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Guerra da Rússia-Ucrânia

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Inverno, Olimpíadas e Otan: Por que Rússia escolheu invadir Ucrânia agora?

Juliana Arreguy

Do UOL, em São Paulo

06/03/2022 04h00

O inverno, a baixa popularidade de líderes mundiais e até os Jogos Olímpicos podem ter sido fatores determinantes para a escolha do momento em que a Rússia invadiu a Ucrânia.

O UOL consultou cinco especialistas para tentar entender por que a guerra teve início há uma semana, e não antes ou depois deste período, se as tropas russas começaram a se mobilizar na fronteira em novembro de 2021.

"Isso tem a ver com a análise de inteligência, que observa a disposição das tropas em relação às tropas do inimigo e também outros cenários estratégicos, que incluem o tamanho da estrutura do estado russo", explica Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da ESG (Escola Superior de Guerra) e pesquisador sênior do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).

Avanço da Otan sobre antigo território soviético

Um dos principais argumentos da Rússia é de que a invasão foi uma reação ao avanço da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e da aproximação do ocidente com os ucranianos.

"Houve uma estratégia de coerção, ameaça de força, apoio militar, pressão política e diplomática que não surtiu efeito", observa Augusto Teixeira, professor de Ciência Política e Relações Internacionais da UFPB (Universidade Federal da Paraíba).

Mariana Baccarini, também professora de Relações Internacionais da UFPB, aponta que o domínio territorial também é estratégico não só por se tratar de um país que também integrou a União Soviética, mas também por ser o segundo de maior extensão do continente europeu.

"A Ucrânia, nesse sentido, é o segundo maior estado da Europa. Só é menor do que a própria Rússia", pontua Baccarini.

Mapa Rússia invade a Ucrânia - 26.02.2022 - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Enfraquecimento de lideranças

"Um palpite é de que Putin identificou um momento de fraqueza das lideranças do Ocidente, com a baixa popularidade do Joe Biden e do Boris Johnson, e se aproveitou desse momento para iniciar a guerra", diz Rodrigo Ianhez, historiador especialista em União Soviética.

Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden enfrenta o bloqueio de reformas no Congresso e, em um ano de governo, teve queda no índice de aprovação de 55% para 42%. Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, foi alvo de protestos após vir à tona sua participação em festas durante o período mais restritivo de isolamento por causa da covid-19.

Já o presidente francês Emmanuel Macron tenta mediar as relações entre Rússia e Ucrânia, algo que pode afetar sua campanha à reeleição este ano.

Outro fator indicado por uma das especialistas é de que Putin pode ter enxergado uma fraqueza na mobilização de forças de Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano, sobretudo pela demora na reação do Ocidente após a invasão.

"Acredito que a decisão de invadir agora esteja relacionada a informações de inteligência sobre o grau de organização do governo Zelensky, que é relativamente baixo diante de medidas de alistamento militar e de armamento de milícias", afirma Mariana Kalil, professora de geopolítica na ESG.

Olimpíada de Inverno

Segundo o New York Times, um relatório produzido por serviços de inteligência dos EUA e de países europeus aponta que autoridades chinesas pediram à Rússia que aguardasse o fim da Olimpíada de Inverno para invadir a Ucrânia.

Os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, que ocorreram em fevereiro, foram sediados pela China, principal parceira econômica da Rússia.

"Tem uma repercussão negativa para o país hóspede da Olimpíada o início de uma guerra durante um evento desses, que historicamente é de celebração da paz. Então existe essa hipótese de que o Putin pode ter postergado o conflito em virtude de uma solicitação chinesa, para que isso ocorresse após as olimpíadas", observa Augusto Teixeira, da UFPB.

A cada dois anos (durante Olimpíadas e Paralimpíadas de inverno ou de verão) ocorre a "trégua olímpica", na qual os países assinam um tratado concordando em suspender conflitos e garantir a segurança de atletas, dirigentes e civis envolvidos nos eventos. Os russos assinaram o compromisso para os Jogos de Inverno deste ano.

No entanto, o histórico russo aponta para o descumprimento da norma em outras edições. A trégua não impediu que o país invadisse a Geórgia em 2008, durante a Olimpíada de Verão em Pequim, ou que anexasse a Crimeia em 2014, durante os Jogos de Inverno em Sochi, na própria Rússia.

O encerramento da Olimpíada de Inverno ocorreu no dia 20 de fevereiro. Putin anunciou a invasão apenas quatro dias depois, violando o que prevê o tratado — a trégua tem início sete dias antes do início do evento e termina sete dias após o fim da Paralímpiada, que começou na sexta-feira (4) e vai até 13 de março. Isso levou o COI (Comitê Olímpico Internacional) ao inédito movimento de se posicionar contra a Rússia.

"A Rússia conta mais do que nunca com a China para sobreviver ao peso das sanções que se impõem contra ela", diz Teixeira.

Ronaldo Carmona, da ESG e do Cebri, observa que as relações comerciais também são fatores a serem considerados antes de iniciar uma guerra.

"A decisão russa passa pela compreensão do melhor cenário nas mais diversas esferas, não apenas do lado militar, mas também no diplomático e no econômico para deflagrar aquela operação", afirma.

putin - REUTERS/Evgenia Novozhenina/Pool/File Photo - REUTERS/Evgenia Novozhenina/Pool/File Photo
Os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin
Imagem: REUTERS/Evgenia Novozhenina/Pool/File Photo

Inverno ameno na Europa

Dados do programa Copernicus, rede de satélites de observação da Terra gerenciada pela União Europeia, apontam que em janeiro de 2022 a Europa vivenciou um inverno com temperaturas acima da média.

O inverno mais ameno, provocado pelas mudanças climáticas em todo o mundo, é apontado como um dos fatores que explicaria por que a invasão ocorre neste momento. No hemisfério norte, a estação ocorre entre os meses de dezembro e março.

Augusto Teixeira, da UFPB, explica que as topografias de boa parte da Ucrânia e da porção ocidental russa são "basicamente planícies", o que favorece o deslocamento de tropas, tanques e armamentos. Durante o período mais frio, a movimentação acaba facilitada pelo congelamento de rios e lagos, permitindo que as forças cruzem rapidamente trechos complicados.

"Historicamente, essa região foi um corredor de passagem de tropas invasoras contra a Rússia, seja no século 19, com Napoleão Bonaparte, seja com a Alemanha, no Terceiro Reich", diz ele.

O jornal The Telegraph publicou, em janeiro, que o clima foi apontado em relatórios da inteligência dos EUA como um dos indicadores de que Putin não invadiria a Ucrânia antes de fevereiro.

"Demorou para lagos e rios congelarem. Isso leva a um problema na perspectiva de que aquela área demanda modais rodoviários, precisa de um terreno no qual possa projetar força através de veículos com tanques", afirma Teixeira.

Para o historiador Rodrigo Ianhez, a primavera apresenta condições ainda piores para quem deseja atravessar a área com um exército. Isso, na visão dele, justificaria a decisão da Rússia de não esperar mais para invadir a Ucrânia.

"A primavera geralmente é o pior momento para a ofensiva, porque com o gelo derretendo, o solo fica muito enlameado e os grandes veículos blindados tendem a atolar", explica Ianhez.