Houve dolo eventual em Paraisópolis e PMs serão denunciados, diz promotora
A Promotoria de Justiça do 1º Tribunal do Júri da Capital afirma ter indícios suficientes para apresentar denúncia de homicídio contra os 31 PMs envolvidos na operação que resultou na morte de nove jovens, de 14 a 23 anos, durante um baile em Paraisópolis, zona sul de São Paulo, em dezembro do ano passado.
Em entrevista ao UOL, a promotora Luciana André Jordão Dias disse que a investigação ainda está em andamento e a denúncia não foi finalizada, mas é possível identificar intenção na conduta dos PMs. "Vislumbro dolo eventual, principalmente porque o policial tem o dever de proteger as pessoas, mas fizeram o contrário."
De acordo com ela, os PMs tiveram a intenção de encurralar os jovens em uma viela. Eles estavam em um baile funk que reunia aproximadamente 5.000 pessoas. Luciana afirma que os policiais sabiam do potencial de resultar em mortes, já que as pessoas não teriam uma rota de fuga.
"A forma como agiram, com violência, deixa claro que eles [PMs] sabiam o que ia acontecer. Eles sabem como acontece no local. Eles conheciam a região, não foi a primeira vez que entraram lá. Eram 5.000 pessoas. Essas 5.000 não foram para cima dos PMs. Tanto que não tem nenhum policial ferido", afirmou a promotora à reportagem.
Ela diferencia, no caso, a culpa consciente, em que o agente vê que a conduta pode causar um dano, mas não acredita que vai acontecer, e o dolo eventual, em que se prevê o resultado e se assume o risco de que vá acontecer. Para ela, ocorreu a segunda hipótese.
A promotora disse que a denúncia pode fazer policiais refletirem sobre a forma com que agem na periferia. "A relação precisa mudar. Enquanto a polícia não perceber que não pode agir com truculência na periferia porque um ladrão mora na periferia, o morador vai continuar confiando mais no ladrão do que na polícia", afirmou.
A polícia é formada por muitos homens íntegros, que fazem uma excelente prestação de serviços à sociedade, mas a relação com a periferia precisa mudar, para que a imagem mude lá também.
Promotora Luciana Jordão
A promotora pediu à Polícia Civil, ontem, a quebra de sigilo telefônico dos 31 policiais, para saber se eles se comunicaram entre eles, no momento da ação, fora do rádio interno da corporação.
De acordo com o delegado Marcelo Jacobucci, do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), que está à frente da investigação na Polícia Civil, a investigação se acelerou no último mês e pode haver uma conclusão nos próximos dias.
"Os depoimentos dos 31 policiais envolvidos já foram feitos. Estamos aguardando alguns laudos para produzirmos reconstituição e correição", afirmou. Entre os laudos, está uma maquete em 3D da favela, para saber a localização exata dos policiais na hora da operação.
Depoimentos demoraram sete meses
Os depoimentos dos 31 PMs demoraram sete meses para começarem a ser colhidos pela Polícia Civil. Isso porque seis oficiais envolvidos não nomearam advogados. Uma interpretação jurídica da PM havia determinado que PMs suspeitos de matarem em serviço, sem advogados nomeados em até quatro dias, deveriam ter investigações suspensas.
Ao todo, além dos nove jovens mortos em 1º de dezembro de 2019, no baile da Dz7, 12 pessoas ficaram feridas. As famílias das vítimas acusam PMs de terem causado correria dos jovens sem dar espaço para fuga, o que ocasionou pisoteamento.
Relatório interno da PM, presidido pela Corregedoria da corporação, inocenta os policiais. Segundo a PM, os policiais foram recebidos a pedradas e garrafadas. A Corregedoria citou laudo que apontou que os jovens ingeriram entorpecentes.
Segundo a Polícia Técnico-Científica, a causa das mortes na ação foi asfixia mecânica provocada por sufocação indireta, provavelmente em decorrência do pisoteamento. O jovem Mateus dos Santos Costa, de 23 anos, foi o único que teve outra causa: lesão na coluna.
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