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Com Lula x Bolsonaro antecipado, voto evangélico vira tábua de salvação

O presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Nelson Almeida e Evaristo Sá/AFP
O presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva Imagem: Nelson Almeida e Evaristo Sá/AFP

Colunista do UOL

05/10/2022 04h00

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O segundo turno das eleições presidenciais de 2022 promete ser o mais acirrado da história recente brasileira. Os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ex-presidente da república, e o atual ocupante do cargo, Jair Messias Bolsonaro (PL), agora disputam palmo a palmo a preferência dos eleitores de Simone Tebet (MDB), Ciro Gomes (PDT), Soraya Thronicke (União Brasil) e Felipe Dávila (Novo). E junto deles a preferência dos evangélicos.

Um grupo que pode ser considerado o fiel da balança nesse segundo turno são os evangélicos. Eles compõem aproximadamente 31% da população brasileira, segundo pesquisa do Datafolha de 2020. O ativismo evangélico foi fundamental para a eleição de Bolsonaro em 2018 e esse segmento da população continua a apoiar em massa o atual presidente. Vale lembrar que vários ex-ministros de Bolsonaro eram evangélicos, como Damares Alves (ex-titular da Mulher, Família e Direitos Humanos), eleita senadora pelo Distrito Federal, e Milton Ribeiro, (ex-chefe da Educação), líder da Igreja Presbiteriana do Brasil e envolvido num grave escândalo de corrupção no MEC ao lado de dois outros pastores. No total, 9 evangélicos assumiram cargos no alto escalão do governo — e alguns foram indicados a outros postos, como André Mendonça, ex-advogado-geral da União e atualmente ministro do STF.

O relacionamento de Bolsonaro com os evangélicos também é marcado pelo apoio de líderes como Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que inclusive viajou com Bolsonaro para Londres para o funeral da rainha Elizabeth 2ª, falecida no mês de setembro. Ele é também um dos mais aguerridos defensores do presidente nas redes sociais. Não surpreende, diante do engajamento dos líderes evangélicos na campanha pró-Bolsonaro, que ele tenha tido entre 48% e 51% das intenções de voto nas amostragens do Ipec e do Datafolha para o primeiro turno. Já Lula oscilou entre 28% e 31%.

Entendendo o resultado das urnas de domingo

O pleito do primeiro turno foi uma espécie de segundo turno antecipado. Os outros candidatos juntos não conseguiram alcançar 10% dos votos. Foi realmente uma eleição polarizada em termos da preferência do eleitorado. Isso não significa que não tivemos algumas surpresas, como o desempenho de Simone Tebet que, apesar de não ter alcançado 5% dos votos, tornou-se conhecida nacionalmente em sua primeira disputa para presidência.

Por outro lado, Ciro Gomes, político experiente que concorria pela quarta vez ao cargo máximo do executivo, teve um desempenho abaixo do esperado. Sua candidatura foi desidratada pela campanha do voto útil, que gerou uma debandada entre muitos de seus eleitores mais fiéis, como os músicos Caetano Veloso - de quem o pedetista parece ter guardado mágoas, já que o citou no último debate junto com Geddel Vieira Lima — e Tico Santa Cruz, defensor de primeira hora de seu Projeto Nacional de Desenvolvimento. As últimas pesquisas já apontavam essa tendência de queda e a chance real de ser ultrapassado por Tebet, o que se confirmou após a apuração das urnas eletrônicas.

Mas Ciro tropeçou em seus próprios erros. Escolheu como tática o ataque aos dois candidatos da liderança, com ênfase em Lula, de quem esperava tirar alguns votos ou se cacifar como nome de oposição à direita após uma possível derrota de Jair Bolsonaro. Entretanto, essa estratégia alimentou o antipetismo, melhor representando por Jair Bolsonaro do que pelo próprio Ciro - que inclusive compôs ministério durante o primeiro governo Lula (2003-2006). O resultado foi a redução de votos de Ciro, que aparecia no início das pesquisas de intenção de voto com 9% (abaixo dos 12% de 2018), para 3%.

Ao mesmo tempo, parece que parte do "voto envergonhado" em Bolsonaro se abrigou debaixo do guarda-chuva de Ciro, junto aos que declaravam votos brancos, nulos e indecisos. Esse fenômeno já havia sido observado nas eleições presidenciais norte-americanas de 2016, que elegeu Donald Trump, e se repetiu novamente em 2020. Coisa parecida aconteceu em 2018 aqui no Brasil, mas em proporção diferente das eleições de 2022. O primeiro turno terminou há apenas dois dias e os analistas ainda estão avaliando os dados, mas essa parece uma projeção difícil de ser captada pelos institutos de pesquisa.

O problema com as pesquisas eleitorais

Assim como aconteceu nas eleições anteriores, os institutos de pesquisa erraram em algumas projeções da disputa presidencial e dos estados. Na Bahia, por exemplo, o candidato do PT, Jerônimo Rodrigues (PT), atrás em todos os levantamentos dos principais institutos de pesquisa, ultrapassou com alguma folga ACM Neto (União Brasil), que liderava a corrida ao governo estadual. Em outros estados, como o Rio Grande Sul, Eduardo Leite (PSDB) por pouco não fica fora do segundo turno, tendência não observada nas pesquisas.

Bastou isso para que os institutos começassem a receber ataques. Na primeira entrevista após o resultado do primeiro turno, Bolsonaro disse que as pesquisas estavam "desmoralizadas". Lembrando que nas intenções de voto até poucos dias antes da eleição Bolsonaro aparecia com aproximadamente 37% (35% a 39% dentro da margem de erro). O crescimento, em parte, pode ser explicado pelo voto útil em Bolsonaro, da mesma maneira que houve voto útil em Lula, além dos eleitores que mudaram o voto de última hora.

Que os institutos de pesquisa precisam reavaliar a sua metodologia parece óbvio. Há algo que as pesquisas não conseguem captar, algo já ocorrido na última corrida, em 2018, que é a mudança ou a decisão do voto de última hora. Mas há tendências que são de difícil avaliação, como o "voto envergonhado". O voto é secreto, é claro, e nenhum eleitor é obrigado a declarar a sua preferência, mas a declaração de voto em um candidato e o voto em outro está além de qualquer capacidade de projeção

A corrida pelos evangélicos

O grande desafio da campanha do ex-presidente Lula no segundo turno é recuperar parte desse eleitorado. Há grupos de evangélicos que apoiam o ex-presidente, mas esses constituem a minoria no cômputo geral. E não é que o relacionamento entre Lula e as lideranças evangélicas tenha sido dos piores. Durante os seus dois mandatos (2003-2010), Lula conviveu de perto com alguns dos principais nomes evangélicos ligados à política. O bispo Marcelo Crivella, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), foi ministro da Pesca durante a gestão da presidenta Dilma Rousseff e garantiu a sua segunda ida ao Senado impulsionado pela popularidade do final de mandato do ex-presidente Lula. Tinha um bom trânsito entre esse segmento da população e precisa recuperá-lo com urgência.

Mais importante ainda são os fiéis do campo evangélico. Segundo o levantamento do Datafolha de 2020, esse grupo é composto por mulheres (58%), negros (59%), com a maioria da região norte (39%), que recebem até dois salários mínimos (48%), com nível de escolaridade até o Ensino Médio (49%). Essas são as faixas em que Lula leva vantagem sobre Bolsonaro nas pesquisas, mas que dentro do campo evangélico votaram no atual presidente.

Aliás, a participação evangélica vem de antes. Na eleição de Dilma Rousseff (PT), em 2014, já se apresentava um movimento de votos para o concorrente, Aécio Neves (PSDB), ainda que muito divididos. Em 2018, porém, houve uma guinada em direção a Jair Bolsonaro, que defendia a chamada "agenda de costumes". Os evangélicos foram bombardeados com notícias sobre o "kit gay", de Fernando Haddad (PT), candidato à presidência, mamadeiras com formatos fálicos e outras aberrações do gênero. O sistema de disparo de mensagens pelos aplicativos de mensagem criou uma máquina de fake news que influenciou decisivamente no resultado eleitoral daquele ano.

Quatro anos mais tarde, a "pauta conservadora" está de volta. Na verdade, nunca saiu de cena, já que Bolsonaro esteve em campanha eleitoral desde o início do governo. Novamente a agenda de costumes ganha relevância entre esse segmento acompanhada de fake news: que um possível governo Lula obrigaria as igrejas a realizar casamentos de pessoas do mesmo sexo, decretaria o fechamento das igrejas, banheiros unissex, entre outras acusações. Se esse tipo de mensagem chegou ao meu aplicativo de mensagens, podemos imaginar como os evangélicos têm sido bombardeados com essa rede de desinformação.

Falta pouco tempo para o segundo turno, e a campanha do ex-presidente Lula precisa encontrar meios para captar pelo menos parte desse eleitorado. A essa altura o PT já entendeu a necessidade de estreitar o diálogo com os evangélicos. E não necessariamente com os pastores e líderes das denominações religiosas, mas com os fiéis. Afinal, ainda que possam receber orientações vindas do púlpito, o eleitorado evangélico é heterogêneo. Resta saber se dará tempo para reverter esse cenário.