Topo

Demóstenes nega relação com jogos ilegais, se diz traído por Cachoeira e recorre a Deus

Demóstenes Torres nega ter defendido interesses de Cachoeira e lobby em favor da Delta - Wilson Dias/ABr
Demóstenes Torres nega ter defendido interesses de Cachoeira e lobby em favor da Delta Imagem: Wilson Dias/ABr

Do UOL*, em Brasília e em São Paulo

29/05/2012 15h25Atualizada em 29/05/2012 18h59

Em depoimento ao Conselho de Ética do Senado nesta terça-feira (29), o senador Demóstenes Torres (sem partido, ex-DEM-GO) negou todas as acusações de envolvimento em esquemas de corrupção envolvendo o jogo ilegal. Além de comentar diversos pontos do inquérito da Polícia Federal que deu origem às operações Monte Carlo e Vegas, o parlamentar mencionou várias reportagens de jornais, dando sua versão para cada uma delas.

Sem citar o nome do bicheiro Carlinhos Cachoeira, o parlamentar admitiu a amizade com o contraventor, negou ter ficado com 30% do dinheiro da jogatina ilegal em Goiás, contestando o inquérito da PF. O senador negou ainda ter recebido R$ 1 milhão ou R$ 3 milhões do bicheiro e afirmou não saber das irregularidades cometidas por Cachoeira.

Segundo Demóstenes, a sua ligação com Cachoeira se deu antes de ser tornado público o envolvimento do empresário com irregularidades. "Hoje se sabe o que foi divulgado [sobre o envolvimento de Cachoeira com esquemas de corrupção]. Naquela época, o senhor Cachoeira andava no meio de todos nós em Goiás, ele tinha relacionamento com cinco governadores e vários parlamentares", disse o parlamentar.

"O que eu sabia naquele momento é que eu me relacionava com um empresário, que se relacionava com outros cinco governadores, dezenas de parlamentares, dezenas de outros empresários. Reafirmo que tinha amizade com ele, sim", completou.

Ao comentar a ligação telefônica na qual aparece informando Cachoeira sobre uma suposta operação da Polícia e do Ministério Público contra o jogo ilegal, o senador disse que tentou "jogar um verde", isto é, enganar o bicheiro. A ideia, afirmou Demóstenes, era saber se Cachoeira continuava envolvido em jogos de azar.

Traição

Após falar por mais de duas horas, Demóstenes passou a responder a perguntas do relator do processo por quebra de decoro parlamentar. Questionado pelo senador Humberto Costa (PT-PE), Demóstenes disse que foi traído por Cachoeira e que não sabia das ilegalidades cometidas pelo bicheiro.

"Acho que sim [me senti traído e decepcionado]. Acho que todo mundo que se relacionou com ele se sentiu assim [e não tinha conhecimento das atividades ilícitas]. Ficamos na pior situação do mundo", afirmou o senador.

Nextel

O senador também abordou o rádio Nextel que recebeu de Cachoeira. Segundo a Polícia Federal, o aparelho foi dado para que as conversas entre eles não fossem interceptadas.

No depoimento, o senador confirmou que Cachoeira lhe deu um aparelho Nextel e também pagava a conta, que segundo ele nunca ultrapassou R$ 50. "Não tinha lanterna na popa e não tinha como adivinhar que o rádio era utilizado para outras atividades", disse Demóstenes, que afirmou que utilizava o aparelho para uso pessoal.

"Falava nos Estados Unidos, na Argentina, no Brasil, e falava com muitas outras pessoas", afirmou. Ele disse desconhecer que Cachoeira havia dado presente semelhante a outras pessoas. "Não podia imaginar jamais que 40 outras pessoas tinham esses rádios."

Além disso, Demóstenes disse que o bicheiro também pagou os fogos de artifício usados na formatura de sua mulher e um aparelho de som para o seu escritório, mas que nunca foi entregue.

Delta

Entre outras acusações, Demóstenes comentou o relatório do Ministério Público Federal que diz haver evidências de que o senador atuava como "sócio oculto" da Delta Construções. 

Ligação com a Delta

O sócio oculto da Delta, se tem, não sou eu. Procurem com uma lupa maior.

Senador Demóstenes Torres (sem partido, ex-DEM-GO)

"No dia 19 de abril de 2012, em entrevista à jornalista Monica Bergamo, o [empresário e dono da Delta] Fernando Cavendish diz que nunca me viu. Como é que eu posso ser sócio de alguém que eu não conheço?" Demóstenes disse ao Conselho que há uma campanha para "destruí-lo", ao colocá-lo como sócio da empresa. "O sócio oculto da Delta, se tem, não sou eu. Procurem com uma lupa maior."

Demóstenes ainda negou ter participado de uma reunião na Delta, embora tenha admitido que visitou a empresa em duas ocasiões, uma delas para devolver um iPad.

Desde 2007, a Delta é líder em repasses de recursos da União, principalmente por tocar obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Escutas e relatório do MPF apontam que Demóstenes usou o cargo para negociar um projeto de R$ 8 milhões em favor da empresa.

Entenda as suspeitas envolvendo Demóstenes Torres

Outras relações

O senador afirmou que, além da amizade com Cachoeira, mantinha contato com o sargento da Aeronáutica Idalberto Matias de Araújo, mais conhecido como Dadá, mas negou ser amigo do militar. Dadá é apontado pelo MPF como o membro do grupo que levantava informações sigilosas para Cachoeira

Nas palavras de Demóstenes, ele era um “homem de informações, um sujeito que tem informações e é fonte de jornalistas, do Ministério Público e membros de outros lugares”. 

O parlamentar negou que Dadá fosse o autor de grampos e disse que o relator não tem provas para falar sobre este assunto. "Isso são suposições que vossa excelência está levantando. Vossa excelência não tem base para fazer essa pergunta", disse, em resposta a Humberto Costa.

Sobre seu envolvimento com Gleib Ferreira da Cruz, funcionário de Cachoeira, o senador disse que o viu apenas duas vezes, quando recebeu dele parte de um equipamento de som que tinha comprado. Ele negou que tivesse recebido R$ 20 mil de Gleib --segundo Cachoeira, esta história é mentira. Demóstenes afirmou ao Conselho que encontrou Gleib apenas para receber dele seis taças de vinho, na véspera de seu casamento.

O senador contou que usou aviões de empresários em viagens --mas nenhum de Cachoeira-- , confirmou encontros com ministros para discutir temas que ele julgava "relevantes" e disse ter conseguido empregos "para muita gente".

"Jamais procurei qualquer senador dessa legislatura para discutir legalização de jogos", disse ele, negando ter exercido tráfico de influência a favor do bicheiro e que apenas que deu informações a Cachoeira sobre o assunto. No depoimento, ele reafirmou o argumento de que “não é quebra de decoro dar informação do que quer que seja”. “Tanto é que o projeto não andou”, completou.

Demóstenes reafirmou que conheceu e encontrou "pouquíssimas" vezes um dos sócios de Cachoeira em negócios na Argentina, Roberto Coppola. “Lá [na Argentina], o jogo é legal”, disse o senador.

Coppola pediu a Demóstenes que entrasse em contato com o governo de Santa Catarina para saber mais informações sobre a legalização de jogos lotéricos naquele Estado. Demóstenes interveio a um secretário [do governo de SC], que tentou contato com o vice-governador de SC. “Não sei se isso foi adiante ou não”, disse o senador.

Sobre a ajuda a “muitas pessoas” para conseguir emprego, Demóstenes Torres confirmou que pediu ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) para contratar uma prima do bicheiro Carlinhos Cachoeira, a quem pediu desculpas durante sua fala no Conselho de Ética. “Como eu disse, não tinha naquele momento a dimensão do que estava acontecendo (...). Naquela época, o senhor Cachoeira andava no meio de todos nós”, afirma o parlamentar goiano.

Gilmar Mendes

Demóstenes também afirmou que procurou os ministros Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e Luiz Fux, à época do STJ (Superior Tribunal de Justiça), para tratar de assuntos que julgava importante, e não para exercer influência nas decisões.

Sobre o encontro com o ministro Gilmar Mendes, em Berlim, Demóstenes disse que ambos estavam em cidades diferentes na Europa e decidiram se encontrar na capital alemã, onde mora a filha de Mendes. Ele chamou a repercussão do encontro de "história maliciosa".

Com relação ao ministro Mauro Campbell, do STJ, citado em reportagem do jornal "O Globo", o senador goiano confirmou que pediu para ele que desse preferência a alguns julgamentos e que isso “é uma coisa que acontece muito”.

Um desses pedidos teria ocorrido em junho do ano passado, para anular o processo contra Amilton Batista Faria, presidente da Câmara de Vereadores de Anápolis e aliado de Cachoeira.

Deus e depressão

Dizendo-se vítima de um massacre político, Demóstenes recorreu à religião para descrever sua situação. "Redescobri Deus. Se eu cheguei até aqui, é porque readquiri a fé”, afirmou. “Vivo o pior momento da minha vida. Pensei nas piores coisas, pensei em renunciar", disse o senador, que também afirmou estar sofrendo de depressão desde o início das denúncias. "Estou tomando remédio para dormir, mas não está surtindo efeito."

O ex-democrata se disse vítima do "maior massacre já orquestrado na história do país" contra um político.

O senador Aníbal Diniz (PT-AC) foi o único dos parlamentares que tentou tocar emocionalmente o senador Demóstenes, questionando sobre sua fé, sua estratégia de defesa e se a crise em torno dele diminuirá a "postura arrogante" contrária ao atual governo petista da presidente Dilma Rousseff, e ainda reduzir a voz da oposição como um todo.

“Não tem estratégia, senador. A verdade prevalece. Os senhores vão acreditar no que quiserem. São homens tarimbados”, afirmou. "Eu sou um carola”, disse Demóstenes.

Conselho de Ética

O Conselho de Ética é presidido pelo senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) e tem como relator o senador Humberto Costa (PT-PE). Demóstenes é acusado de mentir aos colegas por ter negado na tribuna que tinha relações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e busca provar que desconhecia os negócios do amigo. Devido às acusações, ele deixou seu partido, o Democratas, para não ser expulso.

A operação Monte Carlo, da Polícia Federal, levantou informações que colocam Demóstenes como braço político dos negócios de Cachoeira, também apontado como sócio oculto da construtora Delta na mesma investigação.

O relator do processo de Demóstenes, Humberto Costa (PT-PE), voltou a afirmar nesta terça-feira (29) que pretende colocar em votação o seu relatório final até o meio de junho e, antes recesso parlamentar de julho, pretende levar o assunto para plenário para votação de todos os senadores sobre o pedido de cassação de Demóstenes Torres por quebra de decoro parlamentar.

CPI do Cachoeira

Ao final da reunião do Conselho de Ética, o advogado de Torres, Antonio Carlos de Almeida Castro, mais conhecido como Kakay, avaliou que a fala de seu cliente “foi extremamente positiva” e que não deixou nenhuma pergunta dos senadores sem resposta .

O advogado afirmou que o senador "não mentiu" e que ele foi enganado por Cachoeira. A defesa do parlamentar também aguarda do Supremo Tribunal Federal uma decisão sobre a validade do conteúdo dos grampos telefônicos feitos pela Polícia Federal, que, segundo os especialistas contratados pelo senador, seriam editados.

“Tendo em vista o fato dele já ter prestado esclarecimentos hoje [no Conselho de Ética], é desnecessário ele vir à CPI, mas eu vou conversar e vamos tomar esta decisão”, afirmou Castro.

(*Com informações de Andréia Martins, Camila Campanerut, Fabrício Calado, Gabriela Fujita, Guilherme Balza e Maurício Savarese)