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"No presídio não tem só santinho", diz ex-secretário de Segurança de SP em júri do Carandiru

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

30/07/2013 06h00Atualizada em 30/07/2013 16h00

O secretário de Segurança Pública de São Paulo à época do massacre do Carandiru, Pedro Franco de Campos, foi a segunda testemunha do dia  ouvida nesta terça-feira (30) durante o segundo júri de policiais acusados pela morte de presos na antiga Casa de Detenção. O depoimento de Campos durou meia hora e aconteceu após uma testemunha protegida ser ouvida sem a presença da imprensa dentro do Fórum, e dos réus, dentro do plenário. Ambos foram arrolados pela defesa. Na sequência, o ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho foi ouvido.

Indagado pelo promotor Fernando Pereira da Silva sobre notícia de arma de fogo apreendida em presídio –no Carandiru, segundo a defesa, foram 13 apreensões --, Campos afirmou: “A maior lição que a gente tira é da vida, e o jornal mostra isso para a gente de vez em quando. Lá [nos presídios] não tem só santinho, a gente sabe disso”.

Por outro lado Campos, também procurador de Justiça, alegou nunca ter tido “notícia de apreensão de arma de fogo” em presídios do Estado enquanto chefiou a secretaria, de março de 1991 a outubro de 1992.

O ex-secretário afirmou logo no início do depoimento que reiteraria outros depoimentos –como o prestado em abril, no júri em que 23 PMs foram condenados a 156 anos pela morte de 13 presos do segundo pavimento.

Na avaliação do ex-secretário, “o tamanho da rebelião e o gigantismo do presídio” justificaram a necessidade de intervenção da PM, já que, segundo ele, havia o temor de que a rebelião no pavilhão 9 se espalhasse aos demais. “Não teve alternativas que não o ingresso da polícia”, afirmou. Conforme a testemunha, ao consultar o então comandante da PM, coronel Ubiratan Guimarães, por telefone, ele teria dito que a situação no presídio, naquele momento, “era caótica”.

“Depois constatei que era mesmo necessária a intervenção”, declarou.

Júri mais velho e masculino

O segundo dia do júri popular de 26 policiais militares acusados de matar 73 presos do antigo complexo penitenciário do Carandiru foi retomado às 10h30 no Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste de São Paulo.

De seis pessoas arroladas pela advogada Ieda Ribeiro de Souza, duas serão reaproveitadas, em vídeo, do júri de abril deste ano --quando 23 PMs foram condenados a 156 anos de prisão pela morte de 13 detentos.

Diferentemente do julgamento da primeira leva de PMs, composto por um corpo de jurados misto e bastante jovem, desta vez o destino dos 26 PMs será analisado por sete jurados homens, aparentando idade mínima de 30 anos.

Ao todo, o segundo júri tinha 30 réus, mas três morreram e um teve o processo suspenso a pedido da defesa, que alegou insanidade mental.

Perito é único a ser reconvocado

Entre as testemunhas ouvidas no primeiro dia, apenas o perito criminal aposentado Osvaldo Negrini Neto foi ouvido novamente em plenário, de forma presencial. Ao todo, a acusação havia arrolado 11 testemunhas. A maioria foi dispensada.

Em um depoimento de duas horas e meia, Negrini Neto, que foi o responsável pelo laudo no presídio à época em que a PM agiu, disse ter visto "um mar de cadáveres" antes de subir para o terceiro pavimento --equivalente ao segundo andar do presídio.

O perito relatou ter ido ao presídio horas após o crime para uma primeira perícia. Ao tentar subir do primeiro pavimento (equivalente ao térreo) para o segundo (equivalente ao primeiro andar), afirmou, avistou "um mar de cadáveres" no qual contou 90 corpos.

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"Tinha aquele mar de cadáveres no saguão, retirados das celas em outros pavimentos, empilhados. Aí entendi de onde vinha tanto sangue [já no térreo], pois, ali, contei 90 corpos", relatou Negrini Neto, que também foi professor da Academia da Polícia Militar durante 30 anos.

Testemunhos em vídeos

Outros três depoimentos colhidos no primeiro júri foram exibidos em vídeo: o do diretor de disciplina do Carandiru à época do massacre, Moacir dos Santos, e os ex-detentos Antonio Carlos Dias e Marco Antonio de Moura, classificados como sobreviventes do massacre.Primeiro a ter o depoimento exibido em vídeo, Dias relatou em abril que os presos foram "brutalmente espancados" por policiais no dia do massacre.

"Acredito que há os bons e os maus policiais. Mas acho que os maus são maioria", disse, ao ser indagado pelo promotor Fernando Pereira da Silva, na ocasião, sobre a percepção que tem da atividade policial após o massacre do qual escapou. "Não era uma simples invasão: eles entraram matando, atirando", declarou a testemunha, ao fim do depoimento.

O pedreiro Marco Antonio de Moura, 44, outro sobrevivente do massacre, disse em depoimento também exibido em vídeo que, quando viu a Tropa de Choque entrando, pensou: "Nossa, vou apanhar pra caramba".

No depoimento de abril, o ex-detento disse ter enfrentado outras rebeliões contidas com violência pela corporação, também no Carandiru, mas com bombas de gás, não com tiros. "Eu lembro que o polícia (sic) colocou a cara no guichê [da cela] e começou a efetuar os disparos. Fiquei quieto e me fingi de morto", relatou.

Última testemunha de acusação a ter o depoimento exibido ontem, o ex-diretor de disciplina do presídio afirmou que os PMs da Rota que entraram no pavilhão 9 do Carandiru desrespeitaram uma comissão de negociação que se formava para tentar mediar o conflito entre os presos e "gritavam como índios, ou como se marcassem um gol".

A previsão do juiz Rodrigo Tellini é que a segunda etapa de julgamento do massacre seja encerrada até a madrugada de sexta (2) para sábado (3). Faltam ainda os julgamentos das mortes ocorridas no quarto e quinto pavimentos --onde foram assassinados, respectivamente, oito e dez pessoas --, mais o julgamento de um policial da Rota responsável sozinho, segundo o Ministério Público, pela morte de cinco detentos do terceiro pavimento. Ele foi o único a ser identificado por sobreviventes do massacre.