Lula diz a Moro que desistiu do tríplex ao vê-lo pela 1ª vez e que não sabia da 2ª visita de Marisa
Em seu primeiro depoimento presencial na Justiça Federal do Paraná em um dos processos no qual é réu na Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que desistiu da compra do tríplex já na primeira vez em que visitou o imóvel, em fevereiro de 2014, e que nunca "solicitou" ou "recebeu" a unidade no Guarujá.
"Foi isso. E [vou] repetir o que falei aqui três vezes: nunca solicitei e nunca recebi apartamento. Eu imaginei, ou imagino, que o Ministério Público na hora que for falar vá apresentar as provas. Ele [o Ministério Público] deve ter pelo menos algum documento que prove o direito jurídico de propriedade para poder dizer que é meu o apartamento", afirmou o ex-presidente diante do juiz federal da primeira instância, Sergio Moro.
Moro, responsável pela Operação Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, então pergunta a Lula o que justificaria uma segunda visita da mulher do ex-presidente, Marisa Letícia (já falecida), ao apartamento em agosto daquele mesmo ano. Marisa morreu em fevereiro deste ano.
Lula responde que ele só soube posteriormente dessa visita da ex-primeira-dama ao tríplex, quando ela mencionou o assunto "10 a 15 dias" depois. "Eu nem sabia que tinha tido a visita. Eu não sei se o senhor tem mulher, mas nem sempre elas perguntam pra gente o que vão fazer", disse Lula.
"Falei na outra pergunta [do juiz] que ela me relatou [a segunda visita] e disse que não tinha gostado [do apartamento]", disse. "Ela já sabia que eu não queria o apartamento", afirmou Lula.
Segundo Lula, o apartamento estava no nome da sua mulher, Marisa Letícia. "Doutor, vou repetir, o apartamento estava no nome da minha mulher. Eu tinha dito em fevereiro que não queria o apartamento. Ela certamente pensava, qualquer coisa, em fazer negócios se fosse ficar com o apartamento”, disse o ex-presidente.
Moro apresenta a Lula uma proposta de adesão assinada por Marisa Letícia. O magistrado questiona a razão do documento estar rasurado com o número do apartamento, que originalmente pertencia a ex-primeira dama, sobre o número do tríplex. "Foi colocado sobre o número 174 o número 141. Quem rasurou? O senhor tem conhecimento dessa rasura e dessa proposta?", indagou. O petista diz desconhecer tanto a razão da rasura quanto o documento.
Durante o interrogatório, o ex-presidente se mostrou surpreso quando Moro apresentou um documento contendo um compromisso de pedido de demissão de Marisa do quadro de sócio da Bancoop, que depois veio a ser o condomínio Solaris, datado de 2009 e assinado por ela.
"Não tenho o menor conhecimento desse documento", disse Lula. "Eu ouvi falar desse apartamento em 2005 quando comprou [a cota]. E fui voltar a ouvir falar do apartamento em 2013, ou seja, há um interregno de discutir este apartamento da minha parte de 2005 a 2013, ninguém nunca conversou comigo, eu não sabia que esse apartamento estava na OAS", complementou.
Nesse momento, o ex-presidente fez um pedido ao juiz. "Só queria doutor Moro, pedir uma coisa, é muito difícil para mim, toda hora que o senhor cita minha mulher sem ela poder estar aqui para se defender, é muito difícil", disse. "Eu não estou acusando ela de nada", respondeu Moro.
"Eu sei que o senhor não está acusando, mas é que o senhor pergunta coisa se eu vi, se eu não vi", prosseguiu o petista. "É que o documento está assinado por ela, infelizmente", rebateu o magistrado. "É uma pena que uma das causas que ela morreu foi a pressão que ela sofreu, então eu não quero nem discutir isso, doutor", concluiu Lula.
Lula afirmou que nunca discutiu valores de reforma com o presidente da OAS, Léo Pinheiro, e que nunca soube se Marisa Letícia o havia feito. “Não relatou sobre as reformas. E lamentavelmente ela não está viva para perguntar”, disse.
Em outros trechos do depoimento, o ex-presidente buscou negar a intenção de residir ou possuir o imóvel. "Eu coloquei 500 defeitos no apartamento", disse Lula. “Quando eu fui ao apartamento eu percebi que aquele apartamento era praticamente inutilizável por mim pelo fato de eu ser uma figura pública e eu só poderia ir naquela praia ou na segunda-feira ou na Quarta-feira de Cinzas".
Lula reforçou em outros momentos o desinteresse da família pelo imóvel. "Dona Marisa não gostava de praia", disse Lula, complementando que “certamente ela queria [o apartamento] para fazer investimento."
Ao ser perguntado por Moro se o casal avisou à empreiteira que não ficaria com o apartamento, o ex-presidente disse que não. "Eu não ia ficar com o apartamento, mas dona Marisa ainda tinha dúvidas se valia o investimento."
Moro então questionou se Lula sabia por que a OAS continuou com as reformas no imóvel, instalando inclusive um elevador privativo, após agosto de 2014.
"Porque certamente a OAS queria vender o apartamento. E eu acho que ela queria vender de brincadeira [...] Ao mesmo tempo em que ela [a empreiteira] diz que o apartamento era reservado para mim, eu vi aqui depoimento dizendo, ela colocou esse apartamento como hipoteca em vários momentos da sua transação", declarou o ex-presidente.
Lula diz que delatar virou alvará de soltura; Moro ironiza: "conspiração?"
“Aqui na sua sala tiveram 73 testemunhas, grande parte de acusação do Ministério Público. E nenhuma me acusou. O que aconteceu nos últimos 30 dias, doutor Moro, vai passar para a história como 'o mês Lula’”, disse o petista.
“Porque foi o mês em que vocês trabalharam, sobretudo o Ministério Público, para trazer todo mundo para falar uma senha chamada Lula. O objetivo era dizer Lula. Se não dissesse Lula, não valia”, continuou.
“O senhor entende que existe uma conspiração?”, perguntou então Moro.
“Não, não, eu não. Eu entendo e acompanho pela imprensa que pessoas como o Léo Pinheiro estão já há algum tempo querendo fazer delação”, disse o ex-presidente. “Então delatar virou na verdade quase que o alvará de soltura dessa gente. O contexto está baseado num Power Point mal feito, mentiroso da Operação Lava Jato.”
“E aliás o doutor [Deltan] Dallagnol [procurador da República], que fez a apresentação, não está aqui. Deveria estar aqui, para explicar aquele famoso Power Point. Aquilo é uma caçamba onde cabe tudo. O Power Point não está julgando o Lula, pessoa física ou pessoa jurídica. Está julgando o Lula presidente da República. E isso eu quero discutir”, continua o petista.
Como foi o depoimento
Iniciada por volta das 14h18 desta quarta-feira (10), a audiência durou cinco horas e foi o segundo maior depoimento da Lava Jato em Curitiba.
O depoimento do ex-presidente acontece dentro do processo em que Lula é acusado de ter recebido, em 2009, propina da empreiteira OAS por meio da reserva e reforma de um tríplex no edifício Solaris, no Guarujá, município do litoral de São Paulo.
Lula também responde pelo armazenamento de bens depois que ele deixou a Presidência, entre 2011 e 2016. Lula governou o Brasil por dois mandatos seguidos, entre 2003 e 2010. O valor total da vantagem indevida seria de R$ 3,7 milhões, como contrapartida por três contratos entre a empreiteira OAS e a Petrobras, segundo o MPF (Ministério Público Federal).
Os crimes
Segundo a denúncia dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato, o ex-presidente da República teria cometido os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, de acordo com a acusação.
Foi nessa ocasião, inclusive, que os membros do MPF usaram aquela que ficou conhecida como a polêmica apresentação em Power-Point para apresentar as acusações contra o petista.
Em 20 de setembro do ano passado, Moro acolheu a denúncia do MPF e Lula tornou-se réu no processo.
Segundo depoimento
O encontro de hoje entre Lula e Moro foi o primeiro feito de maneira presencial. Os dois já estiveram em uma audiência em 30 de novembro de 2016, por meio de uma videoconferência, estando o juiz em Curitiba e o ex-presidente, no prédio da Justiça Federal em São Bernardo do Campo (SP).
Na ocasião, o ex-presidente depôs como testemunha de defesa do deputado federal cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que era acusado de receber propina no contrato de exploração de petróleo em Benin, na África, e de usar contas na Suíça para lavar o dinheiro.
Cunha foi condenado por Moro a mais de 15 anos de prisão na ação em março deste ano.
Ao contrário do depoimento de hoje, a audiência entre os dois na ocasião foi mais curta, tendo durado menos de dez minutos, em clima de cordialidade.
Outros quatro processos
Além do processo no qual prestou depoimento hoje, Lula é réu em outros quatro, sendo dois também no âmbito da Lava Jato. Em um destes dois, o ex-presidente é acusado por tentar obstruir a Justiça por uma suposta tentativa de comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras e um dos delatores do esquema de corrupção na estatal.
Lula também responde por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo que apura desvios para compra de um terreno em São Paulo para o Instituto Lula e de um apartamento em frente ao em que o ex-presidente mora, em São Bernardo do Campo (SP).
A denúncia do MPF que motivou esse processo também envolve R$ 75,4 milhões que foram repassados a partidos e políticos que davam sustentação ao governo de Lula, como PT, PP e PMDB, além de funcionários da Petrobras.
O petista ainda é réu em um desdobramento da Lava Jato, a Operação Janus, comandada pela Justiça Federal no DF (Distrito Federal). Ele é acusado pelos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa.
De acordo com a procuradoria, Lula teria usado sua influência junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a outros órgãos com sede na capital federal para favorecer a Odebrecht em contratos e obras de engenharia em Angola. Em troca, a Odebrecht teria feito "repasses dissimulados" de cerca de R$ 30 milhões.
Também na Justiça do DF, Lula responde a um processo no qual é acusado pelos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa, dentro da Operação Zelotes. O petista teria atuado para interferir na compra de 36 caças do modelo Gripen pelo governo brasileiro e na prorrogação de incentivos fiscais destinados a montadoras de veículos por meio da Medida Provisória 627. Os casos teriam ocorrido entre 2013 e 2015, quando Lula já não era presidente.
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