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Bolsonaro força Lula a debater pauta de costumes e economia fica de lado

Bolsonaro e Lula têm discutido temas como religião e aborto na campanha do 2º turno - GETTY IMAGES
Bolsonaro e Lula têm discutido temas como religião e aborto na campanha do 2º turno Imagem: GETTY IMAGES

Do UOL, em São Paulo

23/10/2022 04h00

As chamadas pautas de costumes dominam a campanha do segundo turno da eleição presidencial —tanto nas redes sociais quanto na propaganda eleitoral na televisão e nas ruas.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem conseguido trazer assuntos relativos a moral, comportamento e tabus, como religião e aborto, para os discursos e peças publicitárias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que resistiu durante o primeiro turno.

A leitura das equipes é que a agenda de costumes seguirá no centro das discussões até o dia da votação, 30 de outubro. O grupo de Bolsonaro comemora e diz achar natural, citando o que chamam de "perfil conservador" da população brasileira; o de Lula segue preferindo pautar discussões propositivas, mas ainda ensaia como escapar das armadilhas do adversário.

Bolsonaro e a pauta conservadora. A equipe de Bolsonaro defende que pautas de costume estão se impondo no segundo turno porque os brasileiros se importam com "a defesa da família, o combate às drogas, ao aborto e à naturalização de casais gays" —temas evocados pelo presidente e seus aliados há anos.

A avaliação é que o protagonismo dessa pauta é positivo, porque a população liga essa discussão a Bolsonaro. Também há o entendimento, pela equipe do candidato à reeleição, que o assunto cresceu ao longo da disputa eleitoral porque o interior do Brasil é mais conservador.

Para a equipe bolsonarista, a votação expressiva do presidente e de aliados no primeiro turno seria uma resposta à agenda progressista e urbana. Temas identitários podem fazer Lula vencer no primeiro turno em São Paulo —onde foram registrados 3,2 milhões de votos para o petista contra 2,6 milhões para Bolsonaro—, mas mesmo cidades grandes como Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro não foram na mesma direção e deram mais votos para o candidato à reeleição.

Para governistas, alguns temas que são considerados conservadores têm aprovação inclusive de pessoas que votam na esquerda —dois exemplos citados pelos aliados são a redução da maioridade penal e a proibição do aborto.

Ambos são recorrentes em discussões eleitorais, sobretudo no segundo turno, e colocam candidatos em situações delicadas em um país onde 51% da população se declara católica e 26%, evangélica —ainda que alguns grupos possam ter adotado opinião mais progressista.

Segundo pesquisa Datafolha de junho:

Pauta conservadora venceu? A equipe de Bolsonaro também entende que, independente de quem seja o próximo presidente, a agenda conservadora já saiu vitoriosa. A afirmação se baseia no número de governadores, senadores e deputados que se elegeram em 2 de outubro com discurso de defesa da família, contra o aborto, a descriminalização de drogas e àquilo que a direita chama de ideologia de gênero.

A dúvida que existe na campanha é se este movimento de imposição da pauta conservadora no segundo turno será suficiente para garantir mais quatro anos de Bolsonaro no Palácio do Planalto. A outra possibilidade é de Lula ser eleito para servir de contrapeso às bandeiras do atual presidente e de seus aliados nos governos dos estados e no Congresso Nacional.

Bolsonaro durante inauguração do templo da Igreja Mundial do Poder de Deus, em Belo Horizonte - Douglas Magno/AFP - Douglas Magno/AFP
Bolsonaro durante inauguração do templo da Igreja Mundial do Poder de Deus, em Belo Horizonte
Imagem: Douglas Magno/AFP

Assunto imposto. Lula não pretendia falar sobre assuntos que, ele costuma dizer, "não cabem ao presidente decidir". Católico, na campanha do primeiro turno o ex-presidente se recusava a falar de religião ou aborto e preferia convencer o eleitor cristão com pautas de economia. Mas, por força do adversário, o tom mudou.

A campanha lulista começou a entender que o tema não poderia ser simplesmente ignorado e que, ao evitar o assunto, parecia que estava fugindo dele. Os temas passaram a ser parte dos discursos e postagens nas redes sociais: Lula, agora, reforça sua fé como cristão e reafirma que é contra o aborto.

Desde o início deste mês, já fez dois encontros com cristãos em São Paulo. Na carta divulgada aos evangélicos na última quarta (19), ele não só desmente fake news e prega estado laico —como faz normalmente—, como se dedica à "defesa da família" e dá um recado contra o aborto. Ou seja, trata de pautas tradicionalmente bolsonaristas.

Para a campanha do presidente, o esforço de Lula com essa carta será infrutífero. O entendimento é que o documento chegou tarde —agora, para eles, Bolsonaro já consolidou ampla maioria do eleitorado evangélico.

Mesmo a contragosto, a campanha petista admite —não publicamente —que a pauta de costumes foi imposta, como no terceiro bloco do debate presidencial promovido por Band, UOL, Folha de S. Paulo e TV Cultura, quando Bolsonaro trouxe parte dos temas à tona e Lula gastou grande parte do seu tempo se defendendo. O PT julga que o atual presidente seguiu pregando para convertidos, mas confessa que a estratégia de Lula, no confronto, foi falha.

Esquerda tenta entrar no jogo. A campanha de Lula tem procurado entrar em outros assuntos "não-políticos" para tentar atingir Bolsonaro "com as mesmas armas". Desde a apuração do primeiro turno, a equipe lulista usou polêmicas para atingir Bolsonaro, como um vídeo antigo de um pronunciamento na maçonaria, organização rejeitada —e até temida— entre evangélicos.

As declarações do presidente sobre meninas venezuelanas, quando ele encontrou adolescentes na faixa dos 14 anos e disse que "pintou um clima", também continuam sendo exploradas. Na avaliação petista, este foi um dos principais artifícios para atingir o presidente. Se chamá-lo de "genocida" não tem mais efeito, reativar falas infelizes sobre pautas de costumes talvez traga resultado.

Na última semana, aproveitando o gancho, o PT tem trazido ainda os elogios de Bolsonaro ao ditador pedófilo Alfredo Stroessner, do Paraguai. No debate, Lula foi com um broche de ONG que combate o abuso infantil e a esposa Janja da Silva usou uma camiseta da mesma instituição na caminhada da campanha em Porto Alegre, na quarta (19).

Janja e Lula em ato de campanha em São Gonçalo, no Rio - RICARDO STUCKERT - RICARDO STUCKERT
Janja e Lula em ato de campanha em São Gonçalo, no Rio
Imagem: RICARDO STUCKERT

Não só economia. Agora, as duas campanhas admitem que a economia, assunto mais debatido por Lula durante o primeiro turno, foi deixada de lado. Se, antes, Lula só falava em desemprego, renda, perda de poder de compra pelo brasileiro, inflação e alta de alimentos, agora isso segue relevante, mas é preciso apresentar outras abordagens.

Todo o programa da televisão de quinta-feira (20) foi dedicado a cortes de Lula no Flow Podcast em que ele fala exatamente das pautas de costume: o petista desmente que fechará igrejas, reafirma de sua fé e se diz contra o aborto.

O bife saindo do prato e a volta do "churrasquinho e da cervejinha" seguirão no discurso e nos apelos das redes sociais petistas —é crucial para o PT manter o eleitorado entre as classes média baixa e baixa e beneficiários do Auxílio Brasil—, mas, se antes esse era praticamente o único tema da propaganda eleitoral, hoje tornou-se mais um.

Pauta conservadora é mais fácil de explicar. No primeiro turno, Lula planejou explorar o preço elevado da gasolina e a inflação alta. A campanha de Bolsonaro avalia que esta agenda é mais difícil de ser colocada em prática do que a pauta conservadora.

O raciocínio é que explicar preço de combustíveis exige mencionar o mercado internacional de petróleo e capacidade de refinamento nacional. Falar de aumento dos preços de carne, leite e legumes demanda noções de economia e da cadeia produtiva de alimentos. Ou seja, o eleitor precisa ler um textão.

A equipe do presidente sustenta que abordar a pauta de costumes é mais fácil. Basta um tuíte perguntando se o pai e a mãe querem a filha dividindo banheiro com meninos na escola.

A campanha de Lula também entende que tratar de temas como estes são mais fáceis —a questão para eles é: como? Como essas pautas são mais ligadas ao bolsonarismo, o PT ainda quebra a cabeça para saber como trazê-las em suas peças.

Eleição é guerra de rejeição. Outro ponto importante para a equipe do presidente é que eles encaram a eleição como uma guerra de rejeições em que os gatilhos do medo em relação ao adversário devem ser acionados —como, por exemplo, dizer ao evangélico que a vitória da esquerda significa fechamento de igreja.

Para bolsonaristas, ainda que as mensagens não sejam sempre verdadeiras, todo discurso que puder ser negativo para o adversário será empregado. O objetivo não é entrar na bolha de Lula, considerada bem consolidada. O alvo são eleitores de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), que juntos somaram 8,5 milhões de votos no primeiro turno.

Também está na lista de objetivos combater a abstenção e atrair aqueles que votaram Bolsonaro em 2018 e não repetiram a escolha no primeiro turno —mas a fala a respeito das venezuelanas pode atrapalhar o desempenho com esta fatia do eleitorado.

A live do presidente na madrugada de sábado passado (15) e o vídeo com Michelle são provas de que houve danos e até o momento não está claro se os prejuízos foram estancados.

Olho por olho. Na avaliação interna do PT, com base em pesquisas qualitativas, foi exatamente a divulgação dos vídeos sobre maçonaria e sobre as venezuelanas que seguraram a queda da rejeição de Bolsonaro.

O deputado André Janones (AV-MG), um dos conselheiros da campanha de Lula nas redes sociais, defende a estratégia de manter a vantagem contra Bolsonaro jogando da mesma maneira que o adversário —ele é um dos principais responsáveis pela viralização dessas gravações.

A discussão dentro do partido, agora, é se Lula entrará pessoalmente nessa seara ou não. Até agora, as polêmicas têm ficado restritas a redes sociais, incursões na TV e apoiadores. São os aliados dele, em cima de trios elétricos em comícios, que afirmam que "não haverá guerra santa".

O ex-presidente tem evitado tratar diretamente disso por decisão pessoal. No debate, por exemplo, foi questionado se não deveria ter enquadrado Bolsonaro com o tema —mas a situação pode mudar nos próximos dias.