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Post usa fala de Dirceu sem contexto para alegar suposta fraude eleitoral

26.mai.2022 - Post usa fala de José Dirceu sem contexto para alegar suposta fraude nas eleições de 2022 - Arte/UOL sobre Reprodução/Twitter
26.mai.2022 - Post usa fala de José Dirceu sem contexto para alegar suposta fraude nas eleições de 2022 Imagem: Arte/UOL sobre Reprodução/Twitter

Letícia Mutchnik

Do UOL, em São Paulo

26/05/2022 18h07

Uma fala de José Dirceu (PT), ex-ministro da Casa Civil, circula nas redes sociais sem contexto a fim de levantar suspeitas de supostas irregularidades nas eleições de 2022 — nunca houve fraude comprovada nas votações desde a adoção da urna eletrônica. O post que viralizou traz um vídeo do petista que é cortado antes de ele explicar por que acredita que o presidente Jair Bolsonaro (PL) não será reeleito.

As falas fazem parte de uma entrevista de Dirceu ao canal do PT no YouTube em 13 de agosto de 2021. Logo após o ex-ministro falar que Bolsonaro não vencerá a eleição "depois da manifestação de todo o TSE [Tribunal Superior Eleitoral]", o vídeo é cortado, suprimindo a menção a grupos que, segundo Dirceu, rejeitam o presidente. O vídeo editado também não diz que manifestação do TSE seria essa, mas dias antes o tribunal havia pedido ao STF (Supremo Tribunal Federal) que Bolsonaro fosse investigado por disseminar desinformação sobre urnas eletrônicas.

"Dirceu está se referindo a que?", diz um post da gravação cortada no Twitter publicado ontem e que, até a tarde de hoje, tinha cerca de 70 mil visualizações e quase 2 mil compartilhamentos.

Os retuítes da postagem são mais diretos em levantar a hipótese de fraude a partir do vídeo editado. "Script já está escrito!? TSE\STF já escolheram o candidato "vencedor"!? Isso vai acontecer mesmo à luz do dia e sem nenhuma resistência dos 'interessados' em eleições limpas!? É tudo parte de um grande teatro!?? Você está prestando atenção!?", diz um deles. "É por isso que a população não confia no que os ministros do STF e do TSE falam. Há alguma tramóia preparada", afirma outro.

As publicações foram feitas por apoiadores de Bolsonaro, que aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O trecho da fala de Dirceu compartilhado no Twitter é o seguinte: "Se por um lado tudo indica que não há uma maioria no parlamento para fazer o impedimento do presidente, também por outro lado ele está absolutamente isolado na sociedade brasileira. É verdade que ele tem um eleitorado conservador, um eleitorado que vai apoiá-lo, ele abraçou ideias desse eleitorado, inclusive, com relação à questão da moral, da família, da religião. Ele procura explorar a questão da pátria, de Deus, da família, mas ele não vencerá a eleição nesse país no segundo turno porque, se você observar, depois da manifestação de todo o TSE e de todos ex-presidentes do TSE".

No entanto, o corte deixa de fora o trecho da resposta do petista em que ele enumera grupos que, segundo ele, são contra o presidente, dando a impressão de que o ex-ministro está atribuindo ao TSE uma eventual derrota de Bolsonaro nas eleições. O vídeo também não mostra a pergunta que foi feita a Dirceu, em que o apresentador questiona se as revelações da CPI da Covid poderiam levar ao impeachment de Bolsonaro, nem explica quais poderiam ser as manifestações do TSE e de seus ex-presidentes.

"Ele [Bolsonaro] procura explorar a questão da pátria, de Deus, da família, mas ele não vencerá a eleição nesse país no segundo turno porque, se você observar, depois da manifestação de todo o TSE e de todos os ex-presidentes do TSE; do empresariado, praticamente da burguesia brasileira; o repúdio que Bolsonaro tem entre artistas, intelectuais, cientistas, acadêmicos; a rejeição entre as mulheres, os jovens, os negros e negras; e a ampla reprovação do seu governo pelo país... A CPI teve um papel, quero repetir então, pedagógico, educativo, de demonstrar, desvendar, expor as vísceras apodrecidas do bolsonarismo", disse Dirceu.

O ex-ministro conclui sua resposta com uma nova alusão a um impeachment, dizendo: "Na sociedade, esse impedimento já é uma realidade e se mostrará nas urnas, tenho convicção. Evidente que nós temos um ano e dois meses até as eleições e há aí uma luta política social até lá. Mas eu estou [convicto], a partir das próprias pesquisas, da realidade e da experiência histórica no Brasil, [de que] Bolsonaro não vencerá essas eleições e viraremos a página do bolsonarismo."

Apesar de o ex-ministro não ter dado detalhes do que se referia ao falar da "manifestação de todo o TSE e de todos ex-presidentes do TSE", em 2 de agosto, 11 dias antes da entrevista de Dirceu, todos os ex-presidentes da corte divulgaram nota defendendo a segurança do processo eletrônico de votação brasileiro.

No mesmo dia 2 de agosto, o TSE decidiu, por unanimidade, abrir um inquérito administrativo para apurar as declarações de Bolsonaro levantando suspeitas sobre as urnas eletrônicas e encaminhar ao STF um pedido para que o presidente fosse investigado por espalhar informações falsas sobre o processo de votação — o que foi aceito dois dias depois.

Tudo isso ocorreu depois da live de Bolsonaro em 29 de julho, quando o presidente reciclou uma série de boatos já desmentidos para atacar as urnas eletrônicas e levantar suspeitas sobre os resultados de eleições. O presidente nunca apresentou provas de suas acusações.

Acusações de fraude ganham força nas redes

Impulsionadas por apoiadores de Bolsonaro, acusações de fraude dispararam nas redes sociais após a divulgação, no começo de maio, das respostas do TSE a sugestões feitas pelas Forças Armadas para as eleições deste ano, mostrou levantamento feito pela empresa de monitoramento digital Torabit a pedido do UOL.

Segundo a Torabit, muitas destas publicações citam uma suposta irregularidade nas eleições como a única responsável por uma eventual derrota de Bolsonaro na disputa por mais um mandato. A visão de que o presidente só não seria reeleito em caso de fraude por vezes aparece junto a tentativas de desacreditar as pesquisas de intenção de voto — que há meses mostram Bolsonaro em segundo lugar, atrás de Lula.

As alegações deste tipo ganharam força em meio a uma nova ofensiva de Bolsonaro para levantar suspeitas sobre o voto eletrônico, sistema que passou a ser usado em todo o Brasil em 2000 e pelo qual o político foi eleito, desde então, para quatro de seus seis mandatos de deputado federal e para presidente.

Em abril, Bolsonaro desafiou o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), a prendê-lo por desconfiar do sistema de votação. No fim do mês, repetiu a tese da "sala secreta". Na semana passada, o presidente afirmou que seu partido contratará uma "auditoria antes das eleições". O TSE já faz uma auditoria do funcionamento das urnas, e partidos políticos podem participar de todo o processo.

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