Topo

Opinião: irmãos Tsarnaev podem ser representantes de uma nova geração de terroristas?

 Da esquerda para a direita: Tamerlan Tsarnaev, 26, que  morreu durante troca de tiros com a polícia de Boston. Na sequência, Dzhokhar Tsarnaev, 19, capturado pelos policiais  durante perseguição. Os irmãos são suspeitos de atentado em Boston, que deixou três pessoas mortas e mais de 170 feridos - The Lowell Sun / Robin Young/AP
Da esquerda para a direita: Tamerlan Tsarnaev, 26, que morreu durante troca de tiros com a polícia de Boston. Na sequência, Dzhokhar Tsarnaev, 19, capturado pelos policiais durante perseguição. Os irmãos são suspeitos de atentado em Boston, que deixou três pessoas mortas e mais de 170 feridos Imagem: The Lowell Sun / Robin Young/AP

Do Der Spiegel

Gregor Peter Schmitz

23/04/2013 06h00

Quando os norte-americanos são obrigados a viver com medo, como eles novamente tiveram de fazer durante esses dias de terror em Boston, eles geralmente se confortam com o pensamento de que viver escondido em cavernas é para terroristas e que eles, por outro lado, não tem de se esconder. Essas palavras podiam ser ouvidas quando a sensação de alívio coletivo se apossou de todos após a captura do suspeito Dzhokhar Tsarnaev, 19, enquanto a cidade inteira entoava “Boston Strong” como um mantra.   

Perguntas sem resposta

  • O atentado a bomba na Maratona de Boston matou três pessoas e deixou mais de 200 feridos. Dois irmãos de origem tchetchena, Tamerlan e Dzhokhar Tsarnaev, são os principais suspeitos de terem promovido os ataques. Um deles morreu em tiroteio com a polícia, o outro está sob custódia

Mas, enquanto os norte-americanos conheciam mais detalhes sobre os irmãos Tsarnaev, esses argumentos começavam a desmoronar, pois Dzhokhar Tsarnaev, junto com seu irmão Tamerlan, os suspeitos de serem os responsáveis pelo atentado na maratona de Boston, não eram homens das cavernas. Dzhokhar não usa a barba típica dos integrantes do Taleban. Ele aparentemente não sonha com virgens no paraíso e informações chegam a sugerir que ele tinha uma namorada nos Estados Unidos.

Tsarnaev até morava em uma cobertura – que poderia ser tida como a personificação do sonho americano – na cidade universitária de Cambridge. Nascido na Thetchênia, Dzhokhar frequentava uma das melhores escolas do país, localizada em Cambridge e em cujas classes se formaram estrelas de cinema como Matt Damon e Ben Affleck. Muitos dos que frequentaram essa escola foram para Harvard ou para o MIT (Massachusetts Institute of Technology), que fica bem perto dali.

Dzhokhar Tsarnaev até recebeu uma bolsa de estudos e, em uma página da internet, assinalou que “carreira” e “dinheiro” eram seu objetivos de vida. Ela fala inglês quase sem sotaque. Ele fumava maconha, bebia álcool, gostava de rap e, em sua formatura, posou orgulhosamente para uma foto vestido com sua beca, à qual afixou flor vermelha. Enquanto os EUA procuravam pelos responsáveis pelo atentado de Boston, ele calmamente participou de uma festa em sua faculdade. Tsarnaev era um “All-American Boy”, segundo dizem seus amigos, alguém que estava a caminho de se transformar em uma história de sucesso americana, independentemente dos problemas de seus irmãos mais velhos. E, ainda assim, no final das contas, esse estudante promissor se tornou um assassino capaz de colocar uma mochila com uma bomba no meio de uma multidão.

Esse tipo de transformação chega a ser mais perturbadora do que o ódio de um homem como Osama bin Laden. Os norte-americanos há muito acreditam que foram mais bem-sucedidos em integrar os muçulmanos a sua sociedade do que os europeus. Em princípio, isso é verdade. O que os americanos costumavam temer era que os terroristas “adormecidos” pudessem ser contrabandeados para dentro de seu país. Eles tinham menos receio de que os muçulmanos que vivem em meio a sua população de repente começassem a se voltar contra seus compatriotas. Eles continuaram acreditando que o apelo do sonho americano seria suficiente para evitar esse tipo de tragédia. Porque, os norte-americanos pareciam se perguntar, uma pessoa que vive na terra da oportunidade planejaria um pesadelo americano?     

“Eu não tenho nenhum amigo americano”       

Mas o irmão de Dzhokhar, que tinha 26 anos, se sentia tão alienado – apesar de ter uma mulher, um filho e sucesso como boxeador – que escreveu:. “Eu não tenho nenhum amigo americano. Eu não entendo os americanos”.

Em retrospecto, os norte-americanos provavelmente deveriam ter detectado antes que sua fé em sua capacidade de integrar os imigrantes com sucesso não era tão infalível quanto eles costumavam acreditar. Faisal Shahzad, paquistanês que tentou detonar uma bomba na Times Square em 2010, obteve cidadania norte-americana pouco antes do incidente. Nidal Malik Hasan, que matou 13 pessoas a tiros na base militar de Fort Hood, no Texas, um ano antes, chegou a trabalhar como psiquiatra do exército dos EUA. Em seu romance, “The Reluctant Fundamentalist” (“O Fundamentalista Relutante”, em tradução livre), o autor Mohsin Hamid descreve um bem- sucedido banqueiro de Wall Street com raízes paquistanesas que lentamente se transforma em um radical islâmico após os atentados de 11 de setembro de 2001. A conclusão de Hamid é que mesmo aqueles que alcançam o sucesso ainda se sentem excluídos da sociedade norte-americana – e que o terrorismo não é domínio exclusivo das pessoas sem perspectivas.

Vídeos do YouTube e tweets não são suficientes para explicar o quão nítido era esse tipo de pensamento na mente dos terroristas de Boston. Mas, na era da internet, as ideias extremistas também são capazes de influenciar os muçulmanos norte-americanos que, na superfície, parecem ser perfeitamente integrados. “Os muçulmanos que vivem nos EUA são mais resistentes, mas não são imunes à mensagem dos radicais”, publicou o jornal “Wall Street Journal” com base em um documento divulgado em 2007 pelo Departamento de Polícia de Nova York.   

Captura nos EUA teve câmera especial e robô; reveja

Uma nova geração de terroristas?

Anne Applebaum, colunista do jornal “Washington Post”, por sua vez, vê uma nova geração de terroristas que têm mais em comum com os desiludidos muçulmanos europeus que provocaram as mortes em Madrid ou em Londres –apesar de terem crescido nesses locais. “Bem-educados e criados na Europa, esses jovens, no entanto, se sentiam fora de lugar na Europa”, escreveu ela. “Incapazes de se integrar, alguns recorreram a uma pátria semiesquecida, semi-mitológica em busca de uma identidade mais firme e mais feroz”.

Será que os irmãos Tsarnaev também estavam em busca desse tipo de identidade? Durante 2012, o irmão mais velho passou seis meses no Daguestão, onde supostamente se transformou em um radical. Apesar de eles não terem noção sobre o dia a dia no país de origem de sua família, os irmãos pareciam identificar cada vez mais a Tchetchênia como sua verdadeira terra natal. A partir dos eventos recentes, começaram a aumentar os pedidos de monitoramento mais rigoroso para a população muçulmana que vive nos EUA. Mas teríamos um debate mais proveitoso se nos perguntássemos se essa população realmente se sente em casa nos Estados Unidos.