Wálter Maierovitch

Wálter Maierovitch

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

'Abin paralela' agiu debaixo do nariz de comissão parlamentar fiscalizadora

Prostituta ou espião? Qual dessas duas profissões é a mais antiga, perguntou Walter Laqueur na última obra do seu valioso legado cultural.

Nem o suspeito deputado federal Alexandre Ramagem, delegado de Polícia Federal colocado no governo Jair Bolsonaro para comandar a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), ao que parece, saberia responder à pergunta de Laqueur.

Talvez, Ramagem lembraria da prostituta e espiã Margaretha Geertruida Zelle, a célebre Mata Hari, morta na categoria de agente duplo de espionagem.

"Abin paralela" e a comissão permanente

Numa linguagem grosseira e pertinente, em face da gravidade das suspeitas de atuações ilegítimas e ilegais de agentes da Abin, certos espiões (oficialmente denominados oficiais de inteligência) transformaram uma parte da agência numa casa de prostituição, com a suspeita de existir um cafetão antidemocrático a beneficiar-se das informações.

Volto à indagação de Laqueur. As origens das duas profissões se perdem no tempo, pois na antiguidade os chefes de tribos, nas lutas de conquistas, infiltravam os seus homens a buscar informações, como pesquisou o historiador dos EUA. Isso já ocorria antes mesmo do nascimento dos feudos, dos Estados nacionais e dos impérios.

Nas ditaduras, as informações internas são sempre necessárias para reprimir os adversários do regime. Mussolini e Getúlio Vargas —esse a seguir o exemplo do "duce" (líder) italiano, e com o nazifascista Filinto Strubing Müller no trabalho sujo— tiveram os seus espiões, nas montadas polícias políticas secretas.

Na ditadura militar brasileira, o SNI (Serviço Nacional de Informações) deu sustentação ao regime de exceção, torturou para obter informes e informações e matou opositores.

Com a redemocratização, o SNI foi extinto pelo governo de Fernando Collor, em 1990 — à época uma medida provisória atribuiu à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e à Polícia Federal a gerência das informações.

Continua após a publicidade

O governo Fernando Henrique Cardoso pensou em acabar com os serviços de inteligência, mas foi convencido a criar um novo sistema nacional de inteligência, esse submetido ao Gabinete de Segurança Institucional.

Atenção: o Parlamento, por força da Constituição de 88, pelas leis e nova política de inteligência de Estado, ficou com o dever de fiscalizar a Abin. Até agora, nunca constatou irregularidades.

O Congresso Nacional não suspeitou de nada, mas existiu um projeto de resolução, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly, para a ampliação da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, a CCAI.

Ao que parece, a "Abin paralela" atuava debaixo do nariz da comissão mista parlamentar incumbida legalmente da sua fiscalização e vigilância.

Órgão de Estado, e não de governo

Depois da pá de cal no SNI, ficou consignado, nas exposições de motivos às reformas, que a Abin representaria um órgão de Estado, e não de governo. E tem mais: trata-se de um órgão voltado a garantir o Estado democrático, a Constituição brasileira e os direitos humanos.

Continua após a publicidade

Fortes e preocupantes suspeitas estão a apontar desvios de finalidade pela Abin. Também violações a direitos individuais pétreos.

Mais ainda, e num quadro amplo, a Abin usada para a derrubada do sistema democrático e para a preparação de uma ditadura de Estado, com informações úteis para Bolsonaro controlar os opositores, dados como inimigos.

Suspeita-se, até, de arapongagem absurda relativa a dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Na verdade, um delírio, pois partiu de busca de ligações dos ministros com a organização criminosa conhecida por PCC.

Para isso e pelo mosaico investigatório, colocou-se Alexandre Ramagem à frente da Abin.

Não se deve esquecer, ainda, a tentativa de Bolsonaro, como acusou o seu ex-ministro Sérgio Moro, de controlar a Polícia Federal, com o próprio Ramagem à frente da corporação, outro e importante órgão de estado.

Ramagem, pela rejeição, restou colocado na Abin. E até uma araponga sabe que a inteligência policial criminal federal é completamente diferente da inteligência informativa, de atribuição da agência.

Continua após a publicidade

Ou seja, é estranho um delegado de polícia judiciária federal em atividade de garantia da integralidade do Estado nacional.

Apurações dão conta de uma chamada "Abin paralela", a atuar no interesse pessoal do então presidente Bolsonaro, do seu filho e senador Flávio e de pessoas poderosos interessadas em informações sobre as investigações nos assassinados do motorista Anderson Gomes e da vereadora Marielle Franco. Ela era combatente em primeira linha das milícias do Rio de Janeiro desde o tempo de assessoramento ao deputado Marcelo Freixo.

Pano rápido: as investigações são da máxima importância.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes