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CPI: agenda de Bolsonaro aponta reunião privada com médica Nise Yamaguchi

1º.jun.2021 - A médica Nise Yamaguchi presta depoimento à CPI da Covid no Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
1º.jun.2021 - A médica Nise Yamaguchi presta depoimento à CPI da Covid no Senado Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Do UOL e colaboração para o UOL, em São Paulo

01/06/2021 11h32Atualizada em 20/07/2022 21h14

A médica Nise Yamaguchi omitiu, durante seu depoimento hoje (1º) à CPI da Covid no Senado, o registro de uma reunião privada com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no ano passado. Nise afirmou que nunca teve "encontros privados" com Bolsonaro. Além da reunião com o presidente, ela se reuniu em pelo menos duas outras ocasiões com Bolsonaro e outros membros do governo no Palácio do Planalto em 2020. Todos os registros constam da agenda do próprio presidente.

Nise Yamaguchi é notória defensora do uso da cloroquina no tratamento da covid-19 —o medicamento nunca teve eficácia comprovada contra o coronavírus— e chegou a ser cotada para assumir o Ministério da Saúde no ano passado. Ela voltou a defender a existência de um suposto "tratamento imediato" para a doença. O UOL Confere checou declarações da médica à CPI. Veja abaixo:

Agenda mostra encontro privado de Nise com Bolsonaro

Nunca tive encontros privados com o presidente Bolsonaro
Nise Yamaguchi em depoimento à CPI da Covid

A médica Nise Yamaguchi teve, sim, pelo menos um encontro privado com Jair Bolsonaro, segundo a agenda do próprio presidente. A reunião entre os dois consta da agenda de 15 de maio de 2020 —um encontro entre 10h45 e 10h55. Quando questionada sobre a reunião, Nise disse não se lembrar do encontro e afirmou que nunca esteve sozinha com o presidente.

Hhá registros na agenda de Bolsonaro de pelo menos outras duas reuniões com Nise, mas também com a presença de outros integrantes do governo federal.

O primeiro deles foi no dia 6 de abril de 2020, no Palácio do Planalto, com previsão de duração de uma hora no horário do almoço, das 12h15 às 13h15. No mesmo encontro, eram esperados outros sete convidados: o ministro da casa Civil, Braga Netto; o então chanceler, Ernesto Araújo; o ministro da Secretaria-Geral da presidência, Jorge Antonio de Oliveira; o ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, Luiz Eduardo Ramos; o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno; o deputado Osmar Terra (MDB-RS) e o médico Luciano Dias Azevedo.

O segundo foi logo no dia seguinte, na tarde do dia 7 de abril, também no Palácio do Planalto. Na ocasião, estiveram presentes, além de Nise, Luiz Eduardo Ramos e o deputado Vitor Hugo (PSL-GO), então líder do governo na Câmara.

No dia 8 de abril de 2020, a médica se reuniu com Ernesto Araújo e Filipe Martins, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, segundo a agenda de Martins.

Em 21 de maio do ano passado, Nise participou de nova reunião com Bolsonaro, segundo a agenda do presidente, junto com o ministro Ramos; o então prefeito do Rio, Marcelo Crivella; e o então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco.

Em uma entrevista à revista "Veja" publicada em julho do ano passado, Nise disse que mandou mensagens para Bolsonaro quando o presidente teve covid-19, recomendando medicamentos sem eficácia comprovada, e afirmou que conversava "direto" com ele.

Não há tratamento contra a covid-19

Tenho sido conhecida pela minha defesa em prol do 'tratamento imediato'. Isso é baseado em ciência
Nise Yamaguchi em depoimento à CPI da Covid

Não há tratamento ou substância de eficácia comprovada contra a covid-19. Algumas medicações são utilizadas para controlar sintomas, como febre e dores de cabeça. O rendesivir teve uso aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para pacientes hospitalizados com coronavírus. A Anvisa também aprovou o uso emergencial de dois anticorpos para pacientes com alto risco de progressão da doença para forma grave.

Em março, o UOL detalhou os medicamentos que continuavam sendo testados e outros que comprovadamente não funcionam contra o vírus.

Não há como relacionar mortes com atraso de 'tratamento precoce'

Eu considero que o atraso que existe no início do tratamento [precoce] é o que tem determinado tantos mortos e tantas questões nesse momento
Nise Yamaguchi em depoimento à CPI da Covid

Não é possível afirmar que haveria menos mortes por covid-19 se fosse usado um suposto tratamento cuja eficácia para a doença não é cientificamente comprovada. Não há tratamento ou substância de eficácia comprovada contra a covid-19.

A cloroquina e a hidroxicloroquina, substâncias defendidas por Nise Yamaguchi como parte do suposto "tratamento precoce", têm evidências conclusivas de ineficácia para a covid-19 desde outubro, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).

74 países têm letalidade inferior ao Amapá

Agora, a questão da eficiência desses medicamentos... Por exemplo, no Amapá, nós temos um dos menores índices do mundo de mortalidade. Exatamente eles utilizam essas medidas conjuntas.
Nise Yamaguchi em depoimento à CPI da Covid

O Amapá de fato aderiu ao uso de medicamentos como a hidroxicloroquina e a ivermectina para pacientes de covid-19, mas não apresenta um dos menores índices de mortalidade pela doença no mundo. Informações equivocadas sobre o índice de estado circulam desde janeiro, conforme checagem feita pela Agência Lupa.

A taxa de letalidade mede a proporção de mortes dentro do total de casos de uma doença. Até a tarde desta terça-feira (1º), a taxa de letalidade do Amapá (1,5%) era a menor do Brasil, seguida por Roraima, Santa Catarina e Tocantins (1,6%), de acordo com dados do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde). No entanto, um painel mantido pela universidade americana Johns Hopkins aponta que há 74 países com índices menores, como Singapura (0,1%), Cuba (0,7%), Israel (0,8%), Turquia (0,9%) e Suécia (1,4%), e outros seis países de taxa equivalente (Azerbaijão, Botsuana, Etiópia, Namíbia, Uruguai e Taiwan).

Outro tipo de medida é a taxa de mortalidade, que mede a proporção de óbitos por 100 mil habitantes e mostra uma situação bem mais crítica no Amapá. A taxa de mortalidade do Amapá é de 200,5 por 100 mil habitantes, segundo o Conass e o Ministério da Saúde, o que colocaria o estado no 15ª lugar no ranking da Johns Hopkins.

Vasculite não impede vacinação contra covid-19

Eu já tive Covid, e eu não posso me vacinar, porque eu tenho uma doença autoimune. (...) Existem pessoas que não podem se vacinar, principalmente aquelas que têm vasculites - como é o meu caso, eu tenho uma síndrome de Raynaud -, outras pessoas que têm doenças maiores, hepáticas ou renais que sejam situações graves.
Nise Yamaguchi em depoimento à CPI da Covid

A SBR (Sociedade Brasileira de Reumatologia) já afirmou que ter vasculite, por si só, não é um impeditivo para a vacinação e que cada caso deve ser avaliado de forma individual. A declaração foi reiterada em comunicado publicado hoje (1º).

Há pacientes de doenças autoimunes que foram liberados para se vacinar contra a covid-19, conforme explicado pelo UOL em matéria sobre quem pode ou não tomar a vacina.

Agência europeia considera vacinas seguras e casos de trombose raros

Tivemos agora vários casos de trombose e vasculites com o uso de vacinas. Tanto é que houve uma suspensão de vacinas lá na Europa e vários países não estão fazendo
Nise Yamaguchi em depoimento à CPI da Covid

No início de março, 21 países europeus suspenderam o uso da AstraZeneca após alertas de que poderia provocar acidentes vasculares em casos raros. A EMA (agência regulatória europeia) formou uma comissão especial para avaliar as ocorrências e concluiu que a vacina era segura. Até o fim de maio, todos os países retomaram a vacinação com o imunizante, exceto a Dinamarca, que passou a disponibilizá-lo apenas na rede privada.

Especialistas afirmaram ao UOL que os benefícios do uso da vacina superam os riscos: foram 222 diagnósticos de trombose em 35 milhões de vacinados com a AstraZeneca e apenas seis casos entre mais de sete milhões imunizados com a Janssen. Além disso, um estudo da Universidade de Oxford aponta que o risco de ocorrer trombose pelo contágio da covid-19 é maior do que por meio de vacinas.

Estudo citado por Nise não prova eficácia da cloroquina

Então, a gente tem realmente uma eficácia comprovada [da cloroquina], através da Henry Ford Foundation
Nise Yamaguchi em depoimento à CPI da Covid

O estudo citado por Nice não prova a eficácia da cloroquina para a covid-19 e foi contestado pela comunidade científica. Especialistas apontaram na ocasião que a metodologia usada era inadequada, e ressaltaram que os resultados obtidos precisariam ser confirmados através de outros testes que permitam avaliar "rigorosamente" a eficácia do tratamento.

Em julho do ano passado, o projeto Comprova ouviu especialistas que explicaram que, entre os problemas do estudo, está o fato de ter um caráter meramente observacional, o que significa que as constatações obtidas precisariam ser validadas por outras pesquisas. Desde então, outros estudos apontaram para a ineficácia da cloroquina no tratamento da covid-19.

FDA, dos EUA, não recomenda cloroquina

"O FDA americano tem uma área relacionada a evidências de mundo real, que está recebendo informações de todo o mundo com dados de tratamentos, inclusive tratamentos precoces"
Nise Yamaguchi em depoimento à CPI da Covid

O setor citado pela médica realmente existe na FDA, agência regulatória sanitária dos EUA —um órgão análogo à Anvisa. Trata-se da área de evidências do mundo real e dados do mundo real (representadas pelas respectivas siglas RWE e RWD) que tratam do uso, benefícios e riscos potenciais de medicamentos sem utilizar os ensaios clínicos tradicionais.

Embora reações ao uso da hidroxicloroquina sejam avaliadas pela área, desde junho de 2020 a FDA não recomenda o uso emergencial de hidroxicloroquina e cloroquina no tratamento contra a covid-19.

OMS não teve dúvida sobre lockdown

A própria Organização Mundial da Saúde não sabia se deveria fazer lockdowns absolutos, lockdowns horizontais
Nise Yamaguchi em depoimento à CPI da Covid

A OMS reconhece que medidas de distanciamento social, como o lockdown, são efetivas para reduzir a transmissão da covid desde o início da pandemia, conforme declarações do diretor-geral Tedros Adhanom em março de 2020. No entanto, o órgão entende que essa não deve ser a única medida adotada no combate ao coronavírus, e sim uma opção combinada a outras como o uso de máscaras e testagem em massa.

Falas de representantes da OMS já foram tiradas de contexto, mais de uma vez, para endossar posicionamentos contrários ao distanciamento social. Em uma delas, a entidade alertava para a possibilidade de o vírus se tornar endêmico, informação distorcida por Bolsonaro para atacar o isolamento social.

Colaboraram Hanrrikson de Andrade, do UOL em Brasília, e Rayanne Albuquerque, do UOL em São Paulo

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