrução intestinal, tentativa de gerar comoção e reverter a queda de rejeição registrada por pelo menos cinco pesquisas de opinião na semana passada. O apelo funcionou rapidamente, mas é pouco para sustentar uma mudança.

Na saída do hospital, se dirigiu a sua base de apoiadores fiéis, que corresponde a pouco menos que 25% dos eleitores. No domingo (18), deixou o hospital acompanhado de um pastor, o apóstolo Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, vertente neopentecostal da religião evangélica.

Valdemiro chegou a vender feijões como alternativa terapêutica para tratar a covid-19. Mas, em junho deste ano, o pastor perdeu um irmão para o coronavírus e, por ocasião do enterro, afirmou que tomaria a vacina. "Não que eu acredite na vacina, só confio em Deus", disse.

Na porta do hospital, Bolsonaro falou em Deus, em cloroquina, tirou da cartola a proxulatamida, outro medicamento sem eficácia comprovada, criticou medidas de proteção e colocou as vacinas contra a covid-19 na categoria "experimental", o que não é verdade.

De volta ao batente, o presidente se dirigiu aos parlamentares bolsonaristas e incitou apoiadores ao declarar que pode não disputar as eleições de 2022 se continuar o voto eletrônico. Não seriam "eleições limpas", segundo ele, contrariando todas as evidências e sem provar nenhuma fraude.

Bolsonaro usa de um artifício conhecido a esta altura de seu governo: esgarça os limites da democracia para ver no que dá. Ele sabe que há atos organizados em seu favor para o início de agosto. Sabe também que a PEC do voto impresso pode não ser aprovada e, mesmo se fosse, não entraria em vigor para o pleito do ano que vem. Bolsonaro blefou. Seu ministro da Defesa, general Braga Netto, elevou o tom e ameaçou o processo democrático, afirmando que não haverá eleições em 2022 se o voto não for impresso e "auditável", revelou o Estadão nesta quinta (21).

Jair também anunciou pelas redes sociais que vai propor ao Senado a recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras, ao cargo. A atuação do PGR preservou o presidente da República em diversos momentos, mesmo quando Bolsonaro usou a tática de testar os limites da democracia. O anúncio é, então, uma aposta na autoproteção.

Aras se disse honrado. Talvez almejasse ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, mas o presidente indicou André Mendonça, advogado-geral da República e ex-ministro da Justiça, um grande defensor de Bolsonaro que cobre o perfil "terrivelmente evangélico", já prometido pelo presidente.

Nessa cruzada por retomar alguma credibilidade, a atitude mais vazia se deu no pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV do ministro da Educação, Milton Ribeiro, também pastor presbiteriano. "Quero nesse momento conclamá-los ao retorno às aulas presenciais. O Brasil não pode continuar com as escolas fechadas, gerando impactos negativos nesta e nas futuras gerações", afirmou o ministro. "O fechamento de escolas traz consequências devastadoras", completou.

Sim, é verdade, as consequências são profundas e muito ruins. Ciente disso, o que fez o MEC?

Para mitigar os efeitos da pandemia, não fez nada. Não ajudou a estruturar as escolas para reabri-las com segurança, não proporcionou aos alunos o acesso nacional à internet, não garantiu uma bolsa aos estudantes do ensino médio que perderam seus pais para a covid e tiveram de deixar a escola para trabalhar e sustentar a casa, não liderou uma campanha de vacinação para professores para assim adiantar o retorno às aulas.

O MEC não fez nada. Não pode "conclamar" abertura de escolas, portanto. O interessante é que o ministro usa a cadeia nacional de rádio e TV para tentar impor a reabertura em um momento em que grande parte dos estados e dos municípios já vacinou seus professores e agora planeja a reabertura. Zero desafio. O desafio seria propor saídas para os problemas que a pandemia e a demora na vacinação em massa, promovida pelo governo Bolsonaro, causaram.

Nessa dança das cadeiras, a vaga para o centrão parece a última cartada. O centrão é o grupo de partidos ao qual o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), se referiu ao cantar "se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão" em 2018.