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Após um ano preso injustamente, jovem é absolvido pela Justiça de SP

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

23/12/2020 21h18Atualizada em 24/12/2020 10h56

A Justiça de São Paulo demorou mais de um ano para comprovar que um jovem não poderia ter a capacidade de roubar um celular no mesmo minuto que se declarava para a namorada por mensagens de texto e de áudio.

Lucas Silva, 25, que teve sua prisão injusta noticiada pelo UOL em outubro de 2019 foi absolvido pela Justiça no início de dezembro de 2020, após todos os laudos demonstrarem que seu álibi era real: estava em casa no momento do crime.

Após todas as evidências terem sido colocadas nos autos, o próprio MP (Ministério Público), que havia pedido a condenação de Silva com base no reconhecimento da vítima, se reposicionou a pediu a absolvição do jovem.

Descobriu-se que Lucas utilizava o seu telefone celular em lugar diverso do local do roubo, tornando plausível sua versão exculpatória."
Posição do Ministério Público

Silva recebeu a notícia da absolvição já em liberdade, porque havia deixado a prisão poucos dias atrás durante a saída temporária do fim de ano. Desde que deixou o presídio, decidiu não tirar fotos, porque disse ter passado muita fome nos últimos meses dentro da prisão.

Mãe fez papel da polícia

Lucas Silva e sua mãe, Eliane - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Lucas Silva e sua mãe, Eliane
Imagem: Arquivo pessoal

A mãe do jovem, Eliane, 44, que investigou o caso pessoalmente, fornecendo à Justiça os elementos probatórios que resultaram na absolvição do filho, afirma que "a sensação de provar a Justiça de que você não é culpado por um crime que o imputaram é magnífica".

Para ela, o que aconteceu "é gravíssimo": "Você certo de que não cometeu nenhum crime e ser encarcerado por 1 ano e 5 meses por um simples: 'Foi você e ponto'. E o mais alarmante: após 5 dias do crime ter sido consumado, estando na porta da da sua casa, de chinelos e bermuda", desabafou.

Acabaram com uma família inteira por todo esse tempo porque nos debruçamos a realizar o papel que o Estado não realizou."
Eliane, mãe de Lucas

"Estamos felizes, sim, e com muito temor de quem poderia nos proteger e de pessoas que infelizmente não estão nem aí. O Brasil pede socorro, porque o meu filho teve uma mãe e uma família que muito instruídos conseguiram correr para que não o condenasse por no mínimo uns 12 anos", acrescentou.

Agora, imagina os que não têm esse nível de informação de conhecimento para tal questão?"
Eliane, mãe de Lucas

"In dubio pro reo"

A absolvição foi definida pelo juiz Marcos Vieira de Morais em 2 de dezembro, mas só foi atualizada nos autos do processo no fim do mês. O magistrado sustentou a absolvição "por insuficiência de prova da autoria delitiva, prevalecendo a aplicação dos princípios da presunção de inocência".

Em vista do resultado da quebra do sigilo de dados telefônicos, fortalecendo sua versão exculpatória e tornando conflitante a prova da acusação, persistindo dúvida quanto sua participação no evento criminosa, impõe-se sua absolvição."
Juiz Marcos Vieira de Morais

O juiz apontou que não se tratou de desmerecer o depoimento da vítima do roubo, que reconheceu Silva na delegacia, mas induziu que deve ser levada em conta a possibilidade de a vítima ter se equivocado.

"A partir de diligência requerida pelo Ministério Público, comprovou-se a tese defensiva de que o celular de Lucas foi utilizado em local próximo à residência em que morava, corroborando a versão de que estava mantendo diálogos com a namorada naquele momento", escreveu o magistrado na sentença.

Assim, o juiz apontou que "não pode ser descartada a versão de que o acusado realmente estivesse em sua residência no horário dos fatos, conforme apontam as conversas com sua namorada, que incluem até mensagem de áudio gravada em ambiente interno e fotografia do acusado".

Preso desde 31 de julho de 2019

Lucas Vital e Silva foi preso em 31 de julho de 2019, cinco dias após um consultor de 34 anos ter o celular roubado na região do Jabaquara, zona sul da capital. As polícias Civil e Militar e o MP acusaram o rapaz, e a família apresentou provas de que Silva não teria praticado o roubo.

A polícia chegou até Silva depois de o verdadeiro assaltante ter tirado uma selfie tremida com o celular roubado. O dono do aparelho recuperou a imagem e a localização do aparelho e enviou as informações à polícia.

PMs foram até a região apontada pela vítima. Lá, encontraram Vital e Silva conversando com um vizinho, compararam a selfie com o rosto de Vital e Silva e o levaram à delegacia do bairro.

A perícia feita pelo IC, no entanto, apontou que não era possível mostrar que Lucas e o autor da selfie eram a mesma pessoa pela baixa qualidade da imagem feita pelo criminoso.

Lucas Vital e Silva versus autor do roubo - UOL - UOL
Imagem: UOL

A família levou à Justiça o celular de Silva para mostrar que, no momento do roubo, a dois quilômetros dali, ele estava dentro de casa, enviando diversas mensagens para a namorada. Entre as mensagens, havia textos, áudios e fotos. "Sim, as mensagens dos prints de tela correspondem com as mensagens visualizadas no aparelho de telefonia móvel", apontou o laudo.

"Foram trocadas mensagens durante praticamente todo o dia, iniciando às 8h59, pausando por alguns períodos", complementa o laudo pericial produzido pelo Instituto de Criminalística.

Ao se atentar aos arquivos de voz, a vítima disse ter encontrado uma "coisa estranha". "A voz dele não se parece com a do criminoso. Parece que colocaram a foto dele num celular qualquer, pegaram a conversa de um cara qualquer, mostraram para você e disseram que era ele", afirmou.

Na casa da família de Vital e Silva, a reportagem viu o celular fisicamente. Havia áudios enviados pela mesma voz em outras conversas, além de notificações recebidas no Facebook pessoal do jovem. Ou seja, o que a vítima sugeriu à reportagem provavelmente não teria acontecido.