Inverno, Olimpíadas e Otan: Por que Rússia escolheu invadir Ucrânia agora?
O inverno, a baixa popularidade de líderes mundiais e até os Jogos Olímpicos podem ter sido fatores determinantes para a escolha do momento em que a Rússia invadiu a Ucrânia.
O UOL consultou cinco especialistas para tentar entender por que a guerra teve início há uma semana, e não antes ou depois deste período, se as tropas russas começaram a se mobilizar na fronteira em novembro de 2021.
"Isso tem a ver com a análise de inteligência, que observa a disposição das tropas em relação às tropas do inimigo e também outros cenários estratégicos, que incluem o tamanho da estrutura do estado russo", explica Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da ESG (Escola Superior de Guerra) e pesquisador sênior do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
Avanço da Otan sobre antigo território soviético
Um dos principais argumentos da Rússia é de que a invasão foi uma reação ao avanço da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e da aproximação do ocidente com os ucranianos.
"Houve uma estratégia de coerção, ameaça de força, apoio militar, pressão política e diplomática que não surtiu efeito", observa Augusto Teixeira, professor de Ciência Política e Relações Internacionais da UFPB (Universidade Federal da Paraíba).
Mariana Baccarini, também professora de Relações Internacionais da UFPB, aponta que o domínio territorial também é estratégico não só por se tratar de um país que também integrou a União Soviética, mas também por ser o segundo de maior extensão do continente europeu.
"A Ucrânia, nesse sentido, é o segundo maior estado da Europa. Só é menor do que a própria Rússia", pontua Baccarini.
Enfraquecimento de lideranças
"Um palpite é de que Putin identificou um momento de fraqueza das lideranças do Ocidente, com a baixa popularidade do Joe Biden e do Boris Johnson, e se aproveitou desse momento para iniciar a guerra", diz Rodrigo Ianhez, historiador especialista em União Soviética.
Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden enfrenta o bloqueio de reformas no Congresso e, em um ano de governo, teve queda no índice de aprovação de 55% para 42%. Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, foi alvo de protestos após vir à tona sua participação em festas durante o período mais restritivo de isolamento por causa da covid-19.
Já o presidente francês Emmanuel Macron tenta mediar as relações entre Rússia e Ucrânia, algo que pode afetar sua campanha à reeleição este ano.
Outro fator indicado por uma das especialistas é de que Putin pode ter enxergado uma fraqueza na mobilização de forças de Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano, sobretudo pela demora na reação do Ocidente após a invasão.
"Acredito que a decisão de invadir agora esteja relacionada a informações de inteligência sobre o grau de organização do governo Zelensky, que é relativamente baixo diante de medidas de alistamento militar e de armamento de milícias", afirma Mariana Kalil, professora de geopolítica na ESG.
Olimpíada de Inverno
Segundo o New York Times, um relatório produzido por serviços de inteligência dos EUA e de países europeus aponta que autoridades chinesas pediram à Rússia que aguardasse o fim da Olimpíada de Inverno para invadir a Ucrânia.
Os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, que ocorreram em fevereiro, foram sediados pela China, principal parceira econômica da Rússia.
"Tem uma repercussão negativa para o país hóspede da Olimpíada o início de uma guerra durante um evento desses, que historicamente é de celebração da paz. Então existe essa hipótese de que o Putin pode ter postergado o conflito em virtude de uma solicitação chinesa, para que isso ocorresse após as olimpíadas", observa Augusto Teixeira, da UFPB.
A cada dois anos (durante Olimpíadas e Paralimpíadas de inverno ou de verão) ocorre a "trégua olímpica", na qual os países assinam um tratado concordando em suspender conflitos e garantir a segurança de atletas, dirigentes e civis envolvidos nos eventos. Os russos assinaram o compromisso para os Jogos de Inverno deste ano.
No entanto, o histórico russo aponta para o descumprimento da norma em outras edições. A trégua não impediu que o país invadisse a Geórgia em 2008, durante a Olimpíada de Verão em Pequim, ou que anexasse a Crimeia em 2014, durante os Jogos de Inverno em Sochi, na própria Rússia.
O encerramento da Olimpíada de Inverno ocorreu no dia 20 de fevereiro. Putin anunciou a invasão apenas quatro dias depois, violando o que prevê o tratado — a trégua tem início sete dias antes do início do evento e termina sete dias após o fim da Paralímpiada, que começou na sexta-feira (4) e vai até 13 de março. Isso levou o COI (Comitê Olímpico Internacional) ao inédito movimento de se posicionar contra a Rússia.
"A Rússia conta mais do que nunca com a China para sobreviver ao peso das sanções que se impõem contra ela", diz Teixeira.
Ronaldo Carmona, da ESG e do Cebri, observa que as relações comerciais também são fatores a serem considerados antes de iniciar uma guerra.
"A decisão russa passa pela compreensão do melhor cenário nas mais diversas esferas, não apenas do lado militar, mas também no diplomático e no econômico para deflagrar aquela operação", afirma.
Inverno ameno na Europa
Dados do programa Copernicus, rede de satélites de observação da Terra gerenciada pela União Europeia, apontam que em janeiro de 2022 a Europa vivenciou um inverno com temperaturas acima da média.
O inverno mais ameno, provocado pelas mudanças climáticas em todo o mundo, é apontado como um dos fatores que explicaria por que a invasão ocorre neste momento. No hemisfério norte, a estação ocorre entre os meses de dezembro e março.
Augusto Teixeira, da UFPB, explica que as topografias de boa parte da Ucrânia e da porção ocidental russa são "basicamente planícies", o que favorece o deslocamento de tropas, tanques e armamentos. Durante o período mais frio, a movimentação acaba facilitada pelo congelamento de rios e lagos, permitindo que as forças cruzem rapidamente trechos complicados.
"Historicamente, essa região foi um corredor de passagem de tropas invasoras contra a Rússia, seja no século 19, com Napoleão Bonaparte, seja com a Alemanha, no Terceiro Reich", diz ele.
O jornal The Telegraph publicou, em janeiro, que o clima foi apontado em relatórios da inteligência dos EUA como um dos indicadores de que Putin não invadiria a Ucrânia antes de fevereiro.
"Demorou para lagos e rios congelarem. Isso leva a um problema na perspectiva de que aquela área demanda modais rodoviários, precisa de um terreno no qual possa projetar força através de veículos com tanques", afirma Teixeira.
Para o historiador Rodrigo Ianhez, a primavera apresenta condições ainda piores para quem deseja atravessar a área com um exército. Isso, na visão dele, justificaria a decisão da Rússia de não esperar mais para invadir a Ucrânia.
"A primavera geralmente é o pior momento para a ofensiva, porque com o gelo derretendo, o solo fica muito enlameado e os grandes veículos blindados tendem a atolar", explica Ianhez.
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