Wálter Maierovitch

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Opinião

Os papelões de Lula: ofende judeus e passa pano para Maduro e Putin

O jurista Raphael Lemkin, um judeu nascido na Polônia e dez vezes indicado para o Nobel da Paz, deve estar tentando deixar a sepultura. Isso para, entre os vivos, entender a agressão e a ambiguidade do presidente Lula, que nunca escondeu o desejo de ganhar o Nobel da Paz.

Lemkin juntou uma palavra grega a outra latina. Assim, criou o termo "genocídio". Em um momento em que Winston Churchill reclamava, em conversa com o georgiano Stálin, da falta de tipificação criminal adequada: "os nazistas cometeram crimes tais e para os quais não existem nem definições".

Lemkin colaborou com as Nações Unidas, com base no Holocausto de armênios promovido pelos turcos e com o seu testemunho sobre a shoá judaica. E a sua definição de genocídio, por unanimidade, foi acolhida e aprovada na Convenção de Genebra de 9 de dezembro de 1948, em vigor a partir de 12 de janeiro de 1951.

Na obra intitulada "Axis Rule in Occupied Europe", publicada nos EUA em 1944, Lemkin explicou o termo genocídio, com a ideia de ação, conduta, ou processo que mata ou extermina intencionalmente um grupo específico por pressupostos ideológicos.

A supracitada convenção ficou conhecida por "Convenção para a prevenção e a repressão ao crime de genocídio".

O crime de genocídio restou tipificado mediante a seguinte conduta intencional (dolo direto, sem admissão do dolo eventual, no qual se assume o risco, que ficou para os crimes contra a humanidade): "a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo identificado com base étnica, religiosa, racial ou nacional".

O discurso oficial de Lula

Como convidado especial para participar, em Adis Abeba (Etiópia), da sessão inaugural da cúpula da União Africana, Lula discursou sem se afastar um átimo de tempo da leitura do discurso preparado previamente.

Para surpresa geral, Lula não deixou a papelada escrita para partir para os seus costumeiros improvisos.

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O discurso de Lula, à luz do direito das gentes (direito internacional público), foi muito adequado e preciso.

Atenção: com a contundência exigida pelo momento.

Contra as posições dos EUA, da Arábia Saudita e dos países árabes que celebraram com Israel os chamados "Acordos de Abraão", o governo Netanyahu pretende invadir a cidade de Rafah e ocorrerão massacres da população civil.

Segundo Netanyahu, um sanguinário que se aproveita da guerra para se manter no poder, a não invasão de Rafah significará a vitória do Hamas. Não se deve esquecer que Netanyahu, por meio de volantes despejados por aviões e avisos por rádio e alto-falantes, pediu aos moradores do norte e centro de Gaza para se deslocarem para o sul, onde fica Rafah.

Em nenhum momento do seu discurso, o presidente Lula confundiu os conceitos estabelecidos pelas convenções e as regras internacionais vigentes.

Ao contrário. Lula chamou a atenção para o excesso de Israel na reação defensiva e após o ataque do Hamas. Não esqueceu dos reféns e da necessidade de libertação imediata.

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Em síntese, Lula não tocou em genocídio e não comparou Israel, Estado nacional, à pessoa e ao governo racista de Hitler.

O Lula do discurso deixou patente o excesso gerador de mortes de civis inocentes na faixa geográfica de Gaza. E isso, sem dúvida, representa, pelo direito internacional, crimes contra a humanidade.

As convenções das Nações Unidas proíbem ataques que coloquem em risco a população civil, homens, mulheres, crianças e idosos.

Por levantamentos não contestados pelo governo de Israel, quase 30 mil palestinos morreram em face dos bombardeamentos e outras ações bélicas executadas depois do ataque terrorista promovido pelo Hamas. Muitos corpos permanecem sob os escombros.

Lula não esqueceu de reafirmar, com pleno acerto, que não se pode impedir o auxílio humanitário e nem causar desumanas migrações: no caso, com o deslocamento de 1,5 milhão de palestinos que não estão em guerra com Israel.

O Lula do improviso contraditório

No domingo (18), dia seguinte ao da abertura do anual vértice da União Africana, o presidente Lula esqueceu o direito internacional, deu de ombros à definição unânime de crime de genocídio e passou para uma comparação infeliz, misto de ignorância com puxa-saquismo.

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Sabujismo, a ponto de o Hamas aplaudir e sugerir à Corte Internacional de Justiça que ouça Lula como testemunha no processo que lá tramita por provocação da presidência da África do Sul.

Atenção: Lula comparou, na entrevista coletiva, Israel a Hitler.

Lula preferiu abranger todos os israelenses. Não separou os israelenses do governo Netanyahu, que, por força de coalizão política foi guindado a primeiro-ministro e descuidou da segurança do Estado. Lula colocou todos os israelenses num mesmo saco, como se fosse possível comparar a guerra do Hamas contra Israel com a Segunda Guerra Mundial.

Com isso, Lula atingiu em cheio todo o povo hebreu e usou o genocídio que vitimou 6 milhões de judeus. Uma canalhice inominada por parte de Lula.

Hitler era supremacista e eliminou judeus, negros e ciganos, considerados raças inferiores. Israel, e até o governo do sanguinário Netanyahu, não reage por racismo, mas em face do terrorismo iniciado pelo Hamas.

A guerra Hamas x Israel, frise-se mais uma vez, decorre de uma reação a ato terrorista, com 1.200 mortes e 240 reféns, com excesso de legítima defesa por parte de Israel: o excesso, pelo direito internacional, descaracteriza a defesa como legítima e se consuma crime contra a humanidade.

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Lula consumou uma das piores das canalhices, ou seja, a de usar fato passado, consagrado como genocídio, para atribuí-lo, sem apoio legal e real, ao povo que o sofreu. E que foi vítima de terrorismo voltado a varrer o Estado de Israel do mapa.

Lula e o duplo passar de pano

No seu terceiro mandato presidencial, Lula busca recuperar a imagem de líder internacional. Então, e ao contrário dos tempos passados, quando era "o cara" e angariou respeito, Lula quer agradar a todos. Passou, assim, a ter um discurso para cada ocasião e sem se preocupar com as ambiguidades, como se pode notar, por exemplo, com o acontecido no último final de semana.

Por partes.

Ora, não se coloca um opositor político, como mandou fazer o autocrata Putin, em presídio no Ártico russo, com as temperaturas mais baixas do planeta. E nem a uma distância de mais de 2.000 km de Moscou, residência da esposa e dois filhos, para dificultar as visitas.

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Também não se priva a família do corpo e da realização de uma autópsia por técnicos da confiança da esposa do opositor morto.

Navalni nunca foi homem de esquerda e nem liberal, e sempre se apresentou e foi tido internamente como nacionalista-patriota.

Como escreveu o respeitado jornalista e editorialista Aldo Cazzullo, do jornal italiano Corriere della Sera, sua morte colocou em ação a máquina propagandista de Putin, que é uma verdadeira "maquina enlameadora": "no momento, tentarão 'infangarlo' [enlameá-lo], a desinformação russa é muito articulada. Dirão que ele era um chauvinista, nada santo. Um extremista, um louco, que tinha os seus esqueletos no armário (...). Anatolevich Navalni era um herói. Como herói viveu e como herói foi morto".

Em caso de morte não natural de preso opositor de regime, pelo direito internacional, a responsabilidade é do governo do Estado que mantém a sua custódia.

A informação foi divulgada pelas mídias brasileiras e internacionais. Ao afirmar nada saber, Lula tentou evitar uma crítica a Maduro e imagina, ingenuamente, que essa sua mentira vai pegar.

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Para quem tem a pretensão de voltar a ser líder internacional, Lula erra em cheio ao poupar Maduro de justa crítica. Aliás, Lula continua a tropeçar ao não reconhecer o abuso de Putin, que viola a Constituição das Nações Unidas, na invasão da Ucrânia.

Pano rápido

Lula dá argumentos para o golpista Bolsonaro anabolizar o discurso para domingo próximo, na avenida Paulista. A sorte dos democratas é que existe tipificação, no Código Penal, para "incitação ao crime", que gera prisão em flagrante ou prisão preventiva para a garantia da ordem pública e da tranquilidade social.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do que informava a primeira versão da coluna, foram 1.200 mortes após a ação terrorista do Hamas em Israel, e não 120. O texto foi corrigido.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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