Zona oeste vira região com maior nº de tiroteios por disputa de área no Rio
A zona oeste do Rio se tornou a área da região metropolitana com maior número de tiroteios por disputa de território, de acordo com dados da plataforma Fogo Cruzado.
O que aconteceu
Só em janeiro, 11 das 16 trocas de tiro causadas por tentativas de controle de áreas na região metropolitana aconteceram na zona oeste. Segunda região com mais casos, a zona norte registrou apenas quatro ocorrências do tipo. Já a Baixada Fluminense teve só um registro, em Magé, no dia 26, sem morte ou feridos.
Em 2023, zona oeste registrou 76 dos 174 tiroteios por disputa de território na região metropolitana. O número foi maior do que os 69 casos da zona norte que, desde 2019, liderava o ranking. A Baixada teve 25 tiroteios. A área de Niterói e São Gonçalo, três. E o Centro da cidade do Rio, só um, em 16 de abril.
Confrontos por tentativas de controle de áreas na zona oeste dobraram em relação a 2022. Naquele ano, a região contabilizou 27 tiroteios do tipo, responsáveis por 26 mortes — contra 59 confrontos e 22 óbitos na zona norte.
Dez bairros sem registros no ano retrasado tiveram casos em 2023.
Aumento dos casos em Bangu e Santa Cruz impressiona. Os dois bairros da zona oeste viram as trocas de tiro causadas por tentativas de tomada de território saltarem de 4 em 2022 para 22 no ano passado. O Morro do 48 e o Conjunto João XXIII são as localidades com mais registros.
Fogo Cruzado reúne dados enviados por usuários via celular. Após receber os alertas por meio do app, a plataforma checa as informações antes de divulgar. Ainda não há números consolidados em relação a fevereiro, mas não houve mudanças significativas no cenário em relação ao primeiro mês do ano.
A zona oeste abriga 40% da população da cidade e, em 2023, viu o número de tiroteios e de mortos e feridos em confrontos crescer, enquanto houve queda no restante da região metropolitana. Isso revela a gravidade dos conflitos que envolvem as disputas territoriais entre grupos criminosos ali. Mesmo com a prisão de importantes lideranças desses grupos, a estrutura criminosa que eles operam permanece sólida e impacta milhares de vidas.
Carlos Nhanga, coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado no Rio de Janeiro
A Polícia Civil do Rio afirmou que "desconhece a metodologia utilizada para a confecção do levantamento". O órgão informou que a "Polícia Civil investiga a atuação de grupos armados envolvidos em tiroteios na zona oeste e em outras regiões, visando identificar e responsabilizar criminalmente os envolvidos".
Já a Polícia Militar disse que houve "diversos confrontos entre grupos criminosos" ao longo de 2023. A corporação afirma que atuou nesses casos, com o objetivo de "devolver a sensação de segurança aos moradores dessas áreas".
Somente no ano de 2023, a corporação prendeu mais de 32.600 criminosos, apreendeu mais de 4.200 adolescentes envolvidos com a criminalidade, e retirou das ruas mais de 5.800 armas de fogo, entre mais de 492 fuzis idênticos aos utilizados em guerras convencionais.
Polícia Militar do Rio, em nota
Disputas são fruto de quebra de acordos
Zona oeste passa por "redesenho de alianças", diz especialista. Para a cientista social Jaqueline Muniz, o fenômeno verificado hoje na região reflete um ciclo formado pelo momento dos confrontos, sucedido pela fase de pacificação — que sempre antecede uma nova quebra de acordo que gera novos confrontos.
No Rio, não há monopólio de governança criminal sobre os territórios. As disputas são cíclicas e variam em função das alianças dos grupos criminais e da ruptura e renegociação de acordos. No fim, o Estado funciona como uma agência reguladora do crime, uma imobiliária que terceiriza controle dos territórios. Não existe Estado ausente ou paralelo, mas uma relação de vasos comunicantes das instituições oficiais com o crime. É uma guerra sem vitória ou derrota.
Jaqueline Muniz, cientista social e professora do Departamento de Segurança Pública da UFF
Newsletter
PRA COMEÇAR O DIA
Comece o dia bem informado sobre os fatos mais importantes do momento. Edição diária de segunda a sexta.
Quero receberMaior número de áreas disponíveis para ocupação e exploração por grupos criminosos agrava problemas na zona oeste. Segundo Jaqueline, essa característica torna a região uma "área estratégica" para o crime pelo potencial financeiro que representa, assim como acontece com algumas partes da Baixada Fluminense.
Moradores da zona oeste reclamam da falta de políticas para evitar a chegada de grupos criminosos. Presidente da Câmara Comunitária da Barra da Tijuca, Delair Dumbrowski diz que, em 2023, perguntou a autoridades sobre os planos para prevenir a entrada de milícias no Recreio e não obteve resposta.
Não adianta só querer apagar o fogo depois de aceso. Faltam políticas de segurança pública que previnam a expansão de grupos armados no Rio e a polícia só age quando o crime já está instalado. É preciso um esforço unificado das esferas de governo para combater e prevenir ações do crime organizado
Delair Dumbrowski, presidente da Câmara Comunitária da Barra da Tijuca
O que está por trás dos números
Zona oeste é berço de milícia que já foi a maior do Rio e hoje passa por reorganização. Criada na década de 1990, a Liga da Justiça foi assumida em 2014 por Carlinhos Três Pontes, morto em 2017. Ele ampliou a atuação do grupo para outras áreas e foi sucedido por seu irmão Wellington Braga, o Ecko, morto em 2021.
Morte de Ecko detonou racha. Depois disso, Danilo Dias Lima, o Tandera, rompeu com a milícia e virou rival de Luís Antônio Braga, o Zinho, irmão de Ecko. Após início da disputa, tiroteios por territórios no Grande Rio saltaram de 38 em 2020 para 114 em 2021 e, desde então, nunca foram menos que 100 por ano.
Em agosto de 2022, fundador da milícia foi morto após tentativa de retomar controle do grupo. Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, foi baleado em Campo Grande. As investigações apontaram que Zinho foi o mandante do crime, que teria sido executado por Matheus da Silva Rezende, o Faustão, seu sobrinho.
No ano passado, morte de Faustão resultou em 35 ônibus incendiados. Ele era um dos chefes do então Bonde do Zinho e foi morto durante uma operação policial. Em meio ao cenário de instabilidade, Zinho se entregou à Polícia Federal em dezembro. Há suspeitas de que ele temia ser morto por policiais do Rio.
Até deputada estadual foi afastada de funções por suposta ligação com a milícia. Conhecida como Lucinha, Lúcia Helena de Amaral Pinto é filiada ao PSD. O afastamento foi determinado pelo Tribunal de Justiça do Rio por suposto conluio dela com Bonde de Zinho. A zona oeste é a base eleitoral de Lucinha. Procurada por UOL, a deputada informou que prefere não se manifestar.
Morte dos médicos também aconteceu na zona oeste. Em meio às disputas por território, os quatro homens que tinham ido ao Rio para um congresso foram assassinados por engano em outubro. Segundo as investigações, um deles foi confundido com um miliciano de Rio das Pedras, uma das favelas da região.
Enfrentar o crime organizado exige integração de instituições, compromisso efetivo de agentes do Estado em todos os níveis e, sobretudo, inteligência. São necessárias, portanto, medidas de cunho político, tático, combinadas a investigações. Tais ações devem assumir como uma prioridade o combate às atividades econômicas irregulares e ilegais que sustentam esses grupos
Alexandra Montgomery, Diretora de Programas da Anistia Internacional Brasil
Deixe seu comentário