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Líderes anticorrupção veem racha da direita e erosão de apoio a Bolsonaro

Manifestações deram capital político a líderes de movimentos anticorrupção, que posteriormente romperam com Bolsonaro - Danilo Verpa/Folhapress
Manifestações deram capital político a líderes de movimentos anticorrupção, que posteriormente romperam com Bolsonaro Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Caio Blois

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

25/04/2020 04h00

Lideranças de movimentos de rua que apoiaram Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 e ganharam capital político ao lado do atual presidente veem a situação do mandatário ficar politicamente insustentável, após as acusações de Sergio Moro, ex-ministro da Justiça. A saída de Moro do governo amplia a cisão entre lava-jatistas e bolsonaristas, fato perceptível pelo discurso de representantes desses grupos.

Esses movimentos que foram às ruas exigir mudanças na política, durante os protestos que se espalharam pelo país em 2013, concordam integralmente com a Operação Lava-Jato, mas hoje divergem em relação ao governo federal. Enxergam desgaste na gestão de Bolsonaro e um "racha" na direita.

O ex-juiz, que se notabilizou pelo julgamento do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) durante a Lava-Jato, pediu demissão após Bolsonaro interceder pela saída de Maurício Valeixo do cargo de diretor-geral da Polícia Federal. Moro acusou o mandatário de interferência política na PF.

"O que foi dito hoje, ipsis litteris, é uma clara interferência política não só na Polícia Federal, mas até no Supremo Tribunal Federal. O que ele [Moro] falou é gravíssimo, e se provado constitui crime de responsabilidade [de Bolsonaro]. A sequência de atos pode se constituir também crime de responsabilidade. O que aconteceu hoje [ontem] separa os mais radicais dos razoáveis, que estão dando vários passos para trás. Essas pessoas, sim, ficam agora absolutamente desiludidas. O apoio popular diminui, e o governo fica cada vez mais insustentável", opina Rogério Chequer, líder do movimento "Vem Pra Rua" e hoje filiado ao Partido Novo.

Holiday (ao centro) com o bolsonarista Major Olímpio (PSL-SP) em cima de trio elétrico em manifestação - Nivaldo Souza/UOL - Nivaldo Souza/UOL
Holiday (ao centro) com o bolsonarista Major Olímpio (PSL-SP) em cima de trio elétrico em manifestação
Imagem: Nivaldo Souza/UOL

A desilusão com os rumos do bolsonarismo, entretanto, não é uma novidade para as lideranças do Movimento Brasil Livre (MBL), que já retiraram seu apoio ao governo Jair Bolsonaro em 2019. O vereador Fernando Holiday (Patriota-SP) vê o presidente como um traidor.

"Acredito que as declarações do [Sergio] Moro nos fazem ter, sem sobra de dúvida, a certeza de que Bolsonaro é o maior traidor que a direita poderia ter nos últimos tempos. As acusações do Moro nas declarações indicam crimes de responsabilidades. Não nos resta outra coisa a não ser averiguar e considerar o impeachment. A direita foi rachada de vez. Só vai restar apoio em uma bolha muito específica. Quem é contra a corrupção e achava que o governo poderia ajudar está decepcionado e considera o Bolsonaro um traidor. Traidor a gente trata como lixo", afirma.

Outro líder do MBL, o deputado estadual Arthur Do Val (Patriota-SP), o "Mamãe Falei", chamou o governo de "mal-intencionado". Ele lembrou que o movimento era liberal, e não apenas "anticorrupção", já que "todas as pessoas devem ser anticorrupção por prerrogativa".

Do Val acredita que Jair Bolsonaro só conseguirá sobreviver politicamente aproximando-se do centrão e, para isso, contrariará sua própria narrativa de desprendimento dos antigos personagens fisiológicos da política.

"Essa negociação de cargos já existe tem tempo. O corporativismo político é um problema comparável à corrupção. O Bolsonaro foi eleito para fazer algo diferente, e nesse momento faz o contrário. É o cúmulo se sentar para conversar com [Gilberto] Kassab (PSD), Valdemar da Costa Neto (PL) e Roberto Jefferson (PTB). Vejo isso como ameaça à democracia. No caso do Bolsonaro, como ele bateu de frente nas eleições, vai ser ainda mais custoso 'sentar no colo' dessa gente."

Carla Zambelli mantém apoio ao presidente

Uma das ativistas de maior notoriedade nos protestos, Carla Zambelli se tornou deputada federal de São Paulo pelo PSL, à época partido de Bolsonaro. A fundadora e líder do movimento "Nas Ruas" se mantém fiel ao atual presidente. Triste pela saída de Moro do governo, ela afirmou que seguirá como aliada do governo na Câmara dos Deputados.

"A situação como um todo me deixa muito triste. Mas não comentarei as declarações do Moro. Fico triste com a saída dele. Era uma pessoa extremamente importante para o governo. Um pilar do governo Bolsonaro. De todo jeito, com a saída dele, o governo tem que continuar. Como parlamentar da base do governo meu trabalho vai seguir", disse.

Carla Zambelli mantém apoio a Bolsonaro apesar de saída de Sergio Moro - Agência Câmara / Marcelo Camargo  - Agência Câmara / Marcelo Camargo
Carla Zambelli mantém apoio a Bolsonaro apesar de saída de Sergio Moro
Imagem: Agência Câmara / Marcelo Camargo

Zambelli esteve na equipe que acompanhou Bolsonaro em seu pronunciamento de resposta às declarações de Moro. Ela diz que não teme um aumento da pressão pelo impeachment do presidente.

"As declarações [de Moro] não têm materialidade. Elas precisam ter provas. Em si, não geram temor para pedido de impeachment. Mas a gente sabe que o impeachment é político. A gente sabe que o [Rodrigo] Maia rompeu com o presidente. Pode ser que o Rodrigo Maia aceite um pedido para testar a popularidade do presidente, mas não acredito nisso", comenta, citando o nome do presidente da Câmara.

Na noite de ontem, Moro apresentou ao Jornal Nacional trocas de mensagens com Bolsonaro e com Zambelli para comprovar seu lado nas acusações contra o chefe do Executivo.

Acusações de Moro são "graves", mas impeachment divide opiniões

Em seu discurso de demissão do cargo de ministro da Justiça, Sergio Moro fez acusações que foram encaradas por juristas e políticos como crimes de responsabilidade. Isso abriu espaço para que o assunto impeachment voltasse à tona. A possibilidade de um impedimento de Jair Bolsonaro divide opiniões entre os líderes de movimentos políticos e anticorrupção.

"Todos os pedidos apresentados até aqui não tinham grande respaldo jurídico. A utilização seria política. O Rodrigo Maia não faria isso. O Maia, agora, se tiver inteligência política, só levaria para frente um projeto que tivesse respaldo na comunidade jurídica. Falo da OAB ou de juristas respeitados como Miguel Reale Júnior, que participou do impeachment da Dilma [Rousseff]. Isso deixaria a possibilidade de acatar [o pedido de impeachment] uma decisão menos política. Tudo isso depende do quanto o Moro vai conseguir comprovar o que disse", crê Fernando Holiday, do MBL.

Kim Kataguiri, Arthur Do Val e Fernando Holiday são lideranças do Movimento Brasil Livre - Karime Xavier/Folhapress - Karime Xavier/Folhapress
Kim Kataguiri, Arthur Do Val e Fernando Holiday são lideranças do Movimento Brasil Livre
Imagem: Karime Xavier/Folhapress

Arthur Do Val, também do MBL, chamou a interferência na Polícia Federal de "crime". O deputado acredita que, se forem comprovadas as acusações de Sergio Moro, o impeachment precisará ser considerado.

"A interferência não é algo minimamente aceitável. É um crime. Nem o PT fez isso, ainda que quisesse. É comparável ao mensalão do Lula, tentando comprar os poderes. É muito mais que corrupção, é quebrar a estrutura política do país. É muito mais grave do que caixa 2, rachadinha, essas coisas que a gente sabe que ele e a família fazem. Se for comprovado, temos que considerar o impeachment."

Já Rogério Chequer, do Partido Novo, foi além. Para o líder do Movimento Vem Pra Rua, Bolsonaro deveria renunciar e "poupar o país de mais esse martírio".

"O que nós vamos fazer, o Vem pra Rua, é defender o mesmo curso do que aconteceu com Dilma [Rousseff]. As coisas precisam ser apuradas, verificadas, e tudo tem que acontecer dentro da lei. Para poupar a gente de mais um martírio desses, Bolsonaro faria um favor se renunciasse", afirma. "Se as acusações forem comprovadas, precisa haver impeachment, mas a renúncia pode acontecer a qualquer momento. Se ele é culpado, sabe o que fez."

Guedes é o último pilar do governo, e balança

Paulo Guedes, ministro da Economia, é considerado pelos líderes desses movimentos como o último pilar do governo Jair Bolsonaro. Para eles, a saída de Guedes pode indicar o fim do capital político do presidente.

"Bolsonaro tinha dois principais pilares: Moro e [Paulo] Guedes. Hoje perdeu um e está manco. A posição de Guedes também está ameaçada. Se perder as duas pernas, não consegue mais andar sozinho", afirma Rogério Chequer.

Paulo Guedes está "na linha de tiro" de Bolsonaro após demissão de Sergio Moro - GABRIELA BILÓ/ESTADÃO CONTEÚDO - GABRIELA BILÓ/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: GABRIELA BILÓ/ESTADÃO CONTEÚDO

Arthur Do Val não vê chance de Bolsonaro escapar da crise política após a saída de Moro e apontou um processo de fritura proposital sobre o ministro da Economia, já que o governo, até aqui, "não deu, em nenhum momento, o indício de ser liberal na economia".

"O modus operandi do bolsonarismo é muito claro. Eles têm uma patrulha intensa. É uma coisa radical. Eles queimam reputações, excluindo da bolha. Querem queimar e tirar da bolha. Estão fazendo isso com o Guedes, difamando", lembra Do Val, citando atritos com o presidente. "Tenho certeza que agora, durante a saída do Moro, o pessoal das narrativas vai falar 'talvez tenha errado, mas ainda é o melhor da história', e apontará a metralhadora para o Paulo Guedes", opina.