Ações policiais no RJ têm mais mortes por vingança em 14 anos, diz estudo
Com duas chacinas neste ano, o Rio teve o maior número de mortes em ações policiais motivadas por vingança em 14 anos, de acordo com levantamento inédito feito por pesquisadores da UFF (Universidade Federal Fluminense) a pedido do UOL. A pesquisa registrou 48 assassinatos cometidos pelas forças de segurança na região metropolitana em 2021. Segundo o estudo, ações motivadas por ataque de criminosos são a terceira maior causa de morte em operações policiais.
Na manhã de segunda (22), os próprios moradores do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, retiraram de um mangue corpos abandonados de mortos em uma ação policial no dia anterior, motivada, segundo relatório da polícia, pelo assassinato de um policial na região. No dia 6 de maio, a morte de um policial civil deu início a uma matança que deixou 28 mortos na favela do Jacarezinho, zona norte carioca, na ação mais letal do Rio.
As ações policiais motivadas por vingança também foram mais letais neste ano em comparação aos anos anteriores, segundo apontam os dados do Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos), da UFF. O estudo se baseia em registros coletados entre janeiro de 2007 e outubro deste ano.
O levantamento aponta que, entre 2007 e 2020, foram registradas mais operações motivadas por vingança do que mortes em decorrência dessas ações —média de uma morte a cada duas incursões. Neste ano, essa lógica se inverteu. Foram 20 operações do tipo, com cinco óbitos a cada duas ações policiais, informa o estudo.
Somadas, as chacinas do Jacarezinho e de São Gonçalo representam 37 das mortes deste ano. Os outros 11 homicídios foram registrados em 18 operações policiais.
Os policiais se mobilizam para agir de uma forma mais agressiva e brutal nesse tipo de operação. Mas as forças de segurança representam o Estado e não podem atuar da mesma forma como os grupos criminais, que muitas vezes são motivados pela lógica de vingança"
Daniel Hirata, coordenador do estudo
O pesquisador também diz que as incursões recentes são ilegais, já que o STF (Supremo Tribunal Federal) limitou as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro desde junho do ano passado até o fim da pandemia de covid-19. Apesar da proibição, a polícia matou 766 pessoas em favelas no estado, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado.
A ação policial que resultou em uma chacina no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, acelerou o julgamento da ADPF pelo STF, que deve decidir nos próximos dias sobre as restrições a essas operações em comunidades.
"É uma operação ilegal e com uso abusivo da força. Agora, temos a possibilidade de iniciar um movimento de reversão desse problema de letalidade policial em operações motivadas por vingança com o julgamento da ADPF", observa Hirata.
Em 5 de junho de 2020, entrou em vigor a chamada ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), instituída liminarmente (provisoriamente) pelo ministro Edson Fachin. Desde então, "sob pena de responsabilização civil e criminal, não serão realizadas operações policiais, salvo em hipóteses absolutamente excepcionais", escreveu o ministro no despacho.
Em nota, a Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio diz que as operações realizadas "estão rigorosamente alinhadas ao que preconiza a ADPF" ao respeitar a "excepcionalidade para o planejamento das operações". Questionada, a Polícia Civil não se posicionou sobre as operações de vingança apontadas pelo estudo. Em nota, citou que se baseia "nos pilares de inteligência, investigação e ação" e apontou a redução em índices de violência registrados pelo ISP (Instituto de Segurança Pública) "com resultado em alguns setores, que são os melhores desde o início da série histórica" — porém, sem apresentar dados.
Jacarezinho e Salgueiro impulsionam casos
O alto índice de mortes foi impulsionado por duas sangrentas operações policiais na região metropolitana do Rio, ambas motivadas pela morte de agentes.
No Jacarezinho, moradores relataram um "banho de sangue" —uma família acusou policiais de terem invadido a casa para matar um suspeito, escondido no quarto de uma menina de 9 anos. "Eles [agentes] preferiram fazer uma chacina para vingar a morte do policial", disse José Augusto Rodrigues, do Laboratório de Análises da Violência da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
No Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio, moradores relataram que policiais militares fizeram uma festa em uma piscina antes e depois da chacina. "Cuidado com o 'caveirão'", alertou um menino de 3 anos ao ouvir o UOL pedir informações sobre a região.
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