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Política social do governo Chávez tem casa de graça e pagamento de cirurgias

Apartamentos construídos pelo governo venezuelano em Caracas e ocupados pela população de baixa renda - Carlos Iavelberg
Apartamentos construídos pelo governo venezuelano em Caracas e ocupados pela população de baixa renda Imagem: Carlos Iavelberg

Carlos Iavelberg

Do UOL, em Caracas

17/03/2013 06h00

As fortes chuvas que atingiram a Venezuela em 2010 deixaram Jam Rosales, 33, sua mulher e seus quatro filhos desabrigados. Durantes mais de dois anos, a família morou em um hotel e, depois, numa escola agrícola na periferia de Caracas. Deste outubro do ano passado, os seis ocupam definitivamente um apartamento de 70 metros quadrados no bem localizado bairro de Chacaito, na capital. Tudo foi pago pelo governo venezuelano.

Não se pode entender o apoio popular que gozava o presidente Hugo Chávez, morto no início de março, sem levar em contata as políticas sociais ao longo de 14 anos de governo, classificadas por alguns setores da oposição de clientelistas.

“Chávez focou nas necessidades do povo. Pegou o dinheiro do petróleo e levou para as pessoas mais carentes. Não estamos falando de luxo, mas de atender as necessidades básicas. Se não fosse por ele, nós ainda estaríamos morando na casa de parentes”, conta Rosales, que trabalha em um supermercado.

Por respeito aos demais moradores, ele disse que não poderia deixar a reportagem do UOL subir para conhecer o apartamento de três quartos, banheiro, sala e cozinha.

“Nunca pensei que ia morar numa das zonas mais caras de Caracas. Só isso já tem um efeito psicológico muito grande. Tenho o metrô na porta de casa, e a escola dos meus filhos está a dez quadras daqui”, afirma.

Quando Chávez assumiu o poder em 1999, o coeficiente Gini (que mede o nível de desigualdade em um país) da Venezuela era de 0,498 (que varia entre 0, mais igualitário, a 1, mais desigual). Em 2012, ficou em 0,41, o melhor resultado entre os países da América Latina. O Brasil, por exemplo, ficou com 0,52, seu melhor desempenho. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da Venezuela também é melhor que o brasileiro.

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A queda na desigualdade no país é uma consequência direta da redução dos índices de pobreza. Segundo dados do Banco Mundial, a porcentagem de venezuelanos que vivem abaixo da linha de pobreza (com US$ 2 ou R$ 4 ao dia) caiu de 62,1% em 2003 para 31,9% em 2011.

Casa pode sair de graça

A casa dada pelo governo à família de Rosales faz para do programa chamado de Missão Moradia, uma espécie de Minha Casa Minha Vida. Ao todo, o governo promete construir 2 milhões de moradias até 2017.

A meta do governo é ambiciosa se comparada com o que vinha sendo feito antes. Nos 12 primeiros anos de governo Chávez, foram erguidas 25 mil casas por ano, número que precisará subir para 300 mil.

Ao contrário do caso brasileiro, que funciona como um financiamento para aquisição de uma casa, na versão venezuelana ela pode até sair de graça.

“Ninguém do governo falou comigo sobre isso [se terei de pagar pelo apartamento]. Eles fazem um estudo socioeconômico da família e depois dizem quanto você precisa pagar. Os mais pobres não pagam nada”, explica Rosales.

Seu apartamento faz parte de um conjunto habitacional formado por dois edifícios. No total, são 180 apartamentos que foram entregues totalmente mobiliados: camas, mesa, armários, móveis de cozinha, fogão, geladeira e aquecimento interno.

Só não veio com televisão, que pode ser comprada dentro do programa estatal Minha Casa Bem Equipada, que subsidia e financia eletrodomésticos chineses. Uma televisão LCD de 40 polegadas, por exemplo, sai por cerca de 2.000 bolívares (R$ 620 no câmbio oficial).

Governo paga operações médicas

Grande parte da população venezuelana também avalia de forma positiva as mudanças nos serviços médicos durante o governo Chávez. A mortalidade infantil no país caiu de 20 por mil nascimentos vivos, em 1999, para 13 por mil nascimentos vivos em 2011, por exemplo.

Uma das principais vitrine do chavismo é o programa social Favela Adentro, que leva pequenas centros médicos para bairros carentes e afastados. São nestes postos que atua a maioria dos médicos cubanos que foram para a Venezuela num convênio entre os governos dos dois países.

É comum também o governo pagar por operações em clínicas privadas quando a família não tem condições de arcar com os custos. Rosales conseguiu 8.500 bolívares (R$ 2.650) para operar seu filho de 11 anos.

“Ele tinha sinusite aguda e não conseguia dormir bem. Seu rendimento na escola estava indo mal porque não descansava. Minha mulher deu entrada na documentação e conseguimos o dinheiro”, conta.

A família do taxista Manuel Jaimes, 63, também recorreu ao governo para pagar duas operações. Seu neto, de 6 anos, precisou de 18 mil bolívares (R$ 5.600) para operar o joelho. Seu genro conseguiu 240 mil bolívares (R$ 75 mil) para tratar de um câncer, do qual morreu no final do ano passado.

Ajuda para trabalhar

Além da ajuda para pagar as operações, Jaimes se diz grato ao governo por ter conseguido quitar o financiamento do seu carro. Segundo conta o taxista, ele, assim como outros colegas da mesma cooperativa, tinha uma dívida “impagável” de 5.000 bolívares (R$ 1.560). “Mal conseguia pagar os juros, e a dívida ia aumentando”, relembra. Em 2009, o governo nacionalizou o banco Santander e renegociou a dívida dos taxistas.

O governo também estimula a economia informar. Nos quatro primeiros andares de um edifício público, no bairro de Chacaito, foi instalado um pequeno centro comercial. Um vendedor que não quis se identificar disse que paga 100 bolívares (R$ 31) por mês para ocupar o ponto, onde vende camisetas falsificadas de times de futebol e beisebol.

Dinheiro vem do petróleo

Um dos maiores produtores de petróleo do mundo, a Venezuela tira da commodity o dinheiro necessário para manter todos esses programas sociais. Chávez ainda se beneficiou da alta do preço do barril durante seu governo.

Críticos, porém, reclamam que o governo deixou de investir na companhia nacional petroleira PDVSA, que estaria se tornando ineficiente. Segundo o jornal Le Monde, “dez anos atrás, ela produzia 3,1 milhões de barris por dia com 23 mil funcionários; hoje ela produz 2,4 milhões com 120 mil funcionários”.

A falta de manutenção em uma refinaria da empresa foi apontada como a causa de uma explosão que matou 42 pessoas no ano passado.

Apesar de tudo, não há dúvidas que os mais pobres foram os principais beneficiados pelos programas sociais do governo Chávez, uma parcela da população que sempre se sentiu esquecida por administrações anteriores.

Isso explica, em parte, a longa fila de milhares de venezuelanos que esperaram até 24 horas para se despedirem do líder da “Revolução Bolivariana”. O cenário atual é muito favorável para que Nicolás Maduro, vice de Chávez e presidente interino, ganhe as eleições no dia 14 de abril.

“Chávez colocou o tema social no centro do debate político do país. Obrigar que todo o sistema político venezuelano tenha que estar focado na população mais pobre é um aspecto positivo. E as politicas sócias, apesar de toda a sua ineficiência e corrupção, que houve e muito, é uma política de reparto de renda que atendeu à população mais pobre. E isso precisa ser mantido não importa que ganhe as próximas eleições”, afirma o analista venezuelano Luis Vicente León, presidente do instituto de pesquisa Datanálisis.

Em uma de suas últimas falas ao povo venezuelano, Chávez pediu que votasse em Maduro caso ele não tivesse mais condições de governar. Como prevê o taxista Jorge Acosta: “Chávez vai ser o primeiro morto a ganhar uma eleição presidencial.”