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Terrorismo do tipo "faça você mesmo" ganha apoio em instruções online

Scott Shane

Em Washington (EUA)

07/05/2013 06h00

Há anos que os propagandistas da Al Qaeda, conscientes que os esforços norte-americanos de combate ao terrorismo se intensificaram e tornaram um plano ao estilo de 11 de setembro muito ambicioso, pedem aos seus devotos nos EUA para executarem ataques solitários em menor escala e, para tanto, fornecem instruções online.

“Fortemente recomendo a todos os irmãos e irmãs do Ocidente a pensarem em atacar os EUA em seu próprio quintal”, escreveu Samir Khan, americano que entrou para o braço iemenita da Al Qaeda e emergiu como defensor fervoroso do terrorismo feito em casa, ao estilo “faça você mesmo”, antes de ser morto em um ataque americano por uma sonda não tripulada em setembro de 2011.

“O efeito é muito maior e sempre embaraça o inimigo. Além disso, esse tipo de ataque individual é quase impossível para eles impedirem”, escreveu Khan na internet.

O atentado à Maratona de Boston –que as autoridades acreditam ter sido executado de acordo com as instruções postadas por Khan online-- oferece um exemplo desconcertante de quão devastador pode ser esse tipo de ataque, mesmo que o número de mortos seja baixo. O atentado mostra como os terroristas podem montar bombas poderosas sem chamarem a atenção e oferece uma oportunidade para estudar a mistura complexa de personalidade e ideologia que opera em atos de violência extremista. E levanta uma pergunta importante: há alguma forma de detectar os conspiradores antes de eles agirem?

O ataque à maratona matou três pessoas, enquanto os de 2001 mataram 3.000, mas obteve um impacto espetacular na mídia, algo que os terroristas ambicionam, frustrando uma instituição americana com a transmissão de ferimentos repulsivos e de multidões em pânico. As autoridades estão com medo que isso inspire outros.

O caso de Boston continua sendo investigado, e alguns fatos o separam de outros atentados domésticos. Os agentes do FBI ainda estão estudando se Tamerlan Tsarnaev, 26, que teria executado o ataque com seu irmão mais novo, Dzhokhar, 19, recebeu treinamento em sua visita de seis meses no ano passado ao turbulento Daguestão, no sul da Rússia. Agências de inteligência estão avaliando se as duas advertências recebidas da Rússia sobre o irmão mais velho em 2011 foram adequadamente encaminhadas.

Em uma entrevista coletiva na terça-feira, o presidente Barack Obama sugeriu que os irmãos haviam agido sozinhos, dizendo que “um dos perigos que hoje enfrentamos são indivíduos que se tornam radicais já estando aqui nos Estados Unidos”. Obama disse que planos desse tipo “são, de algumas formas, mais difíceis de impedir”.

Até agora, acredita-se que os Tsarnaev foram radicalizados e instruídos sobre explosivos não em um campo de treinamento, mas em casa, pela internet. Suas bombas foram feitas a partir de itens baratos do dia a dia, cuja compra não gera alarme: panelas de pressão, pregos e bilhas, pólvora de fogos de artifício e controles remotos de brinquedos. Ao escolherem um evento ao ar livre, garantiram a ausência de portões, detectores de metais ou inspeções de segurança.

Em outras palavras, como disse Dzhokhar aos investigadores, eles seguiram o roteiro da revista Inspire, que Khan publicava no Iêmen junto com seu mentor, o clérigo Anwar Al-Awlaki, que foi morto no mesmo ataque por sonda não tripulada no dia 30 de setembro de 2011. Os sermões incendiários de Al-Awlaki e os artigos de treinamento de Khan sobreviveram na internet, onde os irmãos os encontraram.


Apenas um mês antes do ataque de Boston, o braço da Al Qaeda no Iêmen postou na rede o “Lone Mujahid Pocketbook” (em tradução livre: “livro de bolso do mujahid solitário”), uma compilação de todos os artigos de “faça você mesmo” em um inglês animado, com gráficos de alta qualidade e grafia amigável a adolescentes.

Perguntas sem resposta

  • O atentado a bomba na Maratona de Boston matou três pessoas e deixou mais de 200 feridos. Dois irmãos de origem tchetchena, Tamerlan e Dzhokhar Tsarnaev, são os principais suspeitos de terem promovido os ataques. Um deles morreu em tiroteio com a polícia, o outro está sob custódia

“Sonhando em travar ataques jihadis contra os kuffars?”, pergunta o manual na página 64, usando um termo pejorativo para os infiéis. “Tá procurando um jeito de entrar pra uma frente dos mujahideen, mas não achou nenhuma? Bem, cê não precisa ir ao exterior, porque a frente vai até você”.

Algumas ideias do manual parecem tolas –como jogar óleo na estrada para causar acidentes de automóvel ou soldar lâminas a uma caminhonete e avançar na multidão. Mas especialistas dizem que as instruções para fazer bombas são bem precisas. O ataque de Boston parece ter seguido as dicas da Inspire: pólvora de fogos de artifício, estilhaços colados dentro de uma panela de pressão, um controle remoto comercial como detonador.

“A panela de pressão deve ser colocada em uma área movimentada e ali abandonada”, diz o manual. “Mais de uma pode ser plantada, para que explodam ao mesmo tempo”.

Philip Mudd, que foi membro das equipes de combate ao terrorismo do FBI e da CIA, disse que a notícia de Boston não chocou aqueles que revisam a compilação diária dos relatórios de inteligência sobre terrorismo. “Como todos que estudam a rede de ameaças todos os dias, fiquei surpreso por isso não ter acontecido antes.”.

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A ausência de sofisticação dos irmãos foi o que chamou a atenção de Mudd, já que eles não fizeram qualquer tentativa de esconder ou despistar seus rostos.

“São garotos revoltados, com um verniz de ideologia que não passa da profundidade da pele.” Mudd disse que os irmãos devem ter tanto em comum com terroristas de ideologias totalmente diferentes –como supremacistas brancos ou extremistas contra o governo-- do que com os agentes da Al Qaeda que organizaram os ataques de 11 de setembro.

Saiba mais sobre os russos suspeitos dos ataques em Boston

  • Os dois suspeitos apontados pelo FBI como responsáveis pelas explosões da Maratona de Boston foram identificados como sendo os irmãos Dzhokhar A. Tsarnaev (à dir.),19, preso pela polícia, e Tamerlan Tsarnaev, 26, morto após tiroteio. Os dois são russos, provenientes de uma região próxima à Tchetchênia, e residentes legais nos Estados Unidos há no mínimo um ano.

Ronald Schouten, psiquiatra de Harvard que estuda o terrorismo, vê nos relatórios sobre Tamerlan Tsarnaev o que pode ser um retrato clássico de um homem vulnerável ao recrutamento extremista. Ele fracassou em seu sonho de se tornar boxeador olímpico e largou a escola, desapontando a família e a si próprio.

“Aqueles que fracassam”, disse Schouten, “algumas vezes se apegam a uma causa para dar legitimidade à sua revolta”.

Nos últimos anos, os propagandistas da Al Qaeda “fizeram um esforço particular para recrutar jovens solitários que buscam uma causa”, disse Jerrold Post, ex-psiquiatra da CIA que hoje é professor da Universidade George Washington e autor de “The Mind of a Terrorist” (em tradução livre, “A mente de um terrorista”).

Ele aponta, entre outros, para o major Nidal Hasan, psiquiatra do Exército acusado de atirar contra 13 pessoas em Fort Hood, no Texas, em 2009. Hasan foi usado como exemplo em um vídeo de duas partes lançado pelo grupo central da Al Qaeda no Paquistão, em junho de 2011, chamado “Você só é responsável por si mesmo”, exortando os muçulmanos no Ocidente a fazerem ataques sem esperar por estrangeiros.

Não há um consenso sobre qual seria a melhor forma de detectar tais ataques domésticos. Algumas autoridades policiais dizem que o caso de Boston comprova sua estratégia agressiva de despachar informantes que se fingem de agentes da Al Qaeda para se encontrarem com jovens que estão flertando com a jihad violenta. Essas operações terminam, muitas vezes, quando o aspirante a terrorista tenta detonar uma bomba falsa fornecida pelo FBI.

Alguns ativistas muçulmanos dizem que a identificação de pessoas potencialmente violentas exige um relacionamento próximo e de confiança entre a polícia e a comunidade muçulmana, que é minado quando os informantes invadem a mesquita e forçam os jovens impressionáveis a falarem de terrorismo.

Se tal confiança prevalecesse em Boston, dizem eles, talvez Tamerlan Tsarnaev tivesse recebido mais atenção depois de dois acessos de raiva que teve em uma mesquita de Boston, quando denunciou os clérigos pelas referências ao Dia de Ação de Graças e ao reverendo Martin Luther King Jr como contrárias ao islã. O acesso, dizem eles, poderia ter levado os líderes comunitários a buscarem a polícia.

John D. Cohen, alto assessor de combate ao terrorismo do Departamento de Segurança da Pátria, disse que o departamento estava estudando os elementos comuns dos perfis psicológicos e de comportamento das pessoas que planejavam ataques –independentemente de sua ideologia ou motivação. Trabalhando junto com grupos religiosos e comunitários e policiais locais, as autoridades querem identificar sinais de perigo iminente e encontrar formas de intervir.

Michael German, porém, ex-agente do FBI que hoje leciona na universidade, disse que o problema em focar em indivíduos com opiniões extremistas é que a vasta maioria das pessoas que as expressam nunca se volta para a violência. Em vez disso, o governo deveria se focar nas pessoas que cometem atos ilegais, disse ele.

Na advertência russa de 2011 sobre Tamerlan Tsarnaev, o ponto chave não era que ele tinha adotado o islamismo radical, disse German, mas que ele planejava viajar para a Rússia para se unir a grupos subversivos –potencialmente um ato ilegal de apoio para uma organização terrorista. Mas apesar de um oficial da alfândega ter recebido uma mensagem sobre o plano de Tsarnaev de voar para a Rússia, não houve acompanhamento algum.

Por fim, alguns especialistas se perguntam se teria sido possível saber antes que os irmãos estavam montando bombas. Em 2011, Naser Jason Abdo, um soldado do exército americano, pôs-se a montar as bombas de panelas de pressão descritas pela revista Inspire. Abdo foi preso por causa de um erro grave: ele tentou comprar explosivos na mesma loja de armamentos, perto de Fort Hood, que o Major Hasan havia frequentado em 2009. Um balconista suspeitou.

Já os Tsarnaev pegaram sua pólvora de fogos de artifício, inclusive alguns comprados na Phantom Fireworks em New Hampshire. William Weimer, vice-presidente da loja, disse que o episódio havia levado a empresa a pedir ao Departamento de Polícia de Nova York treinamento para seu pessoal de vendas.

“Obviamente que a indústria está em alvoroço com isso”, disse Weimer. Mas não havia nada sobre Tsarnaev que o identificasse como perigoso, disse ele.

“Ele entrou e pediu: ‘Qual é a coisa mais forte que vocês têm?’”, disse Weimer. “Isso poderia gerar suspeitas, mas 90% das pessoas que entram, especialmente os homens, perguntam: ‘Qual é a coisa mais barulhenta que vocês têm? Qual é a mais forte?‘”