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'Cracolândia': Não houve combate ao tráfico, só mudaram de CEP, diz vizinho

O produtor musical Paulo Cezar vê da janela de casa a movimentação do local onde passou a funcionar a "cracolândia", na rua Helvétia, centro de São Paulo - Herculano Barreto Filho/UOL
O produtor musical Paulo Cezar vê da janela de casa a movimentação do local onde passou a funcionar a "cracolândia", na rua Helvétia, centro de São Paulo Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

17/05/2022 04h00Atualizada em 17/05/2022 07h59

Moradores e comerciantes das imediações do novo fluxo da chamada "cracolândia" contam que a insegurança virou parte da rotina e reclamam da ação que, na última quarta-feira (11), retirou os ocupantes da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo. Desde então, os pontos de venda de drogas que havia por ali se espalharam por ruas próximas e os dependentes químicos em situação de rua seguem em deslocamento constante, andando sem destino certo pelas ruas do bairro dos Campos Elíseos.

"Não houve uma ação para acabar com o tráfico de drogas. Houve só uma mudança de CEP da 'cracolândia'. Os usuários de drogas saíram de um ponto turístico da cidade e foram varridos para debaixo do tapete. E esse tapete se chama rua Helvétia", afirma o produtor musical Paulo Cezar, 61, que mora em um prédio com a janela voltada para a rua em questão.

Ontem, ao menos 300 dependentes químicos tomaram a Helvétia, entre a avenida São João e a rua Barão de Campinas —antes de serem retirados do local e seguirem à noite para a rua Ana Cintra, via paralela a menos de cem metros de lá.

Fluxo de migração da 'cracolândia' - Google Maps, Arte/UOL - Google Maps, Arte/UOL
O Fluxo de Migração da Cracolândia
Imagem: Google Maps, Arte/UOL

"A 'cracolândia' não acabou. Ela só se espalhou pelas ruas do centro", relata Flávio dos Santos, 33, que trabalha em um estacionamento rotativo nas imediações.

Perto dali, na praça Júlio Mesquita, havia uma pequena quantidade de pessoas deitadas no chão. Mas a movimentação aumenta quando anoitece, relata o comerciante Ciro Filho, 52.

"Só deixam a sujeira para trás no dia seguinte. Eles estão o tempo todo usando a droga. Antes [da desocupação da 'cracolândia' da praça Princesa Isabel], só perambulavam. Agora, ficam pelas ruas. O comércio do tráfico é mais movimentado do que o meu", diz o comerciante.

Eram 11h desta segunda-feira quando quatro homens sentados ao redor de uma barraca montada em plena avenida Rio Branco próximo à rua dos Timbiras começaram a fumar uma pedra de crack em meio aos pedestres que circulavam pela região.

Em nota, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) afirmou que "as ações realizadas pelo governo do estado, em parceria com a prefeitura, têm o objetivo de prender traficantes de drogas e proteger a dignidade humana dos dependentes com a oferta de tratamento especializado".

Segundo a secretaria, a Polícia Civil localizou e prendeu oito traficantes que atuavam na região e a Polícia Militar atuou no apoio às ações municipais para limpeza da área. A SSP afirma também que as ações de saúde na região não foram interrompidas.

"A busca de dependentes químicos por tratamento aumentou 23% na região central da Nova Luz, após a intervenção policial no início da semana", afirma a pasta. "Desde 2019, a secretaria investiu R$ 25,7 milhões em ações voltadas à assistência desta população."

16.mai.2022 - após a desocupação da "cracolândia" da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, drogas passaram a ser vendidas em barracas instaladas na rua Helvétia - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
16.mai.2022 - após a desocupação da "cracolândia" da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, drogas passaram a ser vendidas em barracas instaladas na rua Helvétia
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Enquanto isso, na Helvétia

O UOL entrevistou alguns dos 300 moradores de um prédio de 14 andares com a janela da frente voltada para a rua Helvétia, onde se concentrou um grupo de dependentes químicos em situação de rua. Paulo Cezar é um deles. O produtor musical conta que o primeiro dia após a chegada dos novos vizinhos foi o mais impactante. "Não imaginava que era assim. É grito, briga, som alto, assaltos. Parece uma cena de guerra", relata.

Ele diz que está com dificuldade para chamar motoristas por aplicativo para sair de casa, pois as corridas são canceladas quando o veículo se aproxima. "Aí, preciso sair do prédio a pé, correndo risco de ser assaltado", diz.

Vizinha de Cezar, a aposentada Maria Inês, 61, diz que não sai para a rua desde a manhã de sábado (14), quando deixou o prédio para fazer compras em um mercado. "Estou me sentindo uma prisioneira dentro do meu próprio apartamento", lamenta.

Ela afirma que, de dentro de casa, presenciou um assalto às 20h50 de domingo (15). "Ouvi gritos e fui para a janela da sala para ver o que estava acontecendo. O sentimento é de total insegurança", relata. Ela conta que, durante a madrugada, o sono tem sido interrompido por gritos e som alto. "Quem consegue dormir nessas circunstâncias?", afirma.

A aposentada Marcia Penteado Martini, 70, que também mora no prédio, ainda lembra como foi a chegada do novo fluxo de "cracolândia" na região. "Eles vieram andando em grandes grupos e tomaram conta da rua. Aqui, moram famílias inteiras, que estão se sentindo totalmente acuadas".

16.mai.2022 - Intensa movimentação de usuários de drogas concentrada na rua Helvétia após a desocupação da "cracolândia" da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
16.mai.2022 - Intensa movimentação de usuários de drogas concentrada na rua Helvétia após a desocupação da "cracolândia" da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

'Briga e som alto'

Na rua Aurora, no trecho entre as ruas Conselheiro Nébias e Guaianazes, havia uma aglomeração formada por mais de 50 usuários de drogas. Ali, o cliente de um comércio em frente foi abordado pelos usuários, que desconfiaram que ele pudesse estar filmando a movimentação de venda de drogas, segundo relatos de quem trabalha ali.

Os funcionários passaram a almoçar dentro dos estabelecimentos nos últimos dias, para evitar abordagens de usuários de drogas. "Eles estão por todos os lados", relata o barceiro Vinicius Bigheti, 24. "Tem muita briga e som alto. O movimento aqui na loja caiu bastante", completa o balconista Cristopher Jonas, 33.

A presença do UOL no local logo despertou a atenção. Um homem que estava em meio ao ponto de consumo de drogas se aproximou para cobrar explicações, obrigando a reportagem a deixar o local às pressas.