Presença Histórica

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Opinião

O caminho da paz entre Israel e Palestina está no que nos une na História

A História serve, dentre outras coisas, para desnaturalizar aquilo que achamos natural. Este massacre de Israel contra Palestina não é natural e não deve se tornar uma "banalidade do mal", como bem nos alertou a filósofa judia Hannah Arendt.

Para a tão necessária paz entre Israel e Palestina é preciso dar atenção ao que nos une enquanto seres humanos, com histórias difíceis, mas também construídas com bravura. É preciso entender que o povo de Israel e o palestino, nem sempre conviveram sobre tensão.

A experiência de árabes, muçulmanos e cristãos, não só no Brasil, mas no mundo, comprova que a trajetória destes três povos é repleta de sofrimentos, perseguições e exclusões, mas também é cheia de resiliência, coragem e tolerância.

Precisamos saber diferenciar

Árabes são todos os nascidos na região da Península Arábica, que engloba Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Kwait, Omã e Catar. Em geral, também são árabes os que se identificam assim por laços culturais - o que os colocariam eventualmente em outros países do Oriente Médio, a exemplo da própria Palestina.

O povo palestino é predominantemente muçulmano, como bem refletiu Ronilso Pacheco. Muçulmanos são os adeptos do Islamismo, portanto, seguidores de uma religião. Desta forma, é possível encontrarmos árabes que não sejam muçulmanos ou muçulmanos que não sejam árabes.

Quando os mouros (muçulmanos predominantemente vindos do norte da África) ocuparam a península Ibérica entre os séculos 8 e 15, levaram consigo um arcabouço de costumes árabes que se misturaram às práticas locais.

Eles carregaram a religião islâmica, que professa Allah como criador do universo e Maomé como o seu profeta, mas também roupas de tecidos leves e longos, o apreço aos muxarabis na arquitetura - além dos números e expressões matemáticas que utilizamos ainda hoje, como a álgebra.

Muçulmanos, cristãos e judeus professam a fé em um único deus manifestado a partir de Escrituras Sagradas distintas. Para os judeus, a Torá; para os cristãos, a Bíblia e para os islâmicos, o Alcorão.

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Os judeus, a quem devemos não só a preservação de textos importantes para o cristianismo, a exemplo dos cinco primeiros livros da Bíblia - Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio -, mas também a participação ativa nas atividades econômicas da Península, impulsionando empreendimentos particulares diversos, financiando empreendimentos estatais, além de influir na incorporação de costumes que cultivamos até hoje, como varrer a casa da porta para dentro.

A influência e construção no Brasil

Além de portugueses, africanos e indígenas - como prega o velho mito das três raças que teriam formado o Brasil -, judeus, muçulmanos e árabes também contribuíram de diferentes formas, e juntos, para a construção econômica, social e cultural nacional.

Ao longo de séculos, todos estes povos passaram por uma série de políticas segregacionistas na Europa. O ano de 1492 foi um marco neste sentido diante da publicação do Decreto de Alhambra - ou "Édito de Expulsão" -, que expulsou todos os judeus da Espanha e impulsionou uma série de conversões forçadas ao cristianismo, além de perseguições inquisitoriais e confiscos de bens. Seis meses depois os muçulmanos foram expulsos de Granada, região ao extremo sul da Espanha, tendo seus patrimônios tomados.

Expressiva parte dos judeus migraram do reino espanhol para Portugal, de onde foram novamente expulsos. A situação impulsionou que, a partir de 1500, muitos deles atravessassem o Atlântico.

Nas Américas, muitos sofreram as penas impostas pela intolerância religiosa a partir das premissas impostas pela Inquisição, como demonstraram as historiadoras Anita Novinsky e Laura de Mello e Souza, outros prosperaram com os negócios da cana-de-açúcar, como explicitou o historiador Stuart B. Schwartz ao analisar as origens de alguns senhores de engenho do Recôncavo baiano nos primeiros séculos de colonização.

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A migração árabe, por sua vez, foi intensificada no Brasil a partir do final do século 19, como demonstrou a historiadora Ana Maria Mauad, se fazendo presente na cultura popular, não só a partir da adoção de comidas típicas, como o kibe ou a esfirra, mas também em episódios marcantes da nossa história relativamente recente, a exemplo de Benjamin Abrahão Botto, nascido no Líbano e que foi responsável por diversos registros imagéticos de Lampião, Maria Bonita e seu bando.

Assim como os judeus, os muçulmanos e árabes também ficaram largamente conhecidos no imaginário brasileiro por suas aptidões comerciais. Exemplo disso são as novelas O Clone, de Glória Perez (2001); Cordel Encantado, de Duca Rachid e Thelma Guedes (2011) e mais atualmente Renascer, de Benedito Ruy Barbosa, com o remake de Bruno Luperi (1993; 2024), que contaram com personagens árabes e/ou muçulmanos ligados ao comércio em seus enredos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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