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CPI tem "capitã cloroquina" e pressão de bolsonaristas sobre governadores

20.mai.2020 - Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação no Ministério da Saúde - Júlio Nascimento/PR
20.mai.2020 - Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação no Ministério da Saúde Imagem: Júlio Nascimento/PR

Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

24/05/2021 04h00Atualizada em 24/05/2021 19h24

Depois de semanas agitadas e implicações contra o governo, a CPI da Covid deve ter um ritmo menos midiático nos próximos dias. Nos bastidores, porém, o duelo entre senadores da situação e da oposição segue em alta temperatura.

Enquanto os críticos do governo Jair Bolsonaro (sem partido) devem voltar a dar ênfase às discussões sobre a cloroquina, apoiadores do presidente pretendem aumentar a cobrança para que a investigação se estenda aos governadores. Além disso, o plenário deve aprovar na quarta as reconvocações do ex-ministro Eduardo Pazuello e possivelmente do atual chefe da pasta da Saúde, Marcelo Queiroga.

A semana começará com a oitiva de Mayra Pinheiro, conhecida nos corredores do Ministério da Saúde como "capitã cloroquina". Titular da Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação, ela ganhou projeção não pela atuação à frente da pasta, e sim pela defesa nas redes sociais da prescrição de medicamentos sem eficácia científica comprovada no tratamento da covid, como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina.

Mayra será ouvida amanhã (25), a partir das 9h, e há expectativa entre os congressistas de que ela mantenha seu posicionamento favorável ao que chama de "tratamento precoce" da covid. Nenhum medicamento comercializado no mundo hoje tem a indicação específica para ser usado no início da doença ou para prevenção.

A servidora será instada a explicar, por exemplo, os motivos pelos quais idealizou o aplicativo TrateCov —plataforma oficial que sugeria um diagnóstico para pessoas com sintomas de covid-19 e recomendava o uso de cloroquina até para bebês.

No entanto, Mayra tem em seu favor um habeas corpus concedido pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski. A decisão dá a ela o direito de se calar frente a questionamentos sobre o colapso da rede de saúde do Amazonas, entre o fim de dezembro de 2020 e janeiro desse ano. O motivo: o assunto já é objetivo de investigação por parte do Ministério Público Federal.

App 'TrateCov'

A plataforma TrateCov, que foi retirada do ar pouco depois de ser lançado em Manaus, no começo do ano, foi ideia da secretária, de acordo com o relato do ex-ministro Pazuello. Em depoimento à CPI, na quinta, o ex-chefe da pasta afirmou que o aplicativo acabou sendo hackeado e disponibilizado para download antes de sua finalização.

"[O TrateCov] foi roubado, hackeado, manipulado. Ele nunca foi utilizado por médico algum. (...) Ele foi retirado, ele foi descontinuado. (...) Ele foi iniciado e foi apresentado ainda não concluso", disse Pazuello.

Diferentemente do que afirmou o ex-ministro, o TrateCov foi lançado em janeiro com destaque pelo governo e disponibilizado a médicos por quase uma semana.

O Ministério da Saúde, a Casa Civil e a TV Brasil celebraram o lançamento. De acordo com o próprio governo divulgou à época, "342 profissionais" já estavam "habilitados" a usar o TrateCov —ou seja, a plataforma entrou em operação. Não foi feita qualquer referência ao aplicativo não estar "concluso". Além disso, o acesso ficou liberado para qualquer pessoa por ao menos três dias.

Nesse momento, os ecos do depoimento de Pazuello e as revelações obtidas nas últimas três semanas, como a indisposição em relação às negociações com a Pfizer e as ofertas ignoradas para compra de vacinas, são as principais armas da oposição no sentido de apontar responsabilidades do governo federal pelo agravamento da crise durante a pandemia.

Governadores na mira da tropa de choque bolsonarista

Do outro lado, a base governista pretende elevar a pressão e cobrar de forma mais contundente a apreciação de requerimentos de convocação de governadores. Há expectativa de que alguns pedidos sejam analisados e votados na reunião de quarta-feira (26).

A ampliação do escopo de investigação da CPI, transferindo o foco do governo Bolsonaro para os estados e municípios, é uma tática encontrada pela defesa do presidente. Os senadores argumentam que os indícios de corrupção em relação às verbas liberadas pela União durante a pandemia são tão ou mais graves do que eventuais erros cometidos pelo Ministério da Saúde.

Politicamente, o cerco que a situação tenta fazer aos governadores é também uma ofensiva ao relator da CPI, Renan Calheiros, e a outros senadores que possuem relações diretas ou indiretas com os gestores de seus respectivos estados. O filho do relator, Renan Filho, é governador de Alagoas.

Já nesta quarta-feira, a previsão de que os parlamentares analisem e votem um requerimento de convocação do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC).

Nº 2 de Pazuello e outros convocados

O próximo depoimento seria do ex-secretário executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco Filho. A oitiva havia sido agendada para quinta-feira. O ex-servidor, no entanto, alegou à CPI que teve contato com pessoas contaminadas pela covid-19. Dessa forma, os senadores vão decidir por uma nova data.

Franco Filho era considerado o "02" da pasta da Saúde durante a gestão do general Eduardo Pazuello —que ficou dez meses no cargo, entre maio de 2020 e março de 2021. Ele não pode se negar a comparecer à CPI, pois o requerimento aprovado foi de convocação, e não de convite.

18.mai.2020 - O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, durante entrevista coletiva - Júlio Nascimento/PR - Júlio Nascimento/PR
18.mai.2020 - Élcio Franco, número 2 de Pazuello na Saúde
Imagem: Júlio Nascimento/PR

Os parlamentares também devem definir na quarta datas de depoimentos de outras testemunhas. A lista já aprovada tem mais dez nomes, entre os quais o do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, e da médica e defensora da cloroquina, Nise Yamaguchi. Os demais são:

  • Marcellus Campelo, secretário de saúde do Amazonas;
  • Nísia Trindade Lima, diretora da Fiocruz;
  • Jurema Werneck, representante do Movimento Alerta;
  • Fernando de Castro Marques, presidente da União Química Farmacêutica (parceria no Brasil da fabricante da vacina russa Sputnik V);
  • Hélio Angotti Neto, presidente do plenário da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde);
  • Ricardo Dimas Zimmermann, médico Infectologista;
  • Francisco Eduardo Cardoso Alves, médico;
  • Flávio Cadegiani, médico.

De acordo com prévia do cronograma desenhado pela CPI, o depoimento de Nise Yamaguchi deve ocorrer em 1º de junho. Já o de Dimas Covas ocorreria originalmente em 8 de junho, mas pode ser antecipada para esta quinta em razão do imprevisto com o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde.

No rascunho da agenda da CPI, também já há datas reservadas para depoentes que ainda não tiveram requerimentos analisados pelo plenário da comissão. É o caso do empresário Carlos Wizard, um dos mais aguardados pelos senadores da oposição.

Todas as datas que constam da relação prévia ainda precisam ser votadas na próxima quarta.

Quem já ouvido pela CPI: os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Pazuello; o atual chefe da pasta, Marcelo Queiroga; Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa; Fábio Wajngarten, ex-chefe de Comunicação; Carlos Murillo, CEO da Pfizer; e Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores.

Senado além da CPI

Embora menos em destaque, as sessões virtuais do plenário do Senado continuam ocorrendo de terça a quinta. Há previsão de que os senadores façam um esforço concentrado semipresencial de 8 a 10 de junho ou de 15 a 17 de junho para votação de pautas que exigem o voto secreto, o que ainda só pode ser feito in loco, como indicações a alguns postos diplomáticos no exterior.

Um dos principais desafios do Senado até o fim de junho é a votação da medida provisória que prevê a privatização da Eletrobras, holding gigante do setor elétrico brasileiro, que detém empresas de geração e transmissão de energia, aprovada pela Câmara dos Deputados.

Se a proposta for aprovada sem modificações pelos senadores, será encaminhada para sanção presidencial. Se a redação for alterada, a matéria volta para a Câmara dos Deputados. Ela precisa ser votada até 22 de junho para não perder validade.

No Senado, no momento, a perspectiva é que ainda há muitos pontos a serem esclarecidos sobre a Medida Provisória, inclusive entre governistas.