Wálter Maierovitch

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Opinião

Equador acordou tarde, como aconteceu num Brasil de PCC e Comando Vermelho

Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos entre 1981 e 89, entendeu que o combate às drogas proibidas em seu país deveria se transformar em repressão planetária. Para isso, implantou bases militares em outros países, por meio de acordos internacionais bilaterais. Uma delas foi na cidade portuária de Manta, no Equador.

Com a Guerra Fria em curso, essas bases militares, com o rótulo de "war or drugs", também serviriam, na geoestratégia de Reagan e dos militares do Pentágono, para combater o comunismo de matriz soviética.

Além de Manta, bases militares americanas foram implantadas em Iquitos (Peru) e nas ilhas caribenhas de Aruba e Curaçao, ambas integrantes do Reino dos Países Baixos (Holanda).

Equador estratégico

A escolha de Manta foi estratégica. O Equador está entre os únicos países andinos, Colômbia (norte) e Peru (sul), onde a folha de coca (arbusto abundante nos Andes) era usada como matéria-prima na elaboração química do cloridrato de cocaína. E a cocaína, injetável ou aspirada, representava a droga mais consumida nos EUA.

A rainha das drogas nos EUA, pelo seu princípio psicoativo, havia desbancado a heroína, droga que deprimia o consumidor americano e causava dependência química geradora de dores insuportáveis na fase de abstinência.

No mais, o Peru havia perdido a hegemonia no cultivo, e os então megacartéis colombianos, como os de Medellín e Cali, tornaram-se os maiores exportadores, com domínio do refino.

O boss Pablo Escobar havia, com sucesso, plantado e espalhado o arbusto de coca do tipo "tingo maria" (nativa no Peru), de maior poder alcalino e ativo, em substituição à folha colombiana, de baixa produtividade no refino.

Cedo ou tarde, os cartéis colombianos e peruanos usariam, como imaginou Reagan e o Pentágono, os dois principais portos equatorianos —Guayaquil e Manta—, para enviar cocaína aos EUA.

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Colômbia e Peru

Com o passar do tempo, a repressão acabou com o sistema colombiano de megacartéis. Ocorreu nos governos Clinton e Pastrana o chamado "Plan Colombia".

Hoje, na Colômbia, funcionam a todo vapor os ágeis "cartelitos", com os seus discretos chefões. Não temos mais celebridades narcotraficantes, como Escobar e os irmãos Orejuela. A cocaína, frise-se, ainda tem peso forte no PIB colombiano.

No Peru, a dupla Alberto Fujimori-Vladimiro Montesinos foi presa acusada de transformar o país num narcoestado. Montesinos era o mandachuva da segurança do país e destacava-se, em absoluta obediência à CIA, no combate ao Sendero Luminoso.

Nos últimos dez anos, o Peru voltou a ter a maior área de cultivo da folha de coca e retomou a condição peso-pesado na oferta mundial de cocaína.

Os cartéis mexicanos, os mais militarizados, dominam o mercado de venda e colocam nos EUA a cocaína, parte exportada via Pacífico pelo Equador. Eles mantêm estocagem na América Central.

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Gangues equatorianas impõem terror

O Equador passou, dada a sua posição de corredor e exportador, a contar com fortes bandos armados, que empregam o método terrorista dos cartéis mexicanos. Numa estimativa não oficial, seriam 10 bandos armados a atormentar uma população de cerca de 18 milhões de habitantes.

Como se viu, membros de gangues, encapuzados, invadiram os estúdios da TV estatal (TC Televisión), ameaçaram e difundiram o pânico, ao vivo. A AFP divulgou o desespero de um dos técnicos ameaçados: "Vieram para nos matar. Deus não permita que isso ocorra".

É fácil perceber o objetivo maior da invasão: difundir o medo junto à população, como fazem as máfias, e gerar a "lei do silêncio" nas comunidades. Como escreveu Leonardo Sciascia, no seu livro "Il Giorno della Civetta" (O Dia da Coruja), o medo gera obediência, uma espécie de "solidariedade pelo medo".

Essas gangues equatorianas, autênticas pré-máfias, dependem economicamente das organizações criminosas transnacionais da Colômbia, Peru e do México. E continuarão a sobreviver enquanto as políticas para o fenômeno das drogas não forem repensadas — a ONU tem papel fundamental nas propostas de mudanças, por meio de convenções.

Os últimos ataques pelas gangues levaram o presidente equatoriano, Daniel Noboa, a decretar emergência e colocar o Exército, junto à polícia, na repressão aos narcotraficantes.

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A semelhança com o Brasil

Atenção: a violência no Equador chegou a lembrar àquela ocorrida em São Paulo, imposta pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) em 2006. Enquanto o então governo de Geraldo Alckmin sempre sustentava a inexistência do PCC, essa organização pré-mafiosa colocou o estado paulista e a capital paulistana de joelhos.

Alckmin deixou a bomba explodir no colo do seu substituto (o vice-governador Cláudio Lembo), quando, na verdade, havia enganado a população ao querer esconder o PCC por debaixo do tapete.

A propósito, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em 1997, o então secretário da Administração Penitenciária do governo de Mário Covas (PSDB), João Benedicto de Azevedo Marques, disse ser o PCC "uma ficção".

O Equador, como aconteceu num Brasil de PCC e Comando Vermelho, acordou tarde. As gangues equatorianas conseguem, como no Brasil, a ter controle de territórios e social.

Uma dessas gangues, chamada de Los Choneros, conseguiu a fuga do seu chefão Adolfo Machas, apelidado de Fito, que estava em cárcere equatoriano classificado como de segurança máxima.

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No fundo, o episódio mostra o controle dos presídios pelo crime organizado, como sucede em vários estados brasileiros. Temos sempre uma fuga a recordar a do narcotraficante mexicano El Chapo (Joaquin Archivaldo Guzmán), em 2015.

Ainda não se sabe qual a técnica criminosa que irão adotar os bandos equatorianos armados e unidos. Poderá ser igual à da Camorra napolitana, que forma uma confederação de bandos armados para enfrentar o Estado.

Poderão os bandos equatorianos enfrentar continuadamente as forças de ordem, como acontece no México. Ou poderão imitar o PCC, ou seja, atacar e recuar, para dar a impressão que o Estado conseguiu retomar o controle da segurança pública. Com isso, e aconteceu em São Paulo, tentam negociar benefícios.

Pano rápido: como dizia o Chacrinha nos seus arroubos de Lavoisier, "nada se cria, tudo se copia".

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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