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Guerra da Rússia-Ucrânia

Notícias do conflito entre Rússia e Ucrânia


Quem está ganhando a guerra? Rússia ou Ucrânia?

10.out.22 - Pessoas fogem de ataques russos em Kiev, capital da Ucrânia, dois dias após bombardeio de ponte da Crimeia - GLEB GARANICH/REUTERS
10.out.22 - Pessoas fogem de ataques russos em Kiev, capital da Ucrânia, dois dias após bombardeio de ponte da Crimeia Imagem: GLEB GARANICH/REUTERS

Larissa Mauricio

Colaboração para o UOL*, em São Paulo

11/10/2022 04h00

Após mais de 200 dias do início da invasão da Ucrânia pela Rússia, a guerra ganhou novos contornos nos últimos dias e parece estar longe do fim e sem definição de quem irá vencê-la.

A capital ucraniana, Kiev, amanheceu sob bombardeiros russos ontem, em resposta do Kremlin ao ataque ocorrido dois dias antes à ponte na Crimeia, que liga a península anexada em 2014 à Rússia.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que os ataques são formas de gerar "pânico e caos", pois os russos "estão sem esperança".

Já Vladimir Putin, presidente da Rússia, subiu o tom das ameaças ao confirmar que os bombardeios em Kiev foram uma reação ao ataque "terrorista" à ponte de Kerch.

A escalada das ameaças de Putin era esperada por analistas internacionais ouvidos pela reportagem, que projetam novas retaliações de Moscou à Ucrânia em meio a um momento crucial para o líder russo reconquistar o apoio popular durante a invasão ao país vizinho.

Quem está ganhando a guerra? Especialistas ouvidos pelo UOL disseram que, atualmente, a Ucrânia tem vantagem em relação à Rússia na guerra.

"Neste momento, não tem como não dizer que a Ucrânia está ganhando", diz Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM-SP.

Ele explica que a ofensiva ucraniana para recuperar as quatro regiões anexadas ilegalmente pela Rússia no final do mês passado — Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhzhia — evidenciou o despreparo do exército de Putin.

"O avanço ucraniano mostra o estado das forças armadas russas: muito mal organizadas, preparadas e comandadas", afirma Rudzit. "A Ucrânia está retomando em semanas territórios que a Rússia levou meses para conquistar, e os russos não estão com capacidade de reverter isso", acrescenta.

Por isso, se começa a levar em consideração um cenário inimaginável, que é a possibilidade de total desestruturação das forças russas, levando a uma deserção em larga escala, e, consequentemente, a derrota total da Rússia e até mesmo retomada da Crimeia.
Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM-SP

Tanguy Baghdadi, mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio, lembra que a Rússia avançou com dificuldade no território ucraniano no início da guerra, e, agora, "bate em retirada".

"A questão principal nesse momento é a moral das tropas", diz Baghdadi. "Existe uma sensação entre os russos de que a situação não está indo bem e isso reflete na opinião pública e na imprensa, mesmo na mais alinhada ao governo Putin."

Ele ressalta que, assim como outros exércitos, as tropas russas não são transparentes sobre sua verdadeira situação. "É muito difícil saber quantos recursos a Rússia tem, se ainda tem suficiente ou não [para prolongar a guerra]."

A situação russa nesse momento é muito difícil e desafiadora, para dizer o mínimo. Tanto é que ela começa a elevar o tom e a falar sobre ameaças nucleares.
Tanguy Baghdadi, mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio

Ruas de Kiev com destroços gerados pelas explosões desta segunda-feira (10); Rússia fez ataques como retaliação a destruição de ponte na Crimeia - Vladyslav Musiienko/REUTERS - Vladyslav Musiienko/REUTERS
Ruas de Kiev com destroços gerados pelas explosões desta segunda-feira (10); Rússia fez ataques como retaliação a destruição de ponte na Crimeia
Imagem: Vladyslav Musiienko/REUTERS

Rússia perde, mas ainda pode ganhar. Apesar da vantagem da Ucrânia, ambos os especialistas afirmam que, do ponto de vista militar, são os russos quem lideram — ou seja, se a guerra terminasse hoje, o Kremlin seria vitorioso.

"Quem está com tropas no território do outro é a Rússia", diz Baghdadi. "O fato é que a Rússia anexou quatro territórios e, apesar de não controlá-los de maneira integral, ainda assim tem uma presença importante na Ucrânia", acrescenta.

Hoje, se a guerra acabar, a Rússia tem vantagem, pois está com tropas em quatro territórios ucranianos. Mas a Ucrânia está construindo a possibilidade de, mais para frente, conseguir uma posição vitoriosa.
Tanguy Baghdadi, mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio

Rudzit avalia que a anexação dos territórios pela Rússia não afeta o avanço das tropas ucranianas para expulsar os invasores e recuperar as quatro regiões, mas alerta para a reação de Putin.

"Já que, agora, oficialmente para a Rússia, estes são territórios russos. Com isso, Putin pode declarar mobilização total, ou pior, usar uma arma nuclear tática como defesa do território russo", diz.

Baghdadi concorda que Putin pode usar a desculpa de defesa dos territórios para aumentar as ameaças nucleares contra a Ucrânia.

"Caso a Ucrânia faça algum tipo de ofensiva maior a essas quatro regiões, isso poderia ser considerado um ataque direto a Rússia e justificaria, portanto, ataques maiores, mais violentos e potencialmente nucleares", afirma o mestre em Relações Internacionais.

Apesar disso, ele avalia que a Ucrânia não está se deixando intimidar. "A Ucrânia sabe que a Rússia não pode usar armas nucleares numa lógica racional porque isso acabaria levando outros países a usarem armas nucleares contra ela também", diz Baghdadi.

Ataques a Kiev expõem fragilidades da Rússia. O professor da ESPM-SP avalia que os ataques recentes da Rússia a Kiev mostram que a pressão sobre Putin aumentou.

"Tanto que ele fez um ataque indiscriminado contra a população ucraniana", afirma Rudzit. "Essa é a mais uma humilhação [para a Rússia], já que, apesar de o governo da Ucrânia não ter reivindicado a autoria da explosão à ponte [da Crimeia], só podem ter sido eles."

[A Ucrânia] conseguiu bombardear uma obra de infraestrutura gigantesca e bilionária, que é o símbolo da ocupação, e era considerada inatingível pelos russos. Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM-SP

08.out.22 - Helicóptero joga água para extinguir tanques de combustível em chamas na ponte de Kerch, no Estreito de Kerch, Crimeia - STRINGER/REUTERS - STRINGER/REUTERS
08.out.22 - Helicóptero joga água para extinguir tanques de combustível em chamas na ponte de Kerch, no Estreito de Kerch, Crimeia
Imagem: STRINGER/REUTERS

Para Baghdadi, o ataque à ponte da Crimeia só fortalece a posição da Ucrânia no conflito, que segue confiante na retomada de seus territórios ocupados.

"A Ucrânia segue como se nada tivesse acontecido, inclusive avançando sobre a região de Lugansk. Isso é algo que já contrariaria aquilo que a Rússia estava dizendo sobre o território ser dela. A Ucrânia não parou o avanço", afirma o especialista.

"[Os ataques em Kiev] deixam Putin mais fragilizado politicamente", ressalta Rudzit. "Não à toa, ele trocou o comandante militar. Isso admite que militarmente as coisas estão ruins. Trocar o comandante militar durante uma guerra é sinal de que estão indo muito mal", acrescenta.

Poucas horas depois do ataque à ponte da Crimeia, o presidente russo decidiu mudar o comando das forças que atuam na invasão à Ucrânia. Agora, o general Sergei Surovikin, da Força Aérea, está no comando das forças russas no território vizinho.

O que deve acontecer de agora em diante? Para os dois especialistas, é difícil projetar o que deve acontecer daqui para a frente na guerra na Ucrânia.

Rudzit analisa que a maior dificuldade é predizer os próximos passos do Kremlin. "Os ucranianos tentarão explorar ao máximo esse avanço antes do inverno [no hemisfério Norte] chegar", afirma.

Baghdadi avalia que a Rússia deve aumentar as ameaças nucleares e, talvez, fazer novas convocações de reservistas. "A Rússia não pode se dar ao luxo de perder essa guerra. Esse é o pensamento do Putin: essa guerra é para ser vencida de qualquer forma", diz.

"A Ucrânia vai tentar aproveitar o bom momento para avançar o máximo que puder sobre os territórios [ocupados] porque isso aumenta a moral das tropas e o apoio [internacional] também", completa.

*Com informações da AFP, Reuters e RFI