Wálter Maierovitch

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Opinião

Joias desviadas: quanto mais primário, mais fácil é identificar crime

Certa vez, num encontro internacional sobre prevenção e repressão à lavagem de bens e capitais sujos, àqueles obtidos sem causa lícita, um procurador italiano antimáfia, Roberto Scarpinato, fez um alerta importante.

Disse Scarpinato e bem me lembro: não adianta querer levantar e relacionar todas as maneiras possíveis de se lavar capitais provenientes de condutas criminosas. São elas infinitas e tudo depende da criatividade, da imaginação. Bolsonaro e os seus asseclas gozam de pouca imaginação.

A partir do livre imaginar, as relações expostas nas unidades de inteligência financeira — tipo o brasileiro Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e o internacional GAFI (Grupo de Ações Financeiras), sediado em Paris —, são meramente exemplificativas, como comprar obras de arte, vender pedras e metais preciosos e bens decorrentes de crimes de peculato.

De se acrescentar, quanto mais primária, rudimentar, mais fácil será investigar e desvendar as condutas criminosas. E o Coaf busca suspeitas nas seguintes áreas: mercados de pedras preciosas e metais preciosos, registros imobiliários, mercados de arte e factoring, movimentações bancárias.

A Polícia Federal, na operação que levou o nome do evangelista Lucas, e faz referência à passagem 12:2, investiga, a partir de informações do Coaf, a venda criminosa de bens da União, consistentes em presentes recebidos pelo então presidente Jair Bolsonaro.

Também serve de suporte investigatório os áudios contidos em apreendido celular do ex-ajudante de ordens da Presidência da República, tenente-coronel Mauro Cid.

Pelo que se tem de informação até o momento, uma associação delinquencial formou-se para vendas de bens da União, a tipificar crimes continuados de peculato.

Os bens referem-se, com base em indicativos consistentes, a presentes recebidos pelo então presidente Jair Bolsonaro, que deles apropriou-se criminosamente. Teriam sido os bens vendidos no exterior, com parte dos valores em dinheiro depositados em conta corrente bancária, no exterior e cujo titular era o general Mauro César Lourena Cid.

Nas condutas criminosas, pelas investigações da PF, teriam se envolvido o supracitado ajudante de ordens, tenente coronel Mauro Cid; o seu pai, general Mauro César Lourena Cid; o advogado Frederick Wassef; e Osmar Crivelatti, tenente do Exército e atual segurança pessoal do ex-presidente Bolsonaro.

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A participação de Jair Bolsonaro já salta aos olhos. Para isso, basta a formulação de elementar pergunta, recomendada em toda a investigação, ou seja, a quem aproveitou? Em outras palavras, quem se beneficiou da tramoia criminosa? Quem ficou com a grana?

Bolsonaro recebeu os bens como representante do Brasil, dada a sua condição de chefe de Estado e de governo. Em vez de encaminhar os bens para incorporação ao patrimônio da nação brasileira, apossou-se, a perpetrar crimes consumados de peculato, na modalidade de peculato-apropriação.

O modus operandi da associação criminosa consistia nas vendas de bens. As vendas serviam para apagar a origem do peculato. O dinheiro lavado era reciclado, com depósito na conta do general Lourena.

Atenção: quando da prisão de Mauro Cid, o seu pai general, como informaram as mídias, procurou o comandante do Exército para choramingos e busca de tábua de salvação ao rebento. Uma vez confirmada a participação criminosa do general-genitor do ex-ajudante de ordens, vai se poder dizer o seguinte do ajudante de ordens: "quem sai aos seus não degenera".

O tenente-coronel já contribuiu para manchar a imagem do Exército brasileiro. O seu pai, dada a patente, colocará o Exército em posição incômoda, mas, por evidente, generalizações geram exageros e causam injustiças aos honestos.

Outro dado conhecido da Operação Lucas 12:2 diz respeito às recompras de alguns bens vendidos. Ocorreu quando o Tribunal de Contas da União começou a apurar sobre o chamado escândalos das joias das arabias, amplamente noticiados.

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Como se diz entre os jovens, deu "barata voa" e entrou em ação o advogado Wassef, o mesmo que escondeu em seu escritório, localizado no interior de São Paulo, Fabrício Queiroz, ex-faz-tudo de Bolsonaro e operador de rachadinhas do gabinete de Flávio Bolsonaro, quando deputado no Rio de Janeiro. Teria competido ao referido advogado Wassef a recompra de alguns dos bens, embora já consumados os peculatos.

A jornalista americana Claire Sterling, do "Reporter Magazine" e freelance do "Financial Times" por anos, escreveu sobre grandes escândalos governamentais e mafiosos, consumados mundo afora. Significativo o título da sua obra, na versão italiana: Um Mondo di Ladri (Um Mundo de Ladrões).

Essas investigações sobre peculatos e lavagens de bens no governo Bolsonaro caberiam, uma vez definidas as responsabilidades no devido processo legal, em capítulo no livro "Um Mundo de Ladrões", da mencionada Sterling.

Bolsonaro e demais suspeitos, no devido processo legal, irão, seguramente, encontrar dificuldades jurídicas. É que no nosso sistema processual penal "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer".

Os conhecidos escapismos de Bolsonaro, tipo não sabia de nada, precisarão ser por ele comprovados.

Numa velha lição, "cabe provar a quem tem interesse de afirmar". Portanto, quem apresenta uma pretensão punitiva cumpre provar os fatos constitutivos. Agora, quem fornece a exceção cumpre comprovar os fatos extintivos da sua responsabilidade ou as condições impeditivas ou modificativas.

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Não bastasse, e ainda sob o prisma legal e com relação à culpabilidade, o dolo (a intenção) é sempre presumido.

Num resumo e uma vez comprovadas as suspeitas, Bolsonaro e os envolvidos nos crimes continuados de peculato e lavagem de capitais, incluído o general que emprestou a sua conta-corrente bancária no exterior, sairão presos, além de sujos como pau de galinheiro.

No caso, é livre sonhar com anistia, graça ou indulto. Mas, fora do sonho e caindo na real, a saída segura tem o nome jurídico de delação premiada.

Pano rápido. Caxias deve estar a dar piruetas na sepultura, jamais imaginou oficiais do Exército presos ou com tornozeleiras eletrônicas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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