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Em CPI, Queiroga omite comparações para destacar vacinação no Brasil

8.jun.2021 - O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, presta seu segundo depoimento à CPI da Covid no Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
8.jun.2021 - O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, presta seu segundo depoimento à CPI da Covid no Senado Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Do UOL e colaboração para o UOL, em São Paulo

08/06/2021 12h56Atualizada em 20/07/2022 21h47

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, omitiu hoje (8) na CPI da Covid no Senado dados de rankings que comparam o desempenho de diferentes países na vacinação contra a covid-19 para enaltecer a atuação do governo brasileiro na imunização da população.

Queiroga recorreu a números absolutos para comparar a vacinação entre países, o que tende a favorecer países populosos, como Brasil — que é o sexto país com maior número de habitantes no mundo, segundo dados do Banco Mundial. A consulta a dados proporcionais, que permite uma melhor comparação entre países com número de habitantes muito diferentes, mostra que o desempenho do Brasil não é tão bom quanto o ministro diz. Veja as declarações checadas pelo UOL Confere:

Não há dados que permitam comparar distribuição de doses

Nesse sentido, já ultrapassamos a marca de (...) 105 milhões de doses de vacinas entregues a estados e municípios, o que coloca o Brasil em uma posição de estar entre os cinco países que mais doses de vacinas distribuiu à sua população
Ministro Marcelo Queiroga em depoimento à CPI da Covid

Segundo o Ministério da Saúde, 105.385.276 doses da vacina foram distribuídas às secretarias estaduais de saúde, como disse Queiroga. No entanto, não há dados que permitam fazer o comparativo de doses distribuídas como dito pelo ministro.

O painel de vacinação do Our World In Data, um projeto ligado à Universidade de Oxford, na Inglaterra, reúne dados oficiais de todo o mundo e tem sido referência em comparações internacionais. No Our World in Data, o Brasil aparece em 4º lugar no ranking de total de vacinas aplicadas, sem diferenciar primeira e segunda doses. Com mais de 71 milhões de aplicações, o país está atrás de China (794,1 milhões), EUA (302,8 milhões) e Índia (230,4 milhões), e à frente do Reino Unido (68,3 milhões).

No entanto, na comparação que mostra a proporção da população que foi vacinada com pelo menos uma dose, o Brasil aparece apenas em 82º lugar, com 23%. Este ranking, que inclui países e territórios, não contempla dados da China.

Queiroga já havia feito a comparação sobre doses distribuídas em seu depoimento anterior à CPI. O número de distribuição de doses é o mais favorável ao governo federal, pois é superior à quantidade de doses já entregues a estados e municípios (96,7 milhões) e ainda maior que o número de doses aplicadas (71,6 milhões).

Países aplicaram 1ª dose em fatias maiores da população

O Brasil, no ranking mundial da Our World in Data, é o terceiro país que mais aplicou a primeira dose de vacina: Estados Unidos, Índia e Brasil.
Ministro Marcelo Queiroga em depoimento à CPI da Covid

O ranking citado pelo ministro de fato mostra o Brasil como o terceiro país que mais aplicou a primeira dose de vacinas contra a covid-19, mas isso é verdade apenas em números absolutos. Dezenas de países vacinaram fatias bem maiores de suas respectivas populações com a primeira dose.

Como há grande variação entre o número de habitantes de cada país, este tipo de comparação costuma ser feita por meio de dados proporcionais — no caso, por meio da proporção de pessoas vacinadas com a primeira dose.

Por este parâmetro, o Brasil é o 82º no ranking de aplicação da primeira dose, com 23% da população parcialmente imunizada contra a covid-19. A listagem do Our World In Data inclui países e territórios. Os rankings de aplicação da primeira dose organizados pelo site não incluem a China, o país mais populoso do mundo.

Dados sobre população vacinável estão corretos

Trinta por cento da população vacinável, ou seja, aqueles acima de 18 anos (...), já receberam a primeira dose da vacina. (...) Isso, 48,8 milhões de habitantes. 22,9 milhões tomaram a segunda dose; portanto, 14,3% da população vacinável já recebeu a vacina.
Ministro Marcelo Queiroga em depoimento à CPI da Covid

Os números citados pelo ministro estão corretos, mas a compreensão exata dos dados exige algumas explicações.

Segundo o portal do Ministério da Saúde que divulga o número de doses aplicadas no Brasil, a população vacinável — ou seja, maior de 18 anos — é de 160.004.909 pessoas.

O número de 48,8 milhões de vacinados com a primeira dose citado por Queiroga é o correspondente ao total de doses aplicadas considerando as informações da base nacional do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e de secretarias estaduais. Isso de fato representa 30,5% da população vacinável. Se for levada em conta apenas a base do PNI, o número é um pouco menor: 47,1 milhões de pessoas (29,4%).

A mesma discrepância acontece com os dados de segunda dose. Queiroga citou o dado mais amplo, que inclui a base do PNI e das secretarias, chegando a 22,8 milhões de doses aplicadas (14,3% da população vacinável). A base do PNI indica 21,1 milhões de vacinados com a segunda dose (13,1% da população vacinável).

O consórcio de veículos de imprensa do qual o UOL faz parte, que reúne os números de vacinação diretamente com as secretarias estaduais, mostra números semelhantes: 49,5 milhões de pessoas receberam a primeira dose da vacina (30,8% da população adulta) e 23 milhões, a segunda (14,3%).

71% dos indígenas tomaram a segunda dose

82% dos indígenas tomaram a primeira dose e 71% dos indígenas tomaram a segunda dose - e aqui eu me refiro aos indígenas aldeados
Ministro Marcelo Queiroga em depoimento à CPI da Covid

As informações estão corretas e constam no painel de vacinação indígena mantido pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena). Os dados são fornecidos pelos DSEI (Distritos Sanitários Especiais Indígenas), que atuam nas terras indígenas.

Variante P.1 avançou na 2ª onda

Quando eu assumi o ministério, nós vivíamos uma curva ascendente da chamada segunda onda. Essa segunda onda em muito se deveu à chamada variante Gama, que é a P1, que foi inicialmente diagnosticada em Manaus. Essa variante, como os senhores sabem, ela parecia e parece mais contagiosa, ela rapidamente se tornou dominante no Brasil e provavelmente mais letal, até porque pressiona mais o sistema de saúde.
Ministro Marcelo Queiroga em depoimento à CPI da Covid

As falas do ministro sobre a variante P.1 (Gama) estão corretas, mas Queiroga não citou que a adoção precoce de medidas de isolamento social poderia ter ajudado a conter a segunda onda da covid-19 no Brasil.

Queiroga assumiu o Ministério da Saúde em 23 de março, no meio da segunda onda. Segundo a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), a variante P.1 predomina no Brasil desde fevereiro deste ano e, no fim de maio, era responsável por nove em cada 10 casos de covid-19 no país.

A variante Gama não só é mais agressiva, como mais contagiosa. Em fevereiro, uma pesquisa preliminar feita por cientistas brasileiros indicava que pacientes infectados com a P.1 tinham uma carga viral dez vezes maior do que a média de variantes anteriores. Um estudo europeu também aponta para maiores chances de hospitalização de pacientes com a variante.

Vale lembrar, no entanto, que de dezembro até fevereiro —período em que os casos de covid-19 começaram a voltar a crescer— a variante predominante no Brasil era a P.2, descoberta em agosto no Rio de Janeiro. Além disso, novas variantes surgem conforme o vírus circula em meio à população, e a ausência de medidas de distanciamento e a demora na vacinação também influenciam no aumento do contágio.

Segundo um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o atraso na adoção de medidas de isolamento no começo de 2021 foi decisivo para o grande número de mortes na segunda onda de covid-19 no Brasil na comparação com a primeira, em 2020, quando os estados agiram de forma preventiva.

Governo recuou, mas anunciou vacina obrigatória na Copa América

A vacina não é obrigatória, senador, porquanto os jogadores não estão todos vacinados. E essas competições acontecem sem a exigência de vacinas. Se a vacina fosse uma exigência, não poderia haver o campeonato. E os outros campeonatos
Ministro Marcelo Queiroga em depoimento à CPI da Covid

Embora Queiroga já tenha declarado ontem (7) que a vacinação não será obrigatória para a realização da Copa América, em nota publicada no dia 31 de maio o governo federal afirmou que a vacinação de todas as delegações foi uma das condições para aceitar sediar a competição.

"Algumas condições foram impostas, caso o evento ocorra no Brasil, como, por exemplo, ausência de público nos estádios e garantia de vacinação de todos os integrantes das delegações", diz o texto publicado no portal do governo.

No dia seguinte, quando foi oficialmente anunciado que o Brasil sediaria o torneio, a nota enviada à imprensa pela Casa Civil afirmava que os jogos "ocorrerão sem público, com todos os integrantes das delegações vacinados contra a covid-19".

A vacinação também está entre as promessas feitas a jogadores pela Conmebol para viabilizar a Copa América em meio à pandemia, segundo o colunista do UOL Esporte Marcel Rizzo.

Não há dados sobre 'transmissão em campo' no Brasileirão

Transmissão em campo [no Campeonato Brasileiro], um caso, Senador Randolfe Rodrigues.
Ministro Marcelo Queiroga em depoimento à CPI da Covid

Para rebater a declaração do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) de que houve 320 casos de covid-19 no Brasileirão 2020, o ministro da Saúde falou que houve apenas um caso de "transmissão em campo". No entanto, como informou o UOL Esporte, não há dados públicos que permitam sustentar esta afirmação. O dado citado por Randolfe é de um levantamento feito pela TV Globo junto a atletas e treinadores, sem considerar os demais funcionários de clubes da Série A do Brasileirão.

Dado sobre coquetel de anticorpos está correto

Segundo esses dados [fornecidos à Anvisa], esse medicamento [coquetel de anticorpos monoclonais], quando aplicado precocemente em indivíduos que têm comorbidades, pode reduzir o desfecho composto óbito e internação hospitalar em até 70%.
Ministro Marcelo Queiroga em depoimento à CPI da Covid

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já aprovou o uso emergencial de duas combinações de anticorpos monoclonais no tratamento de pacientes de covid-19 no Brasil. O ministro não especificou a que combinação se referia, mas o dado de redução do risco de internação e morte da ordem de 70% é da combinação dos anticorpos casirivimabe e imdevimabe, aprovada em abril pela Anvisa e que consta de documento da própria agência. Segundo um documento da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), o dado de redução de risco foi informado pela própria fabricante dos anticorpos.

Governo orientou que 2ª dose não fosse estocada

Atingimos a meta de um milhão [de vacinados] por dia e isso caiu. Por que caiu? (...) Primeiro porque se usaram todas as doses, sobretudo de CoronaVac, como D1 [dose 1] e depois houve problemas com o IFA oriundo da China e faltou D2 [dose 2]. Estamos segurando a D2 para não faltar a D2 depois.
Ministro Marcelo Queiroga em depoimento à CPI da Covid

A decisão de liberar o uso de todas as vacinas, sem reservar o suficiente para as aplicações de segundas doses, partiu do próprio Ministério da Saúde durante a gestão de Eduardo Pazuello. Em março, a pasta autorizou estados e municípios a não estocarem a segunda dose para acelerar o processo de vacinação. Pazuello contava com a entrega de insumos vindos do exterior. No entanto, houve atraso nas entregas e cidades suspenderam a vacinação por falta de doses.

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Um trecho deste texto dizia que o Brasil era o 80º no ranking do site Our World in Data em termos de proporção da população vacinada com ao menos uma dose de vacinas contra a covid-19. A informação correta é de que o Brasil é o 82º neste ranking. O texto já foi corrigido.